Robôs: tecnologia corporificada?

O robô da foto acima é o Asimo, criado pela Honda. A primeira versão dele foi lançada em 1986. O Asimo anda, corre, sobre escadas, segura objetos, entende de comandos de voz; é um robô cada vez mais completo. Será mesmo?

Apesar de fazer tudo isso, Asimo consome 16 vezes mais energia que nós, humanos, para andar. Essa ineficiência energética decorre do fato de que, nesse robô, tudo é uma questão de processamento central: todo movimento que ele realiza, todas as suas ações são fruto de um design baseado em algoritmos, que resolvem questões relacionadas às funções da visão, navegação e do equilíbrio desse robô; os algoritmos passam instruções detalhadas para a máquina seguir.

Além da ineficiência energética, um outro problema que o Asimo enfrenta relaciona-se ao seu equilíbrio: ao caminhar sobre uma superfície plana, ele dá conta do recado. Mas, se precisar fazer movimentos para se resguardar de oscilações no chão, por exemplo, ele falha tentando realizar cálculos que o mantenham de pé.

Andrew D. Wilson é um cientista cognitivo interessado no estudo de robôs que conseguem aproveitar o ambiente para se saírem melhor nas tarefas para as quais são designados. Ele propõe em um artigo publicado no Psychology Today a comparação do Asimo a um outro robô, chamado Big Dog, desenvolvido pelo Leg Lab do MIT*. Contando com membros elásticos, ligamentos bem localizados, caudas que se movem corretamente por causa da forma como foram construídas, e não porque há um processador central no comando, diz Wilson, Big Dog se sai muito melhor do que Asimo no quesito movimentos corporais.

A forma como Big Dog foi pensado e construído voltou-se para o aproveitamento máximo do ambiente “real” (não de laboratório) com suas irregularidades e seus obstáculos. Esses elementos do ambiente, em conjunto com o “corpo” construído para o robô visando o melhor desempenho e fundamentado em suas características físicas, dá origem a um sistema dinâmico em que as partes se complementam. O resultado é que o Big Dog se sai muito bem em situações imprevisíveis; por exemplo, se cai, levanta; se é empurrado, seu “corpo” reage, e por aí vai.

O que esses robôs nos ensinam?

“A diferença entre os dois robôs é que o Asimo representa mentalmente suas habilidades, enquanto o Big Dog as corporifica”, diz Wilson. Isso significa que o Asimo precisa de um intrincado maquinário computacional, gerenciado por um processador central, capaz de apresentar um algoritmo para cada função que ele venha a exercer. Seu “corpo” é como se fosse um apêndice, um apoio; assim, para Wilson, o Asimo nao é de fato uma tecnologia corporificada: para sê-lo, precisaria de fato utilizar seu corpo e, na dinâmica com o ambiente, potencializar suas capacidades físicas. Esse é o caso do Big Dog e de muitos outros robôs, uma vez que essa tem sido a tendência no campo da inteligência artificial e da robótica.

Imagem: http://robohub.org/

O design do Asimo não reflete a forma como nós, humanos, funcionamos. Somos muito mais como o Big Dog.Nosso corpo aproveita o ambiente de diversas formas, algumas delas já exploradas aqui neste blog. Basta, para isso, nos observarmos andando a pé, correndo em ladeiras, pedalando bicicletas, andando de patins, enfim. Olhando para a forma de estarmos no mundo, de fato, poderemos ser melhores em produzir robôs. Mas para isso é necessário acreditar que nosso sistema cognitivo não se limita ao cérebro e que, acoplados ao ambiente, formamos com ele sistemas dinâmicos. Sobre isso, leia mais neste meu post aqui.

*Não encontrei, no site do MIT, o robô Big Dog, mas o artigo de Wilson é de 2012, então ele pode ter dado lugar a outros projetos (realmente não sei). De qualquer forma, a tendência no mundo da robótica é bem representada pelo Big Dog e por outros que você vê no MIT e em outros laboratórios, como os robôs-insetos da Barbara Webb.

 

 

 

 

O cérebro que prevê (The Predictive Brain)

Segundo Anil K Seth, professor de neurociência cognitiva e computacional na Universidade de Sussex, o conceito do cérebro como uma “máquina que prevê” teria sido introduzido pelo matemático Hermann von Helmholtz no século 19 (veja neste artigo dele sobre o “hard problem” da consciência).

O conceito, que ocupa lugar de destaque nos estudos do filósofo da mente Andy Clark, baseia-se na imagem do cérebro humano como uma máquina com diversas camadas capaz de realizar previsões; sinais sensoriais são processados em múltiplos níveis neurais, que procuram predizer as informações sensoriais em fluxo. Essas previsões, inconscientes, nos preparam para lidar de forma rápida e eficiente com a corrente de sinais vindos do mundo.

