Participei do evento do Ismart no Rio e foi emocionante!

Trabalhar com educação é ensinar? Sim, mas antes de tudo é topar aprender muito, o tempo todo. E isso é sensacional.

Num sábado, dia primeiro de dezembro, foi dia de estar com a galera incrível do Ismart, estudantes super empenhados, guerreiros, que topam desafios e não desistem de seus sonhos grandes, até porque, como eles mesmos sabem e dizem, sonhar grande dá o mesmo trabalho que sonhar pequeno 

Tem sido maravilhoso trabalhar com o Ismart Online, e terminar o ano participando da banca que avaliou os trabalhos deles, no evento de encerramento do ano, no Rio, foi demais!

Com tantas histórias inspiradoras, projetos tão criativos, com tanto carisma, alegria e orgulho, no fim eu que aprendi um monte com eles. Fiquei mega, mega feliz de participar. Essas coisas fazem a vida valer.

Saiba mais sobre o Ismart no site deles.

Divulgue o Ismart para jovens, pais e professores! É uma oportunidade maravilhosa.

Materialidades Digitais

Normalmente, quando pensamos em um livro de papel versus um livro digital, pensamos na materialidade desses artefatos: um livro impresso nós podemos manusear, passamos as páginas, sentimos seu cheiro etc. No caso de um livro digital, o qual lemos por meio de um e-reader, no computador, num tablet ou no smartphone, perdem-se essas experiências. O conteúdo digital não é material. Será mesmo?

Hoje, aqui na Universidade de Coimbra, onde estou realizando um período de investigação, assisti a uma palestra, ministrada por Serge Bouchardon, que desafia essa premissa. Ele levou o público a pensar sobre como a mídia digital proporciona ainda mais manipulação do que a mídia física, e isso se dá porque, no caso do online, o próprio conteúdo pode ser manipulável.

Desse modo, é como se os livros físicos tivessem uma certa materialidade e os digitais, outro tipo de materialidade. 

Há todo um gestual que é inerente às mídias digitais; desde quando teclamos no computador até quando usamos o mouse ou deslizamos o dedo na tela de um celular. E por que fazemos isso? Para manipular o conteúdo que ali está. Segundo Bouchardon, que atua também na área de mídias digitais na educação, a compreensão dessa gama de gestos ligada ao mundo digital deve ser parte da alfabetização digital.

Para experimentarmos tais ideias de forma prática, o pesquisador apresentou alguns de seus projetos, como o Loss of Grasp – que mistura arte, design, poesia, literatura e recursos digitais de uma maneira interessantíssima. Em quais circunstâncias nós perdemos o controle sobre nossas vidas? É sobre isso que o projeto nos leva a pensar, por meio de uma viagem pela materialidade digital: clicamos sobre as frases, e elas se movem; luzes coloridas nos dão a sensação da vida nos escapando ao controle; em breve perdemos o rumo do cursor e não sabemos por onde anda o mouse de nosso computador.

Quando a palestra foi aberta a perguntas, questionei o professor a respeito de como podemos ter mais sensações materiais com livros que lemos em e-readers (que, na minha opinião, são práticos, mas sem graça em termos de experiências que envolvem a manipulação física). E ele nos disse que os designers deverão resolver isso com sua criatividade 😉

Em tempo: a Universidade de Coimbra tem um doutoramento inteiro dedicado às materialidades na literatura; os alunos são designers, egressos da licenciatura de letras e de outras áreas; fica aqui o link para quem quiser conhecer.

Há ainda outras experiências indicadas por Bouchardon:

http://bram.org/toucher//index.htm

https://bouchard.pers.utc.fr/storyface/

Imagem do post: Julius Drost @ Unsplash

 

 

Conteúdo digital para a educação: uma breve reflexão

Desde 2005, quando me graduei em jornalismo, tenho trabalhado produzindo conteúdo para a Web. Passei por projetos de vários tipos, em várias empresas, com temas variados. Comecei minha carreira num site de notícias que hoje seria considerado uma espécie de startup, termo que não se usava na época. Trabalhei no British Council, na Infoglobo por quase quatro anos, fiz consultoria para a Petrobras, passei por agências digitais, trabalhei com intranet na Oi, fiz projetos para a Fundação Roberto Marinho, o Ibmec e, mais recentemente, a startup de educação Tamboro. Faço projetos para o Museu do Amanhã. Volta e meia, escrevo reportagens para o site Porvir. Entre todos os temas com os quais lidei, a educação me fisgou.

