Matéria publicada no site Singularity Hub no final do mês passado aponta que vem sendo observada uma maior atenção à neurociência associada à educação, o que poderia levar o campo a inovar nas práticas educacionais. Em vez de continuar baseada em premissas tradicionais ou individuais sobre aprendizagem, a educação está começando a ser tratada como uma ciência, diz o artigo, que cita o termo neuroeducação (neuroeducation) como aquele que emerge dessa união. A neuroeducação, diz Raya Bidshahri, autora do texto, seria importante para aplicar o método científico ao desenho do currículo e às estratégias de ensino, em um esforço de “entender a aprendizagem com base em evidência”.
O artigo afirma que todas as habilidades humanas, entre elas a aprendizagem, são resultado da atividade cerebral. E se dedica a explicar as diversas influências dos estudos do cérebro para a evolução das análises relacionadas à aprendizagem. Afirma, ainda, que o campo da neuroeducação utiliza-se, além da neurociência, da psicologia e da ciência cognitiva para gerar informação para a educação e fundamentar estratégias de ensino.
Parece aí haver, de fato, grande inovação, ou a base para inovar. Afinal, a educação não tem nada a perder olhando para os avanços obtidos pela neurociência, muito pelo contrário, não vejo como haver separação aí. Mas, o que o artigo não menciona é o que vai além desse modo de ver a aprendizagem, que tem como foco o cérebro como se ele reinasse absoluto nesse processo. E não reina? Talvez não.
O cérebro, o corpo e o ambiente
Por mais que o cérebro, é claro, seja essencial para muitas habilidades humanas (mas quiçá menos essencial do que imaginamos, para muitas delas – o que já não é tão óbvio ou não tão bem aceito assim), existe um grupo (grande e crescente, vale dizer) de cientistas cognitivos e filósofos dedicados a analisar a relação entre as capacidades cognitivas, o cérebro, o corpo (como um todo) e o ambiente em que estamos inseridos. E, nessa equação, o cérebro deixa de ser, digamos, o ator de um monólogo, para se tornar um dos atores que “dialogam” para formar o nosso sistema cognitivo. Para os cientistas cognitivos e os chamados filósofos da mente, a mente é constituída pelo cérebro, o corpo e o ambiente. Dentre eles, Andy Clark e David Chalmers estão no grupo dos que vão mais longe: defendem que as tecnologias desenvolvidas por nós, humanos, também são constitutivas da mente, atuando como extensões dela. Trata-se da teoria da mente estendida.
O cérebro, o corpo, o ambiente e a educação
E de que maneira as teorias cognitivas que, por assim dizer, amplificam a mente, ajustando a lente para tirar o mérito absoluto do cérebro e colocar o foco também sobre o corpo e o ambiente, influenciam no desenvolvimento da educação? No mínimo, os pensadores que se dedicam a esses estudos nos levam a refletir sobre o fato de que também aprendemos com o corpo, ou fazendo uso das extensões dele – como nossos smartphones, por exemplo, que atuam como a nossa memória para muitas atividades e funções; e aprendemos também a partir de nosso relacionamento com o ambiente, que influencia outras funções cognitivas além da aprendizagem. Sem dúvida, tem muito o que ser analisado aí e isso é assunto para muito além de um post (no mínimo, uma dissertação, como é o meu caso!).
A neurociência é uma grande parceira de pesquisadores como Andy Clark, que constrói seus argumentos a partir do que é desenvolvido e descoberto pelos cientistas dedicados a estudar o cérebro. De forma alguma, Clark defende que o cérebro deve ser deixado de lado; não! O cérebro é essencial para a mente; acontece que o órgão não é o único que deve ser levado em consideração nesse processo. Nem tudo se resume a neurônios, podemos dizer assim! Por conta disso, esse filósofo da mente é um excelente pesquisador para quem deseja aprender mais sobre o funcionamento humano – e sobre inteligência artificial. Sim, sobre inteligência artificial, por que não? Em breve escrevo sobre isso aqui no blog. Vou também falar sobre o pesquisador Hubert Dreyfus, autor de um livro chamado “Skillful Coping”, que é uma obra altamente recomendada para quem está disposto(a) a desmontar aquilo no que acreditou até hoje, a respeito de como aprendemos e de como nos tornamos “experts” em alguma coisa…
Meu “incômodo”
É por isso que, quando leio algo que fala em inovação na educação, hoje, sem mencionar esse aspecto da mente como sendo uma “parceria” entre o cérebro, o corpo e o ambiente, fico incomodada. E tenho procurado saber mais sobre esse universo que considero fascinante e que acredito poder revelar muito sobre a nossa maneira de estar no mundo, apreendê-lo e aprender.
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Por ora, recomendo a leitura desta ótima reportagem, publicada no site da Vice-Reitoria para Assuntos Acadêmicos da PUC-Rio, que traz falas do professor Ralph Bannell, meu orientador de mestrado, e da prof. Gilda Campos, com quem tive aulas este ano na PUC e que é a coordenadora da CCEAD da PUC.
Para quem nunca leu nada a respeito, que tal começar assistindo a um TED Talk com David Chalmers? Afinal, o smartphone é parte de nossa mente? Assista a este vídeo bem-humorado com Chalmers – que, ainda que pareça um roqueiro do Slayer, como alguém comentou no YouTube, na verdade é um dos autores da teoria da mente estendida, como mencionei.
Neste texto lindo, o escritor americano de ficção científica Terry Bisson fala que a singularidade tecnológica, que esperamos que aconteça com a superação humana pela inteligência artificial, na verdade, já aconteceu; teria começado 500 anos atrás, com a descoberta da prensa.
Conheci Terry Bisson por meio de um texto dele que é citado na obra Mindware, de Andy Clark; o texto citado se chama “They’re made out of meat“. Em Mindware, Andy Clark, que é filósofo e cientista cognitivo, se propõe a traçar um panorama do que foram os últimos 40/50 anos de pesquisa na ciência cognitiva. O autor cita vários pensadores que contribuíram para a pesquisa na cognição nos últimos anos.
Segundo Clark, nos anos iniciais da pesquisa cognitiva, marcados pelo materialismo, o cérebro era comparado a uma espécie de máquina de carne (“meat machine”), em que pensamentos, sentimentos, desejos, medos, crenças e o intelecto seriam a operação desse cérebro, ou da máquina de carne em nossas cabeças. Eles seriam o “mindware”, em uma alusão ao software que roda em máquinas, ou em hardwares – portanto, o cérebro seria o hardware e o software a rodar nele seria o “mindware”; ou: o cérebro seria o “meatware”, o hardware, e a mente, o “mindware” estaria dentro dele, a rodar nele. (CLARK, 2011).
Com informações de:
http://www.terrybisson.com/ (Acesso em 29 de outubro de 2017)
CLARK, Andy. Mindware. New York: Oxford University Press, 2014.
Estou a mil e, como sempre, envolvida com muitos projetos e ideias. Desta vez, está para sair do forno um projeto meu voltado para o ensino de inglês de crianças, e gostaria da ajuda de vocês para uma pesquisa rápida. Fiz um questionário para entender melhor a demanda relacionada ao ensino de inglês para crianças. Quem puder responder e enviar a amigos para que respondam também, agradeço demais!
No sábado, dia 19 de novembro, acontece no Rio de Janeiro o Seminário Amplifica, organizado pelo Google Innovators e Google Educação. O seminário terá como palco o colégio São Paulo, em Ipanema, e focará nas discussões envolvendo tecnologias digitais e educação e nos desafios enfrentados pelos educadores em meio a essa transformação.
O encontro será uma oportunidade para entender o uso das ferramentas Google na educação, por meio de palestras ministradas pelos próprios Googlers – entre eles, as coordenadoras do evento, Carla Arena e Samara Brito. Para ver todos os palestrantes, acesse este link. Para se inscrever, acesse https://www.sympla.com.br/amplifica-rio__90745