Sendo assim, se o sinal sensorial que aparece é o esperado, nós vemos e ouvimos coisas que já começamos a nos preparar para ver e ouvir, ou revelamos comportamentos que já começamos a organizar. Mas, e se as coisas não saem como esperamos? Aí, acontece o chamado sinal de erro de previsão, que é calculado em cada área e nível de processamento neural, e revela que a previsão que fizemos estava errada. O cérebro é convidado a tentar novamente, armado com informações específicas que já incluem os novos erros. Dessa forma, o cérebro está permanentemente tentando adivinhar a forma e a evolução dos sinais sensoriais correntes, utilizando, para isso, o conhecimento armazenado do mundo.

Essa forma de o cérebro acoplar-se com o mundo pode nos ajudar em situações corriqueiras, como quando, em uma festa lotada, na qual está tocando música em volume alto, alguém chama nosso nome. Em meio a aqueles ruídos todos, conseguimos distiguir o chamado. Isso acontece, segundo a tese do predictive brain, porque o cérebro usa informação armazenada para realizar previsões sobre a ocorrência sensorial, e essas previsões ajudam a separar o sinal do barulho, revelando-nos o que realmente interessa no vasto mundo que habitamos.

Filosofia, ciência e o cérebro que prevê

Andy Clark é um filósofo que trabalha lado a lado com neurocientistas em busca de compreensão sobre como funcionamos, agimos, pensamos, aprendemos. Na University of Edinburgh, em que ele dá aulas, Clark realiza pesquisas junto a equipes dos laboratórios de inteligência artificial e robótica da universidade.

Clark está envolvido também no projeto X-SPECT, no qual, junto a outros especialistas, desenvolve pesquisas para aprofundar a teoria do predictive brain, por meio de experiências práticas. O grupo parece estar buscando ampla divulgação científica dos estudos, uma vez que criou página no Facebook, conta no Twitter e um site bem didático.

Clark é muito ativo e escreve sem parar. Em artigo recente, ele discute possíveis questões éticas advindas do predictive brain. De fato, dependendo do tipo de previsão que o cérebro fizer, com base em conhecimentos armazenados a partir de experiências anteriores, as consequências podem ser bastante complicadas. Ele usa como exemplo as estatísticas elevadas de homens negros baleados pela polícia que acreditava que eles estavam armados, mas não estavam (mais nesta matéria do NY Times, citada por ele).

O que acontece é que estamos inseridos num cenário cheio de informações distorcidas, que se transformam em sinais sensoriais errados para nossos cérebros e podem resultar, assim, em ações desmedidas. Soma-se a isso a quantidade de preconceitos que armazenamos em nossa sociedade, e que contribuem para formular nossas “previsões cerebrais”…

Alucinações?

De certa forma, estamos “alucinando” o tempo todo, diz Clark. Para Seth, a percepção é uma “alucinação controlada” (ele diz: “In this view, which is often called ‘predictive coding’ or ‘predictive processing’, perception is a controlled hallucination, in which the brain’s hypotheses are continually reined in by sensory signals arriving from the world and the body”).

Não à toa, questões éticas nos rondam o tempo todo e, à medida que avançamos tanto na compreensão de nossas próprias tecnologias corporais naturais como nas tecnologias inventadas, temos que ter ainda mais atenção a elas, além de continuar a luta para combater nossos próprios preconceitos.

Hard Problem da consciência

No artigo de Seth, da Universidade de Sussex, ele conecta o eterno hard problem da consciência à abordagem do predictive brain. Vale muito a leitura. Repetindo o link:

The Real Problem –  It looks like scientists and philosophers might have made consciousness far more mysterious than it needs to be

 

Imagem do post: Kaleb Nimz @ Unsplash

Extended Mind: casos interessantes

Conheci recentemente mais casos interessantes de tecnologias que melhoram a vida das pessoas, atuando como extensões do corpo/da mente:

1. Óculos capazes de devolver a vida em cores para daltônicos

2. Próteses feitas especialmente para os seus donos

3. Os aparatos que este homem que sofreu um derrame, mostrado na série documental “Dark Net”, no Netflix, usa para se comunicar e para estar no mundo:

 

Nem tudo é cérebro no reino da cognição…

Matéria publicada no site Singularity Hub no final do mês passado aponta que vem sendo observada uma maior atenção à neurociência associada à educação, o que poderia levar o campo a inovar nas práticas educacionais. Em vez de continuar baseada em premissas tradicionais ou individuais sobre aprendizagem, a educação está começando a ser tratada como uma ciência, diz o artigo, que cita o termo neuroeducação (neuroeducation) como aquele que emerge dessa união. A neuroeducação, diz Raya Bidshahri, autora do texto, seria importante para aplicar o método científico ao desenho do currículo e às estratégias de ensino, em um esforço de “entender a aprendizagem com base em evidência”.

