Mulheres de IA não falam, mas dizem muito

Todo dia eu pego o metrô e todo dia eu torço para dar tempo de pegar o vagão feminino (às vezes o trem está chegando quando eu desço as escadas e aí eu pego o que dá, na correria). Todo dia torço para que as ruas não estejam tão vazias nem tão mal iluminadas nem tão estranhas nem tão assustadoras nem com homens aleatórios esquisitos quando tenho que passar por elas. Tenho certeza que todas as mulheres que conheço torcem pelas mesmas coisas. Mas por que eu estou falando de vagão feminino e ruas vazias neste post para o qual escolhi a imagem de uma mulher sensual de cabelo rosa?

Essa mulher sensual de cabelo rosa é uma IA. Pois é, ela foi criada para ser uma influencer, porque algumas marcas estavam cansadas do “ego” das influencers reais. E o que isso tem a ver com o vagão feminino? Tem tudo a ver.
Acontece que a gente vive num mundo projetado para satisfazer as necessidades e os prazeres dos homens. E o vagão feminino só existe porque existem homens que acreditam que podem satisfazer suas necessidades com as mulheres que estão indo e vindo no metro. Quem não sabe, pesquisa.

Também as mulheres de IA só existem por isso. Ego dá trabalho, é chato, né? Mulher reclamona. Mulher que dá piti. Mulher que exige seus direitos. Ai, que saco – dizem os homens que acreditam que estamos aqui para saciá-lós. Eles preferem uma boneca inflável… ou uma IA. Bingo!

Este não é exatamente o texto de uma pesquisadora da IA, mas o texto de uma mulher cansada de ver as mulheres acuadas, tristes, nervosas e tentando caber onde definitivamente não cabem. Somos tão grandes. E temos crescido na medida em que alguns caras se reduzem mais e mais. Já repararam? Eles se reduzem até caber no que sempre mereceram: uma mulher que na verdade não existe.

Eu poderia achar ruim as mulheres de IA, e acho, principalmente porque tenho sempre em mente as meninas. Elas, que ainda nem menstruaram e já estão se perguntando por que são feias, quando são lindas. Elas, que se comparam com mulheres de peitos 44 e cintura 36 que nunca existiram. Elas, que sonham fazer plástica, sem saber que esse sonho não é delas. Elas, que cabem onde quiserem, podem sonhar com o que quiserem, e vestir PP ou XGG que podem realizá-los do mesmo jeito. Elas, essas meninas, são a minha principal preocupação enquanto mulher e educadora.

Para as mulheres mães e professoras dessas meninas eu gostaria de dizer o seguinte: deixem essa encheção de saco das mulheres de IA para os homens que gostam de ser enganados. Não gastem muito sua energia com isso. Deixem-nas para aqueles que nos querem caladas. Talvez isso reverbere de forma positiva para nós. Eles se ocupam de idolatrar as bonecas infláveis virtuais, enquanto nós nos ocupamos de ensinar as nossas meninas o valor da voz delas, o valor dos sonhos delas. Vamos combinar assim? Não vamos perder o foco. Alguns homens gostariam que perdêssemos. Assim ficaríamos todas deprimidas, gastando dinheiro com plástica na pele da vagina, no branco do nosso olho ou no buraco do nariz e, tudo isso, caladas. Não precisamos ser perfeitas para mudar o mundo, só precisamos SER. Nós existimos. Eu penso, eu luto, logo eu existo. Um salve às mulheres reais.