Lidar com a informação faz parte do meu trabalho de jornalista e de pesquisadora, bem como lidar com a desinformação. Desde 2004 eu trabalho com comunicação digital, o que me proporcionou a experiência de viver a internet antes e depois das redes sociais. Na verdade, antes e depois dos algoritmos. A virada das plataformas digitais para plataformas algorítmicas, alimentadas por big data (os dados dos usuários), acontece de maneira casada com a popularização dos smartphones. Os dispositivos móveis, afinal, facilitam o compartilhamento de dados em tempo real, incrementando as redes neurais artificiais e garantindo que elas operem, já que precisam dos dados dos usuários para fazer previsões e oferecer conteúdos relacionados, “personalizados”.
Isso parecia um bom recurso, numa época em que se preconizava que a internet poderia ser uma alternativa à mídia de massa, tratando nichos de público de maneiras diferentes e garantindo que os mais diversos perfis de pessoas acessassem conteúdos que lhes fosse interessantes (o livro “A Cauda Longa” fala sobre isso). Mas, na verdade, a busca incessante por personalização na Web culminou na criação de “bolhas” de desinformação. Cada um vivendo no “seu mundo”, habitando mundos pequenos e circulares – reduzidos a grupos de WhatsApp, por exemplo – em que a ciência e a informação de qualidade dão lugar às notícias falsas e nada embasadas. Hoje, para tornar isso ainda mais grave ou desafiador, as plataformas baseadas em aprendizagem de máquina são construídas de modo a fazer com que os usuários naveguem de determinadas maneiras pré-determinadas, gerando dados já dentro do que os sistemas são programados para gerar.
Estamos presos em uma circularidade. Quando ela é cercada por muros que não deixam as pessoas acessarem notícias reais, embasadas, e terem acesso à ciência, elas ficam isoladas em círculos de desinformação. Isso foi levado à máxima potência com a eleição da extrema-direita no Brasil, completamente impulsionada por notícias falsas disseminadas dessa maneira. O problema é que as big techs, ou seja, as empresas que mobilizam as plataformas digitais e manipulam os nossos dados, são as mesmas plataformas onde a informação – e a desinformação – circulam. Por isso venho trabalhando, como pesquisadora, educadora e jornalista, para que o público “acorde” e perceba que está sendo levado à desinformação.
É preciso alertar para a construção desses muros invisíveis que isolam as pessoas em círculos de desinformação, e consequentemente de desolação. Simplesmente não é possível dissociar disso tudo os grandes e complexos problemas que temos para enfrentar hoje como humanidade. Muitas vezes, “narrativas da sutileza” contribuem para que alguns vejam os problemas de maneira minimizada – a urgência climática, que alguns preferem ler como “acasos”, “ciclos naturais do planeta” e daí por diante; as guerras que viraram genocídios; as brigas que são, na verdade, crimes; a xenofobia disfarçada de acordo internacional e por aí vai. (Des)informação é uma questão educacional, científica, comunicacional, social, cultural e política.