Diabetes de criança, responsabilidade de adulto

Camila Leporace

(Publicada em 2007 no site Opinião & Notícia, que foi encerrado em 2020, recebeu o Prêmio da Sociedade Brasileira de Diabetes na categoria online – 2007)

Na hora do lanche, na escola, hambúrgueres e refrigerantes passam longe de João Gabriel Ferreira, de sete anos. Acostumado a uma alimentação diferente, ele leva na mochila biscoitos integrais e um suco light ou um iogurte diet. Às vezes, apesar de já habituado a essa alimentação cuidadosa, lamenta por não poder comer “como as outras pessoas”.

O diabetes tipo 1, que exigiria de João mudanças significativas na rotina e nos hábitos, foi diagnosticado quando ele tinha dois anos e meio de idade. “No início foi complicado”, conta sua mãe, Heloisa Ferreira, que afirma que hoje está adaptada à situação. “Muito raramente tomamos sustos com a hipoglicemia, ele fala que está passando mal e vai ficando mole. É difícil, mas sabemos que temos que tomar providência imediata, não podemos deixar o emocional tomar conta”.

A Federação Internacional de Diabetes (IDF, na sigla em inglês) estima – segundo relatório publicado em dezembro de 2006 – que cerca de 440 mil jovens abaixo dos 14 anos de idade, em todo o mundo, tenham diabetes tipo 1, ou seja, sejam insulino-dependentes como João Gabriel. Mais de 70 mil crianças desenvolveriam esse tipo da doença a cada ano. Entre 5 e 10% do total de diabéticos em todo o mundo são do tipo 1, enquanto cerca de 90% têm o tipo 2. O aparecimento da doença provoca alterações não só na vida das crianças e adolescentes como na de toda a família.

Rotina, disciplina, planejamento e equilíbrio são itens que, segundo especialistas, não podem faltar na vida dos insulino-dependentes. Segundo o endocrinologista Isaac Benchimol, é comum os pais sentirem uma espécie de impotência diante do filho com diabetes, pelo fato de que mesmo sem serem médicos precisam cuidar da doença deles. Para ajudar nesse processo, Dr. Benchimol acredita ser importante que os pais se informem, tenham curiosidade sobre o diabetes e corram atrás de saber o máximo possível sobre a doença. O mesmo devem fazer as próprias crianças e os adolescentes diabéticos.

Além de curiosidade para aprender e se manter informado, é fundamental, segundo o endocrinologista, que os portadores de diabetes tenham disciplina. “Eles precisam entender que, quanto maior o controle do metabolismo, melhor a sua qualidade de vida”, diz o médico. Dr. Paulo Solberg, também endocrinologista, concorda. “Quanto melhor o controle glicêmico, menor a chance de complicação”.

Segundo a IDF, quando o diabetes é detectado em jovens, sua expectativa de vida é reduzida em dez a 20 anos. No entanto, isso não é motivo para desespero, pois a explicação, segundo o Dr. Benchimol, é que estatísticas assim são feitas com base em médias. “E essas médias incluem quem se cuida e quem não se cuida”, analisa, complementando que hábitos saudáveis e disciplinados podem permitir que o diabético tenha expectativa de vida semelhante à de pessoas que não têm a doença. Dr. Paulo Solberg cita outra explicação para essas estatísticas. “Quem é diagnosticado hoje tem na mão uma gama de recursos que quem foi diagnosticado há 20 anos não tinha. Hoje em dia, consegue-se um controle muito melhor”.

Cuidados até de madrugada

Segundo o Dr. Solberg, entre as grandes dificuldades dos pais com filhos diabéticos estão o medo da queda no nível de açúcar no sangue – a hipoglicemia -, a dificuldade de aceitar que o filho tem uma doença crônica e a adaptação a uma rotina maior, com uma programação menos espontânea. Crianças pequenas, muitas vezes, têm outros problemas – como a dificuldade para aceitar a aplicação de injeções ou a rejeição da alimentação depois que seus pais já lhe deram doses de insulina – enquanto, na adolescência, a disciplina exigida pelo diabetes entra em conflito com a rebeldia e a falta de rotina típicos da faixa etária.

