Os gestos e a cognição

Lembro bem de quando minha mãe me explicava química orgânica, em “aulas” na minha casa das quais também participavam meus colegas preocupados com o vestibular. Ela fazia gestos no ar, que representavam as cadeias de carbono. Com as mãos, nos fazia pensar em como as cadeias se conectavam. Aprendíamos com muito mais facilidade com aquele gestual todo, que complementava tão bem as explicações que ela dava.

Minha mãe nao é a única a gesticular bastante enquanto fala ou explica algo. Nasci em uma família de descendentes de italianos; gestos, portanto, são algo que não economizamos. É impressionante como mexemos as mãos ao falar! E não precisamos estar na presença da pessoa, gesticulamos quando falamos ao telefone também (e caminhamos para lá e para cá)…

Eis que na ciência cognitiva há uma explicação para essa profusão de gestos, sempre a acompanhar as palavras quando se trata não só da minha família, claro, mas de todos nós. Pesquisas apontam que os gestos são constitutivos dos nossos processos cognitivos, o que significa que vão muito além de simples expressões de pensamentos prontos. Os gestos são parte do processo de pensar. É nisso que acredita Andy Clark, que em seu livro Mindware – An Introduction to the Philosophy of Cognitive Science procura nos fazer refletir sobre o assunto destacando exatamente o exemplo que dei ali acima: gesticulamos ao falar com as pessoas ao telefone, ou seja, mesmo que nossos interlocutores não estejam nos vendo! Além disso, gesticulamos no escuro, quando ninguém pode ver, e também quando precisamos escolher entre algumas opções ou encontrar uma solução para determinado problema, em vez de apenas relatá-lo a alguém. Esses são indícios de que gesticular não tem a ver (ao menos não apenas) com transmissão de informação!

As mãos e a cognição

Provavelmente por conta disso é que as mãos se tornam grandes aliadas do processo de aprendizagem para as crianças, como defende a especialista em desenvolvimento cognitivo Susan Goldin-Meadow. A pesquisadora tem um trabalho interessantíssimo, voltado para o uso dos gestos no desenvolvimento da linguagem e de outras capacidades cognitivas.

Ela explica, no vídeo que está embedado a seguir, por que o uso das mãos é tão importante quando as crianças estão aprendendo. Ressalto que, nesse caso, o papel dos gestos manuais vai muito além do que normalmente se comenta com relação ao poder do uso das mãos em discursos e outras formas de comunicação: no caso da aprendizagem, não se trata apenas da importância dos gestos e das mãos para dar ênfase a pontos importantes passados aos alunos pelos professores; os gestos que os próprios alunos fazem durante a aprendizagem contribuem expressivamente para o processo, além de, quando observados, revelarem muito sobre o andamento desse processo para cada criança.

Talvez esse seja um excelente lembrete para evitarmos que as mãos de nossas crianças se limitem a apenas tocar as telas de tablets e smartphones:

Segundo a pesquisadora, famílias que gesticulam mais também contribuem para a formação do vocabulário de suas crianças – talvez seja essa uma das razões que me levaram a me apaixonar pela comunicação e então me tornar jornalista! Aliás, na faculdade de jornalismo fomos encorajados a deixar as mãos quietas enquanto falamos em público, mas se dependesse de ter sucesso nisso eu provavelmente não teria me formado… 🙂

 

 

Nem tudo é cérebro no reino da cognição…

Matéria publicada no site Singularity Hub no final do mês passado aponta que vem sendo observada uma maior atenção à neurociência associada à educação, o que poderia levar o campo a inovar nas práticas educacionais. Em vez de continuar baseada em premissas tradicionais ou individuais sobre aprendizagem, a educação está começando a ser tratada como uma ciência, diz o artigo, que cita o termo neuroeducação (neuroeducation) como aquele que emerge dessa união. A neuroeducação, diz Raya Bidshahri, autora do texto, seria importante para aplicar o método científico ao desenho do currículo e às estratégias de ensino, em um esforço de “entender a aprendizagem com base em evidência”.

O artigo afirma que todas as habilidades humanas, entre elas a aprendizagem, são resultado da atividade cerebral. E se dedica a explicar as diversas influências dos estudos do cérebro para a evolução das análises relacionadas à aprendizagem. Afirma, ainda, que o campo da neuroeducação utiliza-se, além da neurociência, da psicologia e da ciência cognitiva para gerar informação para a educação e fundamentar estratégias de ensino.