O primeiro contato que tive com a educação profissionalmente foi há 11 anos, quando escrevi uma reportagem, que ganhou dois prêmios de jornalismo, sobre déficit de atenção e hiperatividade, e com ela pude conhecer vários professores e pais de crianças que me contaram das dificuldades delas enquanto alunas, e também me revelaram o quanto a vida dos estudantes ficava mais difícil por conta da incompreensão daquele jeito “agitado e desatento” deles. Depois, trabalhei em um projeto de educação para a sustentabilidade para o British Council, onde era analista de comunicação digital. O projeto me possibilitou vivenciar diversos ambientes da educação, espaços de educação formais e não-formais, todos muito além do online – apesar de usarmos blogs, redes sociais e o site do projeto para comunicar e educar sobre meio ambiente. Frequentávamos as escolas, falávamos com os alunos, professores e coordenadores, conversávamos para entender as necessidades deles.

Na Infoglobo, coordenei O Livreiro, uma rede social voltada para apaixonados por livros. Meu primeiro trabalho foi ir à FLIP, a partir de uma narrativa que eu mesma criei e a chefe aprovou: o Mochilão do Livreiro. A ideia era mostrar a FLIP para quem era estudante, ia com pouca grana para Paraty ou já morava lá e todo ano via a FLIP acontecendo em sua cidade, mas sem atividades voltadas para jovens fora dos círculos intelectuais de debates. De mochila, mesmo, saíamos – em equipe – pela cidade distribuindo livros, promovendo ações, sentando em rodas para mostrar e-readers para crianças e adolescentes e ler livros com eles – ações offline, mas que tinham tudo a ver com a nossa rede, que era online.

Hoje, faço mestrado em educação, e sigo amando cada vez mais unir a comunicação digital à educação. Adoro produzir conteúdo digital para projetos educacionais, principalmente quando percebo que eles vão ter uma real relevância para a galera que terá acesso a eles. Mas, quanto mais digital o mundo fica, quanto mais digitais todos nós ficamos, mais eu penso o quanto nós temos que olhar para o offline, que é de onde viemos, é parte do que somos. Somos online e somos offline: tudo junto e misturado. Andy Clark, filósofo britânico que é figura central em minha pesquisa de mestrado, diz que somos ciborgues naturais, seres híbridos, porque o nosso acoplamento com as tecnologias é natural. Híbridos que somos – e eu concordo com ele – precisamos nos valer desse hibridismo, conversar, viver; fazer bom conteúdo é, afinal, ouvir as pessoas, é se enredar por narrativas, histórias, conhecer novos espaços, estar aberto a aprender, a se surpreender. Precisamos manter viva a curiosidade, e estar dispostos a cometer erros, mesmo que isso fique escancarado nas redes sociais – e daí, quem nao erra?

Na educação, para produzir bom conteúdo em meio às novas tendências tecnológicas, é isso que percebo: que não podemos perder a vontade de surpreender e de ser surpreendidos, e que não podemos esquecer que fazemos conteúdo para pessoas. Tudo o que falarmos e escrevermos terá um impacto super importante na vida delas. Cada “login” que se conecta para estudar online num ambiente virtual de aprendizagem é uma pessoa, é alguém cujo tempo dedicado aos estudos não se resume ao “time on site”; cujas dificuldades ou aptidões provavelmente não estão todas refletidas nas métricas vindas da aprendizagem adaptativa baseada em machine learning; é um aluno querendo aprender, um ser híbrido, online e offline o tempo todo, mas de carne e osso. Somos ciborgues naturais fazendo educação para ciborgues naturais. Mas o lado humano desse hibridismo não pode ser esquecido, em momento algum…!

 

Imagem: Giu Vicente @ Unsplash

Inteligência Artificial Humanística

Neste vídeo do TED, Tom Gruber, criador da Siri (assistente pessoal baseado em inteligência artificial da Apple) fala sobre como o caminho da inteligência artificial é amplificar e potencializar as capacidades humanas, gerando conexões e facilitando nossas vidas. É nisso que acredito: não se trata de substituir humanos em atividades que desenvolvemos bem. As máquinas podem nos ajudar com aquelas tarefas nas quais não somos tão bons, nos liberando delas para que nos dediquemos a outras coisas. A cognição humana se expande quando as tecnologias cognitivas se expandem…