Antes das refeições, João Gabriel recebe aplicações de insulina de acordo com a quantidade de carboidratos que irá ingerir. Mesmo de madrugada, seus pais acordam para realizar no menino dois exames e checar a taxa de glicemia em seu sangue. “A rotina é um pouco dura”, diz Heloisa, relatando que João acorda às 9h e toma dois tipos de insulina, a de ação basal – que dura 24 horas no organismo – e a ultra-rápida – que começa a fazer efeito cinco minutos depois de ser aplicada e tem ação que se estende por cerca de duas horas – para tomar o café da manhã. Ele toma também insulina ultra-rápida para almoçar e para jantar e faz cerca de dois exames de tarde na escola: para verificar se está com hiperglicemia, na hora do lanche, e avaliar se precisa de insulina, caso esteja com hipoglicemia.

“Fazemos a contagem de carboidratos, o que facilitou muito a vida do meu filho – e a minha também”, conta Claudia Valli, mãe de Tom, seis anos, diagnosticado portador de diabetes tipo 1 aos dois anos e cinco meses. “Por isso, ele come quase tudo, tem uma dieta saudável, equilibrada e, nas festinhas, até come bolo e brigadeiro, o que o deixa radiante. É claro que ele tem uma rotina mais rígida do que a de outras crianças, tem horários e regras. E não tem essa de ‘relaxar só hoje’. Diabetes não tira férias, nem tem feriado”, conta Claudia, apresentando ao mesmo tempo tolerância com o fato de o filho ser criança e responsabilidade com a necessidade que apresenta por ser diabético.

Nem sempre a dieta de uma pessoa diabética exige cortar de vez aqueles lanches hipercalóricos adorados pelas crianças. No entanto, se qualquer pessoa deve ter uma alimentação equilibrada, os diabéticos precisam mais ainda, conforme enfatiza o Dr. Solberg, complementando que é preciso analisar caso-a-caso e que o grau de rigidez com a dieta pode ser diferente dependendo do paciente.

O planejamento também é importante. Segundo o Dr. Benchimol, o ideal para quem tem diabetes é saber que vai “errar”, pensar no que vai consumir e, consciente de que naquele dia vai exagerar, calcular a dose de insulina necessária já com base nisso. Ao mesmo tempo, não se pode injetar uma alta dose do hormônio e depois não consumir a quantidade ou qualidade de alimentos que o organismo se prepara para receber.

Além de controlar a alimentação de uma forma geral, os pais de filhos diabéticos vivem às voltas com os horários das medições da taxa de glicose. Claudia, que assim como Heloisa acorda de madrugada para medir a glicose do filho, até preparou uma apostila para a escola e ensinou as professoras de Tom a medir a taxa de glicose e administrar qualquer eventualidade. “Mesmo assim, quase todas as tardes eu recebo um telefonema de lá. Por isso, eu nunca desligo meu celular”, conta, mostrando que a doença gera uma tensão constante.

A preocupação dessas mães não é exagerada. No entanto, a vantagem de a criança ter uma rotina é a possibilidade de uma tranqüilidade maior, com melhor controle e acompanhamento freqüente da glicemia. “Se você conhece a rotina da criança, pode até saber de quanta insulina ou carboidratos ela vai precisar antes de uma atividade física, por exemplo”, explica o Dr. Solberg, afirmando que além dos cuidados familiares esses pacientes devem ir a consultas de três em três meses, em média, e estar sempre em contato com seus médicos, informando-lhes sobre a taxa de glicose por e-mail ou telefone, por exemplo – medidas que o Dr. Benchimol também aprova.

Fazer exercícios físicos é recomendado, pois movimentar-se ajuda a promover uma maior ação da insulina e a manter um peso saudável. Os diabéticos podem fazer qualquer atividade física, segundo os especialistas. Se desejarem realizar um esporte mais “radical”, no entanto, é importante que façam um planejamento e tenham à sua volta pessoas que saibam da sua condição para ajudá-los se necessário.