O artigo afirma que todas as habilidades humanas, entre elas a aprendizagem, são resultado da atividade cerebral. E se dedica a explicar as diversas influências dos estudos do cérebro para a evolução das análises relacionadas à aprendizagem. Afirma, ainda, que o campo da neuroeducação utiliza-se, além da neurociência, da psicologia e da ciência cognitiva para gerar informação para a educação e fundamentar estratégias de ensino.

Parece aí haver, de fato, grande inovação, ou a base para inovar. Afinal, a educação não tem nada a perder olhando para os avanços obtidos pela neurociência, muito pelo contrário, não vejo como haver separação aí. Mas, o que o artigo não menciona é o que vai além desse modo de ver a aprendizagem, que tem como foco o cérebro como se ele reinasse absoluto nesse processo. E não reina? Talvez não.

O cérebro, o corpo e o ambiente

Por mais que o cérebro, é claro, seja essencial para muitas habilidades humanas (mas quiçá menos essencial do que imaginamos, para muitas delas – o que já não é tão óbvio ou não tão bem aceito assim), existe um grupo (grande e crescente, vale dizer) de cientistas cognitivos e filósofos dedicados a analisar a relação entre as capacidades cognitivas, o cérebro, o corpo (como um todo) e o ambiente em que estamos inseridos. E, nessa equação, o cérebro deixa de ser, digamos, o ator de um monólogo, para se tornar um dos atores que “dialogam” para formar o nosso sistema cognitivo. Para os cientistas cognitivos e os chamados filósofos da mente, a mente é constituída pelo cérebro, o corpo e o ambiente. Dentre eles, Andy Clark e David Chalmers estão no grupo dos que vão mais longe: defendem que as tecnologias desenvolvidas por nós, humanos, também são constitutivas da mente, atuando como extensões dela. Trata-se da teoria da mente estendida.

O cérebro, o corpo, o ambiente e a educação

E de que maneira as teorias cognitivas que, por assim dizer, amplificam a mente, ajustando a lente para tirar o mérito absoluto do cérebro e colocar o foco também sobre o corpo e o ambiente, influenciam no desenvolvimento da educação? No mínimo, os pensadores que se dedicam a esses estudos nos levam a refletir sobre o fato de que também aprendemos com o corpo, ou fazendo uso das extensões dele – como nossos smartphones, por exemplo, que atuam como a nossa memória para muitas atividades e funções; e aprendemos também a partir de nosso relacionamento com o ambiente, que influencia outras funções cognitivas além da aprendizagem. Sem dúvida, tem muito o que ser analisado aí e isso é assunto para muito além de um post (no mínimo, uma dissertação, como é o meu caso!).

A neurociência é uma grande parceira de pesquisadores como Andy Clark, que constrói seus argumentos a partir do que é desenvolvido e descoberto pelos cientistas dedicados a estudar o cérebro. De forma alguma, Clark defende que o cérebro deve ser deixado de lado; não! O cérebro é essencial para a mente; acontece que o órgão não é o único que deve ser levado em consideração nesse processo. Nem tudo se resume a neurônios, podemos dizer assim! Por conta disso, esse filósofo da mente é um excelente pesquisador para quem deseja aprender mais sobre o funcionamento humano – e sobre inteligência artificial. Sim, sobre inteligência artificial, por que não? Em breve escrevo sobre isso aqui no blog. Vou também falar sobre o pesquisador Hubert Dreyfus, autor de um livro chamado “Skillful Coping”, que é uma obra altamente recomendada para quem está disposto(a) a desmontar aquilo no que acreditou até hoje, a respeito de como aprendemos e de como nos tornamos “experts” em alguma coisa…

Meu “incômodo” 

É por isso que, quando leio algo que fala em inovação na educação, hoje, sem mencionar esse aspecto da mente como sendo uma “parceria” entre o cérebro, o corpo e o ambiente, fico incomodada. E tenho procurado saber mais sobre esse universo que considero fascinante e que acredito poder revelar muito sobre a nossa maneira de estar no mundo, apreendê-lo e aprender.

Links

Por ora, recomendo a leitura desta ótima reportagem, publicada no site da Vice-Reitoria para Assuntos Acadêmicos da PUC-Rio, que traz falas do professor Ralph Bannell, meu orientador de mestrado, e da prof. Gilda Campos, com quem tive aulas este ano na PUC e que é a coordenadora da CCEAD da PUC.

Para quem nunca leu nada a respeito, que tal começar assistindo a um TED Talk com David Chalmers? Afinal, o smartphone é parte de nossa mente? Assista a este vídeo bem-humorado com Chalmers – que, ainda que pareça um roqueiro do Slayer, como alguém comentou no YouTube, na verdade é um dos autores da teoria da mente estendida, como mencionei.