Foto do post: Greg Rakozy @ Unsplash

Inteligência Artificial: uma face obscura

A euforia em torno da evolução tecnológica no campo da inteligência artificial não pode ser uma empolgação ingênua. A face obscura do brilhantismo dessa (r)evolução existe, e demanda a nossa atenção. Os sistemas de inteligência artificial, afinal, são feitos por seres humanos, e seres humanos cometem erros, inúmeros erros, que são reproduzidos pela I.A. às toneladas, em poderosas escalas não-humanas. A solução para treinar bem tais máquinas que “pensam” começa, justamente, no pensamento. Pensamento em torno da inteligência artificial, pensamento em torno de aonde queremos chegar com as tecnologias cognitivas, pensamento acerca de quem nos torna(re)mos com tais evoluções tecnológicas.

Existem pessoas interessantíssimas pensando em temas como esses, e os aplicando em seu trabalho. Será que, então, o desenvolvimento das tecnologias cognitivas pode gerar uma evolução na própria sociedade, levando-nos a rever certos conceitos e preconceitos? Essa seria, sem dúvida, uma excelente consequência do crescimento tecnológico, talvez o melhor cenário possível.

Uma das pessoas cujo trabalho é movido por essas preocupações é australiana e se chama Kate Crawford; talvez você não consiga saber muito mais do que isso sobre ela – sua conta no LinkedIn Não tem foto, apesar de reportagem no El País trazer uma imagem dela – porque Crawford se preocupa com a disseminação de seus dados na rede e o que pode ser feito deles. Nós também deveríamos nos preocupar.

Não apenas a privacidade está no centro das atenções de Crawford, mas os vieses da sociedade que vêm sendo reproduzidos pela inteligência artificial. De que modo isso acontece? Ao treinarmos máquinas, transferimos a elas todo o nosso preconceito, impresso nos padrões que atribuímos aos sistemas para que se tornem “inteligentes”. “Esses padrões têm um viés, reproduzem estereótipos, e o sistema de inteligência artificial os toma como verdade única. Estamos injetando neles as nossas limitações, nossa forma de marginalizar”, disse Crawford ao El País.

Esse é um risco apontado por Andy Clark, filósofo da mente e pesquisador da cognição cujo trabalho venho acompanhando. Com um porém: Clark destaca que preconceitos assim começam a ser formados já em nossos cérebros, que, conforme ele explica em seu livro “Surfing Uncertainty” (2016), funcionam a partir de inúmeras camadas de neurônios responsáveis por fazer previsões nas quais nos baseamos para viver e agir no mundo. Por exemplo, uma pessoa que vive em uma cidade violenta como o Rio de Janeiro, acostumada a ouvir notícias sobre balas perdias, assaltos à mão armada e tiroteios poderia se assustar ao ver algo que se parecesse com uma arma por baixo da blusa de certa pessoa, mesmo que se tratasse de um objeto qualquer; e as consequências de um erro assim podem ser, literalmente, fatais. Mais sobre a visão de Clark acerca desse tema pode ser lido neste outro post que fiz sobre o assunto, há alguns meses.

Vale ler a entrevista com Kate Crawford no El País e dar uma olhada no site do AI Now Institute, fundado por ela.

Imagem do post: Lux Interaction @ Unsplash

 

Lançamento do livro “O Corpo que nos Possui”

Dia 29 de junho, na PUC-Rio, acontece o lançamento do livro “O Corpo que nos Possui: Corporeidade e suas Conexões” (Editora Appris), que traz um capítulo escrito por mim e pelo professor Eduardo Santos, da Universidade de Coimbra. Temos realizado juntos pesquisas relacionadas a cognição e tecnologia, sendo esse o primeiro fruto concreto da nossa parceria. O coquetel será a partir das 18h no Solar Grandjean de Montigny. Nos vemos lá!

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Imagem do post: Franck V. @ Unsplash

Conheça o Pint of Science

O mundo da ciência é fascinante e cheio de mistérios. Mas, ao contrário do que muita gente pensa, esse não é (ou não deveria ser) um universo exclusivo de cientistas, laboratórios e pesquisas acadêmicas. A função principal da ciência é contribuir para que a vida de todo mundo seja melhor. Então, se a ciência interessa a todos, ela deve ser acessível a todos…

É claro que muitas vezes é difícil entender de forma completa o trabalho acadêmico de determinados pesquisadores, o que é perfeitamente natural quando não se tem domínio de determinada área – e, claro, não se pode dominar todas as áreas. No entanto, existem formas bastante interessantes de trabalhar para tornar a ciência mais acessível a todas as pessoas, independente de suas trajetórias pessoais e profissionais. Eu tenho me interessado bastante por essas iniciativas, especialmente depois que ingressei no mestrado e comecei a viver intensamente o mundo acadêmico.