De acordo com o Dr. Benchimol, um acompanhamento psicológico pode ser necessário, também, para que a criança diabética entenda seus limites. Dr. Paulo Solberg acredita que esse acompanhamento é bom para todas as crianças, pois nessa fase da vida é difícil se sentir diferente. “E ter a alimentação controlada, a rotina do diabético, é ser diferente”, enfatiza.

Bom humor para encarar desafios

“Uma vez comprei um sabonete de erva-doce e, quando o Tom foi lavar as mãos, ele disse: ‘Mãe, o sabonete é de erva-doce. Eu não posso. Não tem erva-diet?’”, conta Claudia Valli, que além de mãe do Tom é autora da peça Meu Filho é um Doce, em cartaz no Rio de Janeiro. Ela não resistiu e inseriu a pergunta do filho no roteiro da peça, que tem como objetivo mostrar como o bom humor pode ajudar a superar grandes obstáculos e tornar a vida mais leve.

“Senti que precisava, de alguma forma, reverter os sentimentos para o bem de todos. E foi o que fiz. Na minha casa, não existe baixo-astral por causa do diabetes. Existe responsabilidade e cuidados”, relata. “E a peça é a maior prova disso. As pessoas se emocionam, mas riem muito e se divertem também. Desde que o Tom ficou diabético, passei a dar uma festa no dia do diabético (14 de novembro). Ele adora, pois ganha presente, recebe amigos. Uma vez chegaram a me perguntar: ‘Mas você comemora uma doença?’. Eu respondi que não. Eu comemoro a vida”.

Vamos ampliar a nossa percepção em vez de deixar que os algoritmos a reduzam cada vez mais?

Quem está ligado nas notícias sobre inteligência artificial já deve ter visto artigos falando sobre como os sistemas de IA reproduzem os nossos preconceitos e as nossas visões estereotipadas. Afinal, são programadores que criam algoritmos e programam esses sistemas. O algoritmos são como receitas que esses sistemas seguem, então… são receitas baseadas em comportamentos humanos.

Melhorar a diversidade na IA demanda nada mais, nada menos que a aumentar a diversidade fora da IA (se é que existe uma maneira de estaremos “fora da inteligência artificial” hoje). Temos que ampliar a maneira como vemos o mundo, buscar novos pontos de vista, compreender por que somos preconceituosos, e de onde vêm os nossos conceitos pré-concebidos acerca de tanta coisa – até daquilo que pouco conhecemos…

Caso contrário, as máquinas vão continuar reproduzindo a pequenez do nosso pensamento limitado, enquanto elas podiam trabalhar para que o universo expandisse e as opiniões múltiplas fossem estimuladas cada vez mais…

Bem, e como podemos começar a repensar nossos preconceitos, nossos olhares enviesados, libertando-nos disso? Eu gostei deste TED, que trago aqui como um pontapé inicial:

Por que 87% dos cientistas afirmam que o aquecimento global está acontecendo por influência da ação humana, enquanto somente 50% das pessoas que não estão pesquisando o tema afirmam acreditar nisso? Por que achamos que sabemos tanto sobre algo, quando não sabemos praticamente nada? Por que propagamos tantas notícias falsas, nas quais acreditamos sem questionar? Por que cientistas como o Dr. Shepherd, que estudam o clima, preveem chuvas fortes com uma semana de antecedência e tanta gente não acredita?

E, algo MUITO importante:

Por que só buscamos informações para embasar aquilo em que já acreditamos?

Este vídeo nos faz pensar sobre tudo isso.

O debate continua, não termina por aqui. Só quis estimular a discussão 😉

 

 

 

 

É preciso reduzir a distância da educação a distância

A educação a distância é capaz de gerar muitas oportunidades e abrir um sem-número de possibilidades. É uma modalidade que tem muito a crescer. No entanto, considero essencial que tenhamos um posicionamento crítico e reflexivo em relação ao uso das tecnologias digitais na educação, de um modo geral, incluindo-se aí a EaD.

