Como fica claro na área do Perfil do meu site, a minha graduação foi em jornalismo. Logo cedo na carreira, depois de dois anos de formada, me interessei pela educação enquanto área de pesquisa. Fiquei uns onze anos trabalhando em comunicação digital, educação a distância e tecnologias educacionais – projetos que me deram bastante experiência mas também me despertaram muitas questões – e em 2016 decidi que queria ir fundo nos estudos da educação.
Como sempre quis construir uma carreira acadêmica, decidi que o flerte (que durava desde quando me formei no bacharelado) deveria virar namoro; fiz a seleção do mestrado, passei e comecei a estudar as tecnologias digitais sob a perspectiva da Filosofia da Educação. Aí casei com a pesquisa: no doutorado, sigo na Filosofia da Educação fazendo uma pesquisa que tem como objetivo investigar a aprendizagem a partir de um contraste com machine learning. No meu trabalho, me utilizo de uma literatura e de uma série de conceitos situados em áreas variadas: ciência cognitiva, neurociência, filosofia, inteligência artificial, biologia, psicologia e outras.
A minha pesquisa é multidisciplinar como eu 😉 Coisa de gente curiosa mesmo.
Bem, mas este post se chama atitude filosófica e é sobre isso que quero falar aqui.
A atitude filosófica talvez seja um dos pontos mais importantes de conexão entre as duas esferas profissionais que tenho na vida: o jornalismo e a filosofia. Pois desde quando quis fazer jornalismo tomei essa decisão porque gostava de escrever e de ler, mas também porque me considerava questionadora, crítica – e por gostar de pesquisar. Sempre acho que todo assunto pode ser investigado e olhado sob outros ângulos; acredito que tudo é um recorte de algo mais vasto; gosto de pensar sobre os porquês das coisas; gosto de ouvir as histórias das pessoas (e de contar as minhas, mas aqui isso não vem tanto ao caso!).
Percebo, inclusive, que muitos jornalistas não têm (ou perderam) essa curiosidade, vontade de ir atrás das coisas, esse encantamento pela apuração. Admiro os jornalistas curiosos que se munem dessa vontade de saber para ir atrás das histórias, tentando contá-las da forma mais consciente possível.
Consciente acho que é uma boa palavra, porque a verdade sempre tem muitos elementos, aspectos e pontos de vista, e o jornalismo precisa dar espaço para eles, mas também deve respeitar a ciência e trabalhar para que as verdades científicas ganhem espaço. Também deve ter o bom senso de evitar dar espaço para aquilo que não ajuda uma sociedade a crescer e se desenvolver. Jornalismo, afinal, também é construção de uma sociedade melhor, mais aberta, democrática e plural; e eu defendo que isso não é negociável! Mas, enfim, o ponto aqui é: a atividade jornalística exige curiosidade, querer investigar, querer saber. Estar aberto ao que pode vir a encontrar.
A filosofia, por sua vez, também tem melhor aderência aos seres curiosos. A chamada “cabeça fechada” e a filosofia não se encaixam. Com a filosofia, a gente sempre pode questionar, sempre pode discutir as premissas. Não é um questionamento no vazio, sem eira nem beira; mas uma investigação que caminha lado a lado com a empiria, com a pesquisa prática. A filosofia e a ciência também caminham juntas, portanto. Ou, ao menos, a filosofia que tem me interessado é essa.
Debates epistemológicos vazios não me atraem, porque a minha pesquisa é filosófica mas também é fazer-ciência (assim com hífen que acho que encaixa bem com o que quero dizer). O que os pesquisadores que estou estudando fazem acaba levando a olharmos um pouco por baixo do tapete às vezes, e dizer: mas você viu que este tapete está sedimentado sobre estes tacos aqui, e estes tacos estão ruindo? Será que não é melhor trocar os tacos antes de continuar a caminhar? Se não trocar, a poeira vai se acumular entre o tapete e o chão… o chão vai ruir… e só vai restar o tapete lá em cima, que depois de um tempo não vai aguentar também.
Com isso, quero dizer que a gente precisa olhar para os pilares que sustentam as pesquisas empíricas, porque, veja: se determinamos que certas premissas são verdadeiras e seguimos fazendo pesquisas a partir delas, o que temos? Pesquisas que não conseguem se desvencilhar dessas premissas, que são os seus sustentáculos.
Quase nunca precisamos jogar tudo fora e recomeçar, mas quase sempre podemos rever parte de nossas convicções, e essa atitude de abertura, essa postura do querer-saber, é filosófica – e pode ser também jornalística, pode vir de um educador, de um psicólogo, um economista, um matemático, um biólogo, enfim, todos podem adotar essa atitude filosófica.
Portanto, não há nada assim de tão estranho em querer filosofar, não se trata de “viajar”, nem de complicar as coisas (bom, às vezes pode complicar, ou ao menos complexificar)… trata-se de levantar o tapete, e isso pode às vezes fazer a gente espirrar ou tossir, mas vale a pena. Afinal, em alguns casos a outra opção é a estrutura ruir!
Então, para começar a filosofar, é preciso ter interesse, curiosidade e ter olhar crítico; observar; topar uma aventura em que muitas variáveis irão se apresentar. Topar o diálogo, topar assumir que quanto mais sabemos, menos parece que sabemos.
Mas não há apenas uma porta de entrada para a filosofia. Começar pelos gregos pode ser bom quando se quer aprender história da filosofia, mas para aprender a ter uma atitude filosófica o exercício é o de saber ler e interpretar, flexibilizar, saber ouvir, se interessar por mais coisas do que cabem no seu “quadrado”. Aliás, aproveitar para “deixar de ser quadrado” também pode ser bom – quando a gente começa a se abrir mais, ouvir mais, a gente acaba fazendo isso naturalmente…
Para quem está se perguntando por que usei a imagem do filme “O lado bom da vida”, ou “Silver Linings Playbook”, no original…
… Bem, este post teve como inspiração uma aula de Filosofia da Educação ministrada pelo Professor Dr. Carlos Reis, da Universidade de Coimbra. Com muitos alunos da Psicologia (na UC Psicologia e Ciências da Educação estão sob o mesmo departamento), o professor levou a turma a pensar sobre atitude filosófica a partir do filme. Se não viu, veja com esse olhar. Vale a pena!