Foi então que me deparei com o festival Pint of Science, que começa esta segunda, dia 14 de maio, e vai até quarta, dia 16. Eu Não conhecia, mas o projeto já está em sua terceira edição no Brasil! Debates informais em torno da ciência, acompanhados de cerveja ou que cada um quiser beber, acontecerão em  vários lugares, em 56 cidades do país. A programação pode ser vista aqui. Mas por que essa sugestão de beber cerveja enquanto se conversa sobre ciência? Bem, quem já foi a um pub, mesmo no Brasil, sabe que pint é um copo que tem uma certa medida, no qual frequentemente são servidas bebidas alcoólicas e, particularmente, cerveja.

Imagem do site do Pint of Science Brasil

Origem do Pint of Science

O projeto Pint of Science começou com dois pesquisadores da Imperial College, de Londres (universidade na qual, coincidentemente, fiz um curso em 2008, que foi incrível; fiquei feliz quando soube que a ideia surgiu lá!). Segundo o site do projeto, em 2012 os pesquisadores Michael Motskin e Praveen Paul, da Imperial, organizaram um evento chamado Encontro com Pesquisadores, no qual pessoas com Alzheimer, Parkinson, doenças neuromusculares e esclerose múltipla foram convidadas a conhecer os laboratórios dos cientistas e o tipo de pesquisa que eles faziam. “A experiência foi tão inspiradora que a dupla decidiu propor um evento em que os pesquisadores pudessem sair das universidades e institutos de pesquisa para conversar diretamente com as pessoas e assim, em maio de 2013, surgiu o Pint of Science”, conta o site.

Para saber mais e checar a programação na sua cidade, acesse http://pintofscience.com.br

Vejo vocês lá!

Imagem do post: NASA @ Unsplash

 

 

TDAH: quando não compreendido, um transtorno

Camila Leporace

(Publicada em 2007 no site Opinião & Notícia, encerrado em 2020, recebeu o Prêmio Alexandre Adler de Jornalismo de Saúde – edição 2007 e o Prêmio de Jornalismo da Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP 40 Anos na categoria online – 2007)

Nos depoimentos de mães, pais e especialistas no assunto, as semelhanças são marcantes. Os portadores do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) são impulsivos, agitados, irrequietos, ansiosos e tão inteligentes e carinhosos quanto mal compreendidos e rejeitados – o que acontece porque, quando se trata de TDAH, falta informação e sobra preconceito.
Com um ano e quatro meses de idade, em 1986, Fernando começou a andar. A partir daí, ficar parado tornou-se algo simplesmente impossível para ele. Um ano e dois meses depois, sua mãe, Mara Narciso – endocrinologista, acadêmica de jornalismo e autora do livro Segurando a hiperatividade – decidiu levá-lo a uma psicóloga. Por ser “acelerado” e “incapaz de sossegar um minuto que fosse”, Fernando ficava sujeito a toda sorte de acidentes. “Machucava a toda hora, e demorou muitos anos para entender que buraco era buraco e que pular dentro dele como se não existisse o faria machucar. Corria na direção de uma escada como se não houvesse desníveis”, relata Mara.
Quando Fernando tinha quatro anos, sua mãe o levou a um neuropediatra em Belo Horizonte que definiu o que ele tinha como Disfunção Cerebral Mínima, problema que se caracterizava exatamente pela hiperatividade. O médico disse a Mara que Fernando era o “segundo caso mais grave” que ele já havia visto em 25 anos.
Hoje, cerca de 3% das crianças e de 1% a 1,5% dos adultos de todo o mundo apresentam o TDAH, que também é conhecido como DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção) ou, em inglês, ADD, ADHD ou AD/HD. A incidência parece ser maior entre o sexo masculino, mas os especialistas consideram esse dado ainda em discussão. Essas informações foram reveladas pelo psiquiatra Mario Louzã Neto, coordenador do Projeto Déficit de Atenção e Hiperatividade no Adulto (PRODATH) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – Universidade de São Paulo, em entrevista divulgada neste site.Conforme explica a neurologista Lais Pires, a causa do TDAH está relacionada a uma predisposição genética – o que já foi comprovado através de estudos, inclusive com a análise comportamental de gêmeos univitelinos que viveram em ambientes separados e apresentaram, ambos, características de TDAH – e também a fatores ambientais: bebês prematuros podem ter uma chance maior de apresentar o Transtorno, que nesse caso estaria relacionado ao sofrimento ao nascer.
A hiperatividade é apenas uma das três principais características associadas ao TDAH. As outras duas são a facilidade para se distrair e a impulsividade. Nas meninas, é mais comum a forma do TDAH em que predomina a desatenção: elas parecem tranqüilas, e na sala de aula muitas vezes se mostram quietas, sem perturbar o ambiente como os meninos. No entanto, essa aparente calma esconde um pensamento que voa e se distrai com ele mesmo, e a falta de aproveitamento escolar é refletida nas notas do boletim. Já nos meninos é mais comum a forma de TDAH que une a hiperatividade com a impulsividade, podendo ou não ser acompanhadas da tendência à distração. O aparecimento das três formas juntas configura a forma mista de TDAH