A ideia da “distância” na EaD me incomoda, em um certo sentido; penso que devemos reduzir a distância da educação a distância, digamos assim. É importante nos preocuparmos para que, no espaço virtual da educação a distância baseada em tecnologias, não desapareçam as subjetividades, as particularidades de cada aluno e de cada professor. Cada um que participa do processo de ensino-aprendizagem carrega um olhar, uma série de experiências, muitas expectativas, ansiedades, filosofias. E isso tem um valor enorme para que aconteça uma educação humanizada, inclusiva e rica em vários sentidos.

Quando o ensino é presencial, essas subjetividades naturalmente aparecem, pois alunos e professores levam os seus corpos, a sua presença física para o ambiente de aprendizagem. Já a experiência restrita ao online, na modalidade a distância, envolve o risco de separar o sujeito de seu corpo – o qual é parte essencial do conjunto cognitivo de um indivíduo, apesar de às vezes isso ser esquecido (vide as reportagens sobre como O CÉREBRO aprende, O CÉREBRO se emociona, mas… o cérebro não está sozinho nessa…! É o corpo todo que vai junto com ele!).

Se há apenas o ambiente online para a aprendizagem, essas especificidades ficam escondidas, prejudicadas pela pasteurização que tantas vezes emerge da redução de indivíduos a logins. Especialmente quando se trata de um processo voltado para uma educação para a vida, ou seja, para a formação dos estudantes de um modo amplo, creio que isso pode ser bastante prejudicial. Talvez seja menos danoso no caso do ensino de uma habilidade mais focada na técnica, na aplicação imediata.

Soma, e não substituição

Diante disso, o caminho que me parece mais interessante para somarmos as potencialidades das tecnologias com a manutenção dessas importantes trocas de experiências é o da união de experiências online com experiências offline, sejam aulas, palestras, encontros, treinamentos, enfim.

Para diminuir a distância da educação a distância, também creio ser preciso oferecer apoio e incentivo ao aluno, de forma permanente. Estudar a distância, afinal, sempre exige uma dose maior de disciplina, organização, concentração e capacidade de priorização por parte do estudante. Ajudá-lo a evoluir com relação a essa organização e planejamento pode, então, contribuir para manter esse aluno interessado, confiante e motivado.

A motivação pode ser ainda maior quando o estudante encontra um ambiente virtual de aprendizagem intuitivo, que funcione bem, e ao mesmo tempo seja acolhedor; quando, nessa experiência virtual, ele encontra ferramentas bacanas e um conteúdo ao mesmo tempo envolvente, bem apresentado, claro e objetivo. E esse esforço de colaborar com a experiência do aluno e de apoiá-lo em sua aprendizagem a distância tem como pilar fundamental justamente o conhecimento que se tem desses alunos, que vem da convivência presencial com eles. Então, o online e offline retroalimentam-se. Um não deve substituir o outro.

O potencial das tecnologias digitais na educação a distância não é de substituição das capacidades humanas, mas de ampliação dessas capacidades. 

As iniciativas já existentes no sentido da união entre educação e tecnologias – cursos online, e-books e outros materiais digitais, ambientes virtuais de aprendizagem, o uso do machine learning em plataformas adaptativas, a gamificação de plataformas etc – têm sido essenciais para consolidar essa parceria entre educação e tecnologias digitais.

No entanto, educação e tecnologias podem ser aliadas mais fortes ainda se, por exemplo, conseguirmos minimizar dificuldades relacionadas à democratização do acesso à educação, utilizando as tecnologias digitais para isso. Não devemos perder de vista que essas tecnologias podem, ao mesmo tempo, contribuir para essa democratização ou causar mais problemas nesse sentido, uma vez que, se elas ampliam as possibilidades de aprendizagem e acesso à informação, isso precisa idealmente ser para todos, não apenas para alguns – caso contrário, a defasagem entre quem tem o acesso e quem não tem será ainda maior.

Acredito que a principal forma de aumentar e tornar mais eficaz ainda essa relação entre a educação e as tecnologias, de modo geral, é conhecendo as implicações das tecnologias digitais a nossa sociedade, analisando os seus impactos, de forma profunda. Por exemplo, precisamos pensar na nossa relação com a inteligência artificial.

Há um enorme medo de que os robôs nos substituam, mas será que é por aí?

