Anotei e trago aqui alguns pontos interessantíssimos do debate que assisti nesta quarta, 29 de julho, com a pesquisadora em IA e ética Dora Kaufman e o CCO da Figtree, Ricardo Figueira, sobre inteligência artificial e inteligência emocional. O debate rolou no Instagram do Clube de Criação (@clubedecriacao).
- Você quer usar tecnologias de IA na sua empresa/no seu negócio, num empreendimento, num sistema de ensino? Pense no problema que você precisa resolver, antes de pensar na tecnologia. Isso vale para qualquer tecnologia: ela vem para ajudar a resolver alguma questão, dificuldade etc. É preciso um propósito, sempre! Super concordo com isso. Precisamos sempre refletir e analisar aquilo que precisamos resolver para, então, tomar uma decisão sobre qual tecnologia escolher ou desenvolver. Já passei por diversas situações em que foi preciso relembrar os envolvidos no projeto acerca disso. A IA, da mesma forma, é atraente e tem muitas utilidades, mas é preciso pensar para que se quer utilizá-la, e então tomar uma decisão.
- A IA não é, portanto, uma decisão da TI de uma empresa: é preciso mudar a cultura. E é o propósito que impulsiona a transformação digital de uma empresa. Cada negócio tem a sua necessidade e traz diferentes necessidades de usos de tecnologias. A cultura só muda a partir daí. Vivi bastante isso quando trabalhei num grande jornal que estava implementando a sua transformação digital, por exemplo. Não me refiro particularmente ao uso da IA, que não era o foco da empresa, mas de tecnologias digitais em geral, que foram alvo de muita resistência por parte de funcionários e até gerentes. A cultura, se emperrada não traz transformação.
- Por trás das grandes empresas de tecnologias está a IA: Google, Amazon etc. O modelo de negócios delas é a inteligência de dados, e os modelos de IA são usados para extrair informações para a criação de serviços mais adaptados a seus públicos. Desse modo, a IA permeia diversas soluções tecnológicas que já estão entre nós;
- A tecnologia dos bots/chatbots é a mais popular entre as empresas hoje (ex. a IA Bia do Bradesco). Mas as pessoas, segundo pesquisas, não gostam de se relacionar com máquinas e sim com pessoas (mesmo que humanos falhem mais!). Isso aponta para uma questão cultural. Um exemplo dado por Kaufman foi o do Japão: devido à crença no animismo (segundo a qual objetos também têm espírito), os robôs cuidadores são comuns, por exemplo; enquanto, para nós no Brasil, o valor das relações passa pelo olho no olho. Conheço pesquisas sobre robôs cuidadores em Portugal, também, algumas estavam indo bem até onde sei. Mas esse ponto levantado me fez repensar alguns aspectos que venho pesquisando em Hubert Dreyfus, filósofo que desenvolveu uma crítica à IA e sempre defendeu a ideia de que emoções são essenciais para a cognição. Ele menciona a questão do olho no olho na sala de aula: quando estamos online, acaba faltando esse cara a cara, típico do presencial. Quais as consequências disso? São mais relevantes/complexas quando se trata de educação do que de aplicações comerciais e/ou de entretenimento? Tendo a pensar que sim, mas sigo investigando.
- Também temos, por outro lado, a característica de nos adaptar às transformações. Quanto ao uso de bots, por exemplo, 90% das perguntas feitas por usuários são perguntas padrão: podem, assim, ser previstas. Então, será que não podemos ter robôs respondendo a 95% delas, rápida e precisamente, e pessoas respondendo aos outros 5%, sem prejuízos para nossas interações e resoluções de problemas? Parece que sim. Outro dia, em meio à pandemia, troquei de operadora de celular e fiz tudo pela IA das operadoras, online. Gostei da experiência.
- Entre os principais pontos de atenção da IA estão as questões éticas advindas do grande acúmulo e circulação de dados, pois eles podem sair do controle. Questões de privacidade surgem aí. Surgem também desigualdades no mercado de trabalho, que coloca as pessoas mais qualificadas (em menor quantidade) em uma ponta e um grande conjunto da população em outra ponta, muito mais numerosa, impactada pela perda de empregos em que a substituição pela tecnologia passa a predominar. Adiciono a essa questão ética uma que mencionei outro dia nesta live da TV PUC, e que diz respeito a educação e democracia: o acesso a tecnologias pode potencializar a cognição, especialmente no caso de tecnologias assistivas (utilizadas por pessoas com deficiência). Mas, como fica o caso das pessoas que não podem acessar essas tecnologias? Isso ficou bastante explícito e radicalmente posto no momento da pandemia, quando inúmeros estudantes, sem acesso à internet, ficaram sem poder assistir às aulas da escola ou faculdade, ou seguir estudando online de alguma maneira. Temos um problema ético, ou melhor, vários.
- O modelo de deep learning é um modelo estatístico que tem uma capacidade de fornecer um conjunto de milhões de dimensões, enquanto modelos estatísticos tradicionais têm uma capacidade muito menor de fazer isso. Para sistemas de reconhecimento facial, por exemplo, isso faz toda a diferença. As expressões são captadas em detalhes, até mesmo em entrevistas de emprego em que algoritmos agem para identificar a forma como candidato se expressa (já tinha pensado nesse uso da IA? Eu não tinha!)
- Esses modelos de aprendizagem de máquina correlacionam variáveis que fogem às ações do próprio programador. Eles não usam apenas variáveis pré-programadas. Esse é um ponto bastante importante e que deixa várias dúvidas, uma espécie de caixa preta da IA. Andy Clark fala sobre isso, se não me engano, em Mindware, este livro aqui.
- Kaufman destacou que precisamos criar uma parceria com os modelos de IA, e podemos fazer isso compreendendo-os, conhecendo esse sistemas minimamente. Não só concordo com ela como falei sobre isso também na live da TV PUC, que já mencionei, bem como nos meus trabalhos acadêmicos. Conhecendo a IA, ainda que de maneira limitada; compreendendo seus usos possíveis, podemos nos posicionar criticamente em relação a essas tecnologias. Isso é fundamental. Temos que conhecer nossas potencialidades, nossas limitações e as potencialidades das tecnologias quando nos unimos a elas. A educação precisa conhecer essas tecnologias. Tememos o que não conhecemos…
- Figueira destacou que precisamos compreender como as pessoas funcionam, sentem etc, para conseguirmos progredir mais nas tecnologias e em nossa relação com elas. Eu não podia concordar mais, tanto que dedico minha pesquisa de doutorado ao estudo da cognição na educação com foco nas emoções e no corpo. E Kaufman destacou que precisamos também conhecer sobre como as máquinas funcionam. Sim, totalmente. Os dois lados da mesma moeda, como a mente e o mundo na fenomenologia.