Parece aí haver, de fato, grande inovação, ou a base para inovar. Afinal, a educação não tem nada a perder olhando para os avanços obtidos pela neurociência, muito pelo contrário, não vejo como haver separação aí. Mas, o que o artigo não menciona é o que vai além desse modo de ver a aprendizagem, que tem como foco o cérebro como se ele reinasse absoluto nesse processo. E não reina? Talvez não.

O cérebro, o corpo e o ambiente

Por mais que o cérebro, é claro, seja essencial para muitas habilidades humanas (mas quiçá menos essencial do que imaginamos, para muitas delas – o que já não é tão óbvio ou não tão bem aceito assim), existe um grupo (grande e crescente, vale dizer) de cientistas cognitivos e filósofos dedicados a analisar a relação entre as capacidades cognitivas, o cérebro, o corpo (como um todo) e o ambiente em que estamos inseridos. E, nessa equação, o cérebro deixa de ser, digamos, o ator de um monólogo, para se tornar um dos atores que “dialogam” para formar o nosso sistema cognitivo. Para os cientistas cognitivos e os chamados filósofos da mente, a mente é constituída pelo cérebro, o corpo e o ambiente. Dentre eles, Andy Clark e David Chalmers estão no grupo dos que vão mais longe: defendem que as tecnologias desenvolvidas por nós, humanos, também são constitutivas da mente, atuando como extensões dela. Trata-se da teoria da mente estendida.

O cérebro, o corpo, o ambiente e a educação

E de que maneira as teorias cognitivas que, por assim dizer, amplificam a mente, ajustando a lente para tirar o mérito absoluto do cérebro e colocar o foco também sobre o corpo e o ambiente, influenciam no desenvolvimento da educação? No mínimo, os pensadores que se dedicam a esses estudos nos levam a refletir sobre o fato de que também aprendemos com o corpo, ou fazendo uso das extensões dele – como nossos smartphones, por exemplo, que atuam como a nossa memória para muitas atividades e funções; e aprendemos também a partir de nosso relacionamento com o ambiente, que influencia outras funções cognitivas além da aprendizagem. Sem dúvida, tem muito o que ser analisado aí e isso é assunto para muito além de um post (no mínimo, uma dissertação, como é o meu caso!).

A neurociência é uma grande parceira de pesquisadores como Andy Clark, que constrói seus argumentos a partir do que é desenvolvido e descoberto pelos cientistas dedicados a estudar o cérebro. De forma alguma, Clark defende que o cérebro deve ser deixado de lado; não! O cérebro é essencial para a mente; acontece que o órgão não é o único que deve ser levado em consideração nesse processo. Nem tudo se resume a neurônios, podemos dizer assim! Por conta disso, esse filósofo da mente é um excelente pesquisador para quem deseja aprender mais sobre o funcionamento humano – e sobre inteligência artificial. Sim, sobre inteligência artificial, por que não? Em breve escrevo sobre isso aqui no blog. Vou também falar sobre o pesquisador Hubert Dreyfus, autor de um livro chamado “Skillful Coping”, que é uma obra altamente recomendada para quem está disposto(a) a desmontar aquilo no que acreditou até hoje, a respeito de como aprendemos e de como nos tornamos “experts” em alguma coisa…

Meu “incômodo” 

É por isso que, quando leio algo que fala em inovação na educação, hoje, sem mencionar esse aspecto da mente como sendo uma “parceria” entre o cérebro, o corpo e o ambiente, fico incomodada. E tenho procurado saber mais sobre esse universo que considero fascinante e que acredito poder revelar muito sobre a nossa maneira de estar no mundo, apreendê-lo e aprender.

Links

Por ora, recomendo a leitura desta ótima reportagem, publicada no site da Vice-Reitoria para Assuntos Acadêmicos da PUC-Rio, que traz falas do professor Ralph Bannell, meu orientador de mestrado, e da prof. Gilda Campos, com quem tive aulas este ano na PUC e que é a coordenadora da CCEAD da PUC.

Para quem nunca leu nada a respeito, que tal começar assistindo a um TED Talk com David Chalmers? Afinal, o smartphone é parte de nossa mente? Assista a este vídeo bem-humorado com Chalmers – que, ainda que pareça um roqueiro do Slayer, como alguém comentou no YouTube, na verdade é um dos autores da teoria da mente estendida, como mencionei.