Em alguns casos, máquinas trabalharem por nós não parece ser um problema, pelo contrário, já que robôs e sistemas podem desempenhar certas tarefas de um modo até mais eficiente que humanos, sim – podem fazer inúmeros cálculos em pouco tempo, apenas para citar uma das situações. Mas, há outros casos, aqueles que envolvem as experiências nas quais não podemos prescindir da nossa relação direta com o mundo, com as outras pessoas, que representam algo único, algo que nos ajuda a crescer; esses casos não podem ser protagonizados ou pautados por algoritmos e robôs.

Algoritmos não podem resumir ou restringir as nossas experiências, e robôs não podem ter experiências como nós temos, e que são imprescindíveis para o nosso crescimento. Erramos, acertamos, sofremos, comemoramos, tentamos de novo: isso é humano. Criamos, testamos, compartilhamos com os outros o que pensamos: isso é humano.

Muito do medo das tecnologias, acredito, vem do receio da perda de espaço, vem do medo de que as máquinas nos tornem obsoletos. Na verdade, devemos pensar em ampliação, parceria, novas possibilidades para quem aprende e para quem ensina.

Participei do evento do Ismart no Rio e foi emocionante!

Trabalhar com educação é ensinar? Sim, mas antes de tudo é topar aprender muito, o tempo todo. E isso é sensacional.

Num sábado, dia primeiro de dezembro, foi dia de estar com a galera incrível do Ismart, estudantes super empenhados, guerreiros, que topam desafios e não desistem de seus sonhos grandes, até porque, como eles mesmos sabem e dizem, sonhar grande dá o mesmo trabalho que sonhar pequeno 

Tem sido maravilhoso trabalhar com o Ismart Online, e terminar o ano participando da banca que avaliou os trabalhos deles, no evento de encerramento do ano, no Rio, foi demais!

Com tantas histórias inspiradoras, projetos tão criativos, com tanto carisma, alegria e orgulho, no fim eu que aprendi um monte com eles. Fiquei mega, mega feliz de participar. Essas coisas fazem a vida valer.

Saiba mais sobre o Ismart no site deles.

Divulgue o Ismart para jovens, pais e professores! É uma oportunidade maravilhosa.

Materialidades Digitais

Normalmente, quando pensamos em um livro de papel versus um livro digital, pensamos na materialidade desses artefatos: um livro impresso nós podemos manusear, passamos as páginas, sentimos seu cheiro etc. No caso de um livro digital, o qual lemos por meio de um e-reader, no computador, num tablet ou no smartphone, perdem-se essas experiências. O conteúdo digital não é material. Será mesmo?

Hoje, aqui na Universidade de Coimbra, onde estou realizando um período de investigação, assisti a uma palestra, ministrada por Serge Bouchardon, que desafia essa premissa. Ele levou o público a pensar sobre como a mídia digital proporciona ainda mais manipulação do que a mídia física, e isso se dá porque, no caso do online, o próprio conteúdo pode ser manipulável.

Desse modo, é como se os livros físicos tivessem uma certa materialidade e os digitais, outro tipo de materialidade. 

Há todo um gestual que é inerente às mídias digitais; desde quando teclamos no computador até quando usamos o mouse ou deslizamos o dedo na tela de um celular. E por que fazemos isso? Para manipular o conteúdo que ali está. Segundo Bouchardon, que atua também na área de mídias digitais na educação, a compreensão dessa gama de gestos ligada ao mundo digital deve ser parte da alfabetização digital.

Para experimentarmos tais ideias de forma prática, o pesquisador apresentou alguns de seus projetos, como o Loss of Grasp – que mistura arte, design, poesia, literatura e recursos digitais de uma maneira interessantíssima. Em quais circunstâncias nós perdemos o controle sobre nossas vidas? É sobre isso que o projeto nos leva a pensar, por meio de uma viagem pela materialidade digital: clicamos sobre as frases, e elas se movem; luzes coloridas nos dão a sensação da vida nos escapando ao controle; em breve perdemos o rumo do cursor e não sabemos por onde anda o mouse de nosso computador.

Quando a palestra foi aberta a perguntas, questionei o professor a respeito de como podemos ter mais sensações materiais com livros que lemos em e-readers (que, na minha opinião, são práticos, mas sem graça em termos de experiências que envolvem a manipulação física). E ele nos disse que os designers deverão resolver isso com sua criatividade 😉

Em tempo: a Universidade de Coimbra tem um doutoramento inteiro dedicado às materialidades na literatura; os alunos são designers, egressos da licenciatura de letras e de outras áreas; fica aqui o link para quem quiser conhecer.

Há ainda outras experiências indicadas por Bouchardon:

http://bram.org/toucher//index.htm

https://bouchard.pers.utc.fr/storyface/

Imagem do post: Julius Drost @ Unsplash

 

 

Conteúdo digital para a educação: uma breve reflexão

Desde 2005, quando me graduei em jornalismo, tenho trabalhado produzindo conteúdo para a Web. Passei por projetos de vários tipos, em várias empresas, com temas variados. Comecei minha carreira num site de notícias que hoje seria considerado uma espécie de startup, termo que não se usava na época. Trabalhei no British Council, na Infoglobo por quase quatro anos, fiz consultoria para a Petrobras, passei por agências digitais, trabalhei com intranet na Oi, fiz projetos para a Fundação Roberto Marinho, o Ibmec e, mais recentemente, a startup de educação Tamboro. Faço projetos para o Museu do Amanhã. Volta e meia, escrevo reportagens para o site Porvir. Entre todos os temas com os quais lidei, a educação me fisgou.

O primeiro contato que tive com a educação profissionalmente foi há 11 anos, quando escrevi uma reportagem, que ganhou dois prêmios de jornalismo, sobre déficit de atenção e hiperatividade, e com ela pude conhecer vários professores e pais de crianças que me contaram das dificuldades delas enquanto alunas, e também me revelaram o quanto a vida dos estudantes ficava mais difícil por conta da incompreensão daquele jeito “agitado e desatento” deles. Depois, trabalhei em um projeto de educação para a sustentabilidade para o British Council, onde era analista de comunicação digital. O projeto me possibilitou vivenciar diversos ambientes da educação, espaços de educação formais e não-formais, todos muito além do online – apesar de usarmos blogs, redes sociais e o site do projeto para comunicar e educar sobre meio ambiente. Frequentávamos as escolas, falávamos com os alunos, professores e coordenadores, conversávamos para entender as necessidades deles.

Na Infoglobo, coordenei O Livreiro, uma rede social voltada para apaixonados por livros. Meu primeiro trabalho foi ir à FLIP, a partir de uma narrativa que eu mesma criei e a chefe aprovou: o Mochilão do Livreiro. A ideia era mostrar a FLIP para quem era estudante, ia com pouca grana para Paraty ou já morava lá e todo ano via a FLIP acontecendo em sua cidade, mas sem atividades voltadas para jovens fora dos círculos intelectuais de debates. De mochila, mesmo, saíamos – em equipe – pela cidade distribuindo livros, promovendo ações, sentando em rodas para mostrar e-readers para crianças e adolescentes e ler livros com eles – ações offline, mas que tinham tudo a ver com a nossa rede, que era online.

Hoje, faço mestrado em educação, e sigo amando cada vez mais unir a comunicação digital à educação. Adoro produzir conteúdo digital para projetos educacionais, principalmente quando percebo que eles vão ter uma real relevância para a galera que terá acesso a eles. Mas, quanto mais digital o mundo fica, quanto mais digitais todos nós ficamos, mais eu penso o quanto nós temos que olhar para o offline, que é de onde viemos, é parte do que somos. Somos online e somos offline: tudo junto e misturado. Andy Clark, filósofo britânico que é figura central em minha pesquisa de mestrado, diz que somos ciborgues naturais, seres híbridos, porque o nosso acoplamento com as tecnologias é natural. Híbridos que somos – e eu concordo com ele – precisamos nos valer desse hibridismo, conversar, viver; fazer bom conteúdo é, afinal, ouvir as pessoas, é se enredar por narrativas, histórias, conhecer novos espaços, estar aberto a aprender, a se surpreender. Precisamos manter viva a curiosidade, e estar dispostos a cometer erros, mesmo que isso fique escancarado nas redes sociais – e daí, quem nao erra?