A dopamina, estimulante que ajuda a fixar a atenção, está presente em menor quantidade no cérebro de quem apresenta o TDAH. Uma sensação de prazer é capaz de aumentar a produção e o aproveitamento da dopamina pelo cérebro – por isso quem tem TDAH, quando faz uma atividade de que gosta, é capaz de se concentrar melhor nela do que numa outra que não lhe é tão aprazível. Isso explica queixas constantes de pais com filhos agitadíssimos e com dificuldade para se concentrar nos estudos, mas que se saem bem no videogame: enquanto a tecnologia evolui a passos largos e os estímulos nesse sentido se tornam cada vez maiores às crianças, a escola permanece no mesmo formato e se torna pouco atraente em comparação com outros estímulos. Apesar de o nome do Transtorno ser constituído da expressão “déficit de atenção”, a Dra. Lais destaca que na verdade os portadores do TDAH têm “excesso de atenção”. “Eles não conseguem evitar que os estímulos competitivos entrem naquele momento em que eles têm que prestar atenção numa outra coisa; é como se fosse uma antena que estivesse captando interferências de outras”, define. E não apenas fatores externos funcionam como estímulos: os próprios pensamentos também.
O ambiente agitado que marca os dias de hoje, com a grande quantidade de estímulos que o constituem, é um fator que propicia a detecção da presença do TDAH num indivíduo. Dra. Lais destaca que, em outros tempos, os estímulos eram menos variados e as possibilidades de “perder o foco” eram também menores. Com isso, menos casos eram observados. Com o passar dos anos, cada vez mais casos de TDAH têm sido reconhecidos por pais, professores e especialistas.
Diagnóstico requer cuidado; tratamento é indispens
ável
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o consumo de metilfenidato -anfetamínico potente usado no controle do TDAH, por agir aumentando a dopamina no cérebro – passou de 23 kg em 2000 para 93 kg em 2003, no Brasil. é comum crianças com TDAH tomarem remédio com esse princípio ativo para, entre outros fins, conseguir a concentração necessária para evitar o baixo rendimento escolar. A partir de uma análise desse panorama, a psicóloga Helena Rego Monteiro acredita que esteja ocorrendo o que ela chama de “medicalização da vida escolar”.
“Hoje, o que parece existir como única opção é a lente da biomedicalização querendo ensinar que não só o ‘fracasso’ do escolar e suas condutas disruptivas, mas a vida como um todo tem um determinado remédio, uma pílula. Hoje, não é raro encontrar em mochilas escolares uma caixa de remédio dividindo o espaço com o lanche, os cadernos e as canetas, dando-nos a impressão de que, naturalmente, fazem parte do material escolar”.
É fato que muitas das ocorrências comuns ao comportamento de alguém que tem TDAH podem ser identificadas em pessoas que não têm o distúrbio. E isso exige atenção. “Quem, nos dias de hoje, não faz mais de uma coisa ao mesmo tempo, ou melhor, várias coisas ao mesmo tempo? Quem não sente medo, não sente uma demasiada tristeza em certos confrontos com as produções de subjetividades do mundo contemporâneo? Então somos todos desatentos, hiperativos, portadores do pânico ou deprimidos?”, questiona Helena, fazendo um alerta para que nem todos sejam taxados de TDAHs antecipada e equivocadamente.

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Para o cuidado necessário ao diagnóstico do TDAH, Dra. