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Muito se fala sobre qual seria a diferença entre ver uma pessoa “real” e ver uma imagem gerada por IA. Mas o que se poderia dizer da diferença entre curtir uma banda ao vivo e viver a experiência da instalação “The Visitors”, do artista visual-tecnológico Ragnar Kjartansson?
A instalação esteve em cartaz na exposição Não Sofra Mais, no Mosteiro de Santa Clara a Nova em Coimbra e encerrou este fim de semana.
Ela consiste em oito vídeos, cada um dos quais mostrando um músico tocando seu instrumento; os músicos estão em cômodos diferentes; esses cômodos fazem parte de uma mesma casa. Num nono vídeo se pode ver a casa pelo lado de fora uma parte do jardim da casa; na varanda, pessoas cantam.
Os vídeos estão dispostos numa grande sala, quatro de cada lado e o nono ao fundo. Pode- andar pela sala e parar para observar cada músico em separado ou simplesmente escolher um ponto para se posicionar e observar/escutar. Todos os sons são ouvidos juntos, porque todos os músicos que estão nos vídeos estão tocando a mesma música. Por que então isso é fascinante? Não é a mesma experiência que ouvir uma banda ao vivo?
O que Ragnar conseguir fazer, na minha percepção, foi mostrar do que nossos corpos são capazes quando ouvimos música. A música mexe com a gente e ali, literalmente, diante daquela instalação, todos se mexeram. Caminharam, andaram, pararam, se emocionaram, dançaram e, ao final, quando os músicos se encontraram numa só cena, num só vídeo, no mesmo cômodo, a plateia se acomodou juntinha, todo mundo em frente ao mesmo vídeo. Depois, quando os músicos saíram daquele vídeo para aparecer no nono vídeo, do lado de fora da casa, as pessoas literalmente andaram pela sala “seguindo” os músicos. Nesse momento, alguns espectadores já estavam cantando as músicas que eles cantam nos vídeos.
As pessoas andaram juntas depois de observar minutos a fio as cenas, cada uma olhando par aqueles detalhes que mais lhes interessavam.
Num concerto ou show, a plateia tende a ter movimentos limitados tanto pelo espaço quanto pelas circunstâncias; isso faz parte do ritual tradicional de ouvir e assistir ao espetáculo. Ragnar, em contraste, colocou a plateia para se movimentar. Os músicos, claro, se mexem também e enquanto tocam é possível perceber como tocar um instrumento envolve movimentos corporais completos. Um deles prefere até tocar dentro de uma banheira, por vezes apoiando o violão num suporte de madeira.
Mas, entre diversas sensações despertadas, o que senti de mais diferente e especial – além da beleza dos vídeos e da ideia da instalação, muito bem construída – foi isso: o fato de essa obra de arte promover o movimento do público por entre os músicos/os vídeos. As pessoas acabam caminhando por entre os outros ouvintes/espectadores, e então percebemos que não somos espectadores, mas parte de todo o contexto. A cena ganha vida justamente quando quem a assiste se movimenta e acompanha, com todo o corpo, o que acontece com os músicos em seus vídeos.
Assim como eles estão, cada um, em seu cômodo tocando seus instrumentos, nós estamos vivendo as nossas vidas individualmente. Mas somos seres individuais-coletivos. Não existimos sem coexistir, mas só podemos coexistir se existirmos individualmente.
A instalação, assim, nos faz lembrar a própria vida; somos transeuntes a cuidar de nossos cantinhos e caminhos, mas cruzamos o caminho uns dos outros e assim afetamo-nos mutuamente. Somos o caminho uns dos outros. Cada um toca uma parte da música, ou contribui com um instrumento, uma nota, uma dimensão. Mas, no fim, somos parte da mesma sinfonia, todos em sintonia, mesmo que às vezes, isolados em nossos cantos ou cômodos de “casa”, não nos demos conta.
Paradoxos:
Pare de sofrer, você não está sozinha/o.
Saiba que sofrer faz parte e você está sozinha/o…