Na educação, para produzir bom conteúdo em meio às novas tendências tecnológicas, é isso que percebo: que não podemos perder a vontade de surpreender e de ser surpreendidos, e que não podemos esquecer que fazemos conteúdo para pessoas. Tudo o que falarmos e escrevermos terá um impacto super importante na vida delas. Cada “login” que se conecta para estudar online num ambiente virtual de aprendizagem é uma pessoa, é alguém cujo tempo dedicado aos estudos não se resume ao “time on site”; cujas dificuldades ou aptidões provavelmente não estão todas refletidas nas métricas vindas da aprendizagem adaptativa baseada em machine learning; é um aluno querendo aprender, um ser híbrido, online e offline o tempo todo, mas de carne e osso. Somos ciborgues naturais fazendo educação para ciborgues naturais. Mas o lado humano desse hibridismo não pode ser esquecido, em momento algum…!

 

Imagem: Giu Vicente @ Unsplash

Inteligência Artificial Humanística

Neste vídeo do TED, Tom Gruber, criador da Siri (assistente pessoal baseado em inteligência artificial da Apple) fala sobre como o caminho da inteligência artificial é amplificar e potencializar as capacidades humanas, gerando conexões e facilitando nossas vidas. É nisso que acredito: não se trata de substituir humanos em atividades que desenvolvemos bem. As máquinas podem nos ajudar com aquelas tarefas nas quais não somos tão bons, nos liberando delas para que nos dediquemos a outras coisas. A cognição humana se expande quando as tecnologias cognitivas se expandem…

Foto do post: Greg Rakozy @ Unsplash

Inteligência Artificial: uma face obscura

A euforia em torno da evolução tecnológica no campo da inteligência artificial não pode ser uma empolgação ingênua. A face obscura do brilhantismo dessa (r)evolução existe, e demanda a nossa atenção. Os sistemas de inteligência artificial, afinal, são feitos por seres humanos, e seres humanos cometem erros, inúmeros erros, que são reproduzidos pela I.A. às toneladas, em poderosas escalas não-humanas. A solução para treinar bem tais máquinas que “pensam” começa, justamente, no pensamento. Pensamento em torno da inteligência artificial, pensamento em torno de aonde queremos chegar com as tecnologias cognitivas, pensamento acerca de quem nos torna(re)mos com tais evoluções tecnológicas.

Existem pessoas interessantíssimas pensando em temas como esses, e os aplicando em seu trabalho. Será que, então, o desenvolvimento das tecnologias cognitivas pode gerar uma evolução na própria sociedade, levando-nos a rever certos conceitos e preconceitos? Essa seria, sem dúvida, uma excelente consequência do crescimento tecnológico, talvez o melhor cenário possível.

Uma das pessoas cujo trabalho é movido por essas preocupações é australiana e se chama Kate Crawford; talvez você não consiga saber muito mais do que isso sobre ela – sua conta no LinkedIn Não tem foto, apesar de reportagem no El País trazer uma imagem dela – porque Crawford se preocupa com a disseminação de seus dados na rede e o que pode ser feito deles. Nós também deveríamos nos preocupar.

Não apenas a privacidade está no centro das atenções de Crawford, mas os vieses da sociedade que vêm sendo reproduzidos pela inteligência artificial. De que modo isso acontece? Ao treinarmos máquinas, transferimos a elas todo o nosso preconceito, impresso nos padrões que atribuímos aos sistemas para que se tornem “inteligentes”. “Esses padrões têm um viés, reproduzem estereótipos, e o sistema de inteligência artificial os toma como verdade única. Estamos injetando neles as nossas limitações, nossa forma de marginalizar”, disse Crawford ao El País.

