O livro “Filosofia: uma introdução temática” foi publicado recentemente pelo professor e pesquisador Giovanni Rolla, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), inaugurando uma coleção vinculada ao Nel – Núcleo de Epistemologia e Lógica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Está disponível como e-book e pode ser baixado gratuitamente neste link aqui.
Em 2018, o professor publicou “Epistemologia: uma introdução elementar”, também disponível gratuitamente neste outro link aqui. Impulsionado pela boa experiência anterior, desta vez o autor teve como motivação desenvolver uma obra que apresentasse problemas filosóficos a leitores interessados em filosofia, não necessariamente iniciados no campo.
Para escrever essa introdução, Giovanni Rolla partiu de suas próprias aulas, ainda que sem se limitar a elas. O resultado é um livro de grande utilidade prática para a compreensão de determinadas ideias a partir da perspectiva da filosofia. Em parte, a originalidade da obra se deve à própria maneira como as ideias são expostas, com leveza, objetividade e foco nos problemas filosóficos. Giovanni escreve de uma forma muito fluida, agradável e acessível.
A importância de um livro escrito dessa maneira para quem se interessa por filosofia, mas ainda não tem muita familiaridade com a área ou conhecimento prévio, é que começar a ler filosofia nem sempre é uma tarefa muito fácil. Uma prática comum na área é a exegese, além da investigação histórica. O problema é que essas práticas, em vez de atrair, podem acabar distanciando interessados em filosofia que não têm tempo ou fôlego para uma leitura tão minuciosa daquilo que cada autor falou e em qual contexto.
Um tanto mais rara no Brasil e, no meu entendimento, possivelmente mais proveitosa – especialmente para quem deseja contar com a filosofia para ampliar sua perspectiva acerca de determinados assuntos – é a apresentação de tópicos como Giovanni faz. Essa proposta torna o livro um interessante ponto de partida (daí o nome da coleção que a obra inaugura) para discussões que apresentam interseções com outras diversas áreas.
Na breve entrevista que fiz com o autor, ele conta um pouco mais:
1. Qual você considera que é o “público-alvo” do livro?
GIOVANNI ROLLA: Eu concebi esse livro aproximadamente a partir das minhas aulas de Introdução à Filosofia na UFBA. Essas aulas são voltadas para alunos de outros cursos que não a Filosofia, como os cursos de Direito, Psicologia, Bacharelado Interdisciplinar, Administração, Secretariado Executivo entre outros. São pessoas que ainda não tiveram muito contato com assuntos e temas filosóficos—se estudaram Filosofia, foi com o enfoque tradicional do ensino médio, que, na maior parte das escolas, é voltado para o ENEM. Então eu escrevi para esse tipo público (mas acredito que também possa ser usado, junto com outro material, no ensino médio). Ou seja, escrevi sem pressupor conhecimento de discussões filosóficas, e procurei apresentá-las com o vocabulário mais acessível possível, dentro de um recorte bem delimitado e com algumas sugestões de leitura no fim dos capítulos. Inclusive, são muitas vezes as leituras que eu uso em sala de aula.
2. A filosofia tem fama de ‘complicada’ e você, além de contribuir com o livro em si trazendo uma introdução a temas importantes da área, se mostra bastante preocupado com a linguagem que utiliza no livro, de um modo bastante simpático e que convida à leitura. Quais as dificuldades mais comuns que seus alunos encontram ao começar a ler textos filosóficos, e quais as dicas que você dá para quem deseja lê-los? Essas dificuldades inspiraram você a escrever, ou a inspiração veio de outras fontes?
G.R.: Eu acho que uma dificuldade muito geral para pessoas que estão começando a estudar filosofia consiste em adotar uma postura crítica na leitura. Com isso quero dizer que o estudo de filosofia envolve uma leitura atenta a alguns elementos que geralmente não estão presentes em outros tipos de textos (como textos literários), como argumentos, teses, objeções, distinções conceituais, etc. Estudar filosofia envolve constantemente se perguntar coisas como: “por que esses autores acham isso?”, “o que eles quiseram dizer aqui?”, “será que essa resposta resolve aquele problema?”, etc. Por causa da falta de hábito ou de treino em ler criticamente, as pessoas muitas vezes têm dificuldade de entender um texto filosófico. Mas isso, eu acho, você só aprende fazendo. Outra dificuldade diz respeito ao fato de ter que lidar com um vocabulário muito diferente do nosso vocabulário cotidiano. Isso é normal, porque a filosofia—ou melhor, a boa filosofia—pretende alcançar certo grau de rigor nas suas formulações. Isso passa pela criação de termos técnicos e de distinções, e isso pode gerar alguma estranheza aos leigos, por isso que você tem que ler filosofia tomando notas, rabiscando, destacando conceitos, sublinhando o que for importante etc.
Quanto às inspirações, eu não saberia dizer exatamente quais seriam elas. Havia uma vontade muito grande de escrever, de me manter ocupado (essa é a força que me compele sempre a participar de todos os projetos com os quais estou envolvido). Na verdade, no fundo no fundo, me parece que escrever e voltar minha atenção a problemas filosóficos (e às vezes aos problemas filosóficos que ficam na fronteira com os empíricos) é minha maneira de me manter são, de tirar um pouco minha atenção de problemas e tragédias cotidianas. A primeira versão desse livro, na verdade, tinha como alvos muito mais explícitos certas, digamos, figuras públicas que eu acredito representarem uma imbecilidade galopante que é hostil à Filosofia, e na verdade a toda vida inteligente. Eu diminuí o tom por autopreservação. Mas talvez isso mude numa eventual segunda edição a partir de 2022. Isso se meu editor Jerzy Brzozowski deixar.
3. Como foi a escolha de temas para o livro? Pode contar um pouquinho mais sobre o processo (para além do que já conta no prefácio)?
G.R.: Quando pensei em escrever um livro, tinha em mente registrar os conteúdos das minhas aulas. Mas isso foi mudando, pois, conforme avançava a escrita, eu dei uma ênfase nova a algumas questões. Um exemplo é a filosofia da linguagem e a questão da nomeação, um assunto nem sempre eu consigo trabalhar em aula. Também tirei completamente a seção de epistemologia tradicional (definição de conhecimento, ceticismo, etc.), em detrimento de uma nova seção de filosofia da ciência. Achei essa última seria mais importante para época em que a gente está vivendo, um tempo bizarro em que as pessoas pensam que tomar remédio para protozoário pode acabar com uma infecção viral. Na parte da ética eu tive mais problemas, e foi a que demorou mais para escrever, porque eu não tenho nada muito original para escrever sobre esses assuntos, e talvez também seja algo para rever no futuro. Eu admito que não tenho um único pensamento original ou interessante sobre estética, então nem me arrisquei a colocar um capítulo sobre esse tema!
4. Você acredita que existe uma “porta” certa pela qual se deve entrar quando se quer começar a estudar filosofia ou existem várias possíveis portas de entrada? Quais dicas daria para quem quer começar a estudar?
G.R.: Eu acredito que existe uma maneira mais fácil quando se trata de uma introdução à Filosofia, que é relacionar questões de dia-a-dia ou de senso comum com problemas filosóficos. A vantagem dessa abordagem é que diminui o senso de estranheza—mas claro que nem sempre isso é possível, porque existem problemas muito técnicos e muito abstratos. Mas aí há um posicionamento meta-filosófico (que eu trato no livro), que é a continuidade da filosofia tanto com o senso comum, quanto com as questões empíricas. Há pessoas que negam essas relações, e talvez isso oriente uma preferência por ensinar e estudar filosofia de um ponto de vista estritamente histórico (tive excelentes professores que faziam isso). Mas como eu nunca fui bom nisso e nunca fiz história da filosofia com muito ânimo, prazer ou virtude, então não saberia como começar dessa perspectiva.
Acho que uma dica primordial para qualquer material filosófico com que você se deparar é ler se perguntando ‘por quê?‘.
5. Se quiser fazer mais algum comentário, esta é a hora 😉
Por enquanto, eu só quero agradecer pelo espaço e pela divulgação mais uma vez 😉 Um abraço!
Eu que agradeço ao prof. Giovanni Rolla pela entrevista.
Prof. Dr. Giovanni Rolla é professor adjunto de Filosofia pelo Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia. É membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da mesma universidade e membro fundador dos grupos de pesquisa interinstitucionais Enactive Cognition & Narrative Practices (Wollongong-AUS) e do grupo de pesquisa Cognição, Linguagem, Enativismo e Afetividade (Brasil). É doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2017), mestre (2013), bacharel (2010) e licenciado (2015) em Filosofia pela mesma universidade. Atua principalmente com filosofia da cognição, teorias da cognição corporificada, variedades de enativismo, teorias da percepção e teorias da informação.
ROLLA, GIOVANNI. Filosofia – uma introdução temática. Florianópolis: UFSC, 2021.