Esse é um risco apontado por Andy Clark, filósofo da mente e pesquisador da cognição cujo trabalho venho acompanhando. Com um porém: Clark destaca que preconceitos assim começam a ser formados já em nossos cérebros, que, conforme ele explica em seu livro “Surfing Uncertainty” (2016), funcionam a partir de inúmeras camadas de neurônios responsáveis por fazer previsões nas quais nos baseamos para viver e agir no mundo. Por exemplo, uma pessoa que vive em uma cidade violenta como o Rio de Janeiro, acostumada a ouvir notícias sobre balas perdias, assaltos à mão armada e tiroteios poderia se assustar ao ver algo que se parecesse com uma arma por baixo da blusa de certa pessoa, mesmo que se tratasse de um objeto qualquer; e as consequências de um erro assim podem ser, literalmente, fatais. Mais sobre a visão de Clark acerca desse tema pode ser lido neste outro post que fiz sobre o assunto, há alguns meses.

Vale ler a entrevista com Kate Crawford no El País e dar uma olhada no site do AI Now Institute, fundado por ela.

Imagem do post: Lux Interaction @ Unsplash

 

Lançamento do livro “O Corpo que nos Possui”

Dia 29 de junho, na PUC-Rio, acontece o lançamento do livro “O Corpo que nos Possui: Corporeidade e suas Conexões” (Editora Appris), que traz um capítulo escrito por mim e pelo professor Eduardo Santos, da Universidade de Coimbra. Temos realizado juntos pesquisas relacionadas a cognição e tecnologia, sendo esse o primeiro fruto concreto da nossa parceria. O coquetel será a partir das 18h no Solar Grandjean de Montigny. Nos vemos lá!

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Imagem do post: Franck V. @ Unsplash

Conheça o Pint of Science

O mundo da ciência é fascinante e cheio de mistérios. Mas, ao contrário do que muita gente pensa, esse não é (ou não deveria ser) um universo exclusivo de cientistas, laboratórios e pesquisas acadêmicas. A função principal da ciência é contribuir para que a vida de todo mundo seja melhor. Então, se a ciência interessa a todos, ela deve ser acessível a todos…

É claro que muitas vezes é difícil entender de forma completa o trabalho acadêmico de determinados pesquisadores, o que é perfeitamente natural quando não se tem domínio de determinada área – e, claro, não se pode dominar todas as áreas. No entanto, existem formas bastante interessantes de trabalhar para tornar a ciência mais acessível a todas as pessoas, independente de suas trajetórias pessoais e profissionais. Eu tenho me interessado bastante por essas iniciativas, especialmente depois que ingressei no mestrado e comecei a viver intensamente o mundo acadêmico.

Foi então que me deparei com o festival Pint of Science, que começa esta segunda, dia 14 de maio, e vai até quarta, dia 16. Eu Não conhecia, mas o projeto já está em sua terceira edição no Brasil! Debates informais em torno da ciência, acompanhados de cerveja ou que cada um quiser beber, acontecerão em  vários lugares, em 56 cidades do país. A programação pode ser vista aqui. Mas por que essa sugestão de beber cerveja enquanto se conversa sobre ciência? Bem, quem já foi a um pub, mesmo no Brasil, sabe que pint é um copo que tem uma certa medida, no qual frequentemente são servidas bebidas alcoólicas e, particularmente, cerveja.

Imagem do site do Pint of Science Brasil

Origem do Pint of Science

O projeto Pint of Science começou com dois pesquisadores da Imperial College, de Londres (universidade na qual, coincidentemente, fiz um curso em 2008, que foi incrível; fiquei feliz quando soube que a ideia surgiu lá!). Segundo o site do projeto, em 2012 os pesquisadores Michael Motskin e Praveen Paul, da Imperial, organizaram um evento chamado Encontro com Pesquisadores, no qual pessoas com Alzheimer, Parkinson, doenças neuromusculares e esclerose múltipla foram convidadas a conhecer os laboratórios dos cientistas e o tipo de pesquisa que eles faziam. “A experiência foi tão inspiradora que a dupla decidiu propor um evento em que os pesquisadores pudessem sair das universidades e institutos de pesquisa para conversar diretamente com as pessoas e assim, em maio de 2013, surgiu o Pint of Science”, conta o site.

Para saber mais e checar a programação na sua cidade, acesse http://pintofscience.com.br

Vejo vocês lá!

Imagem do post: NASA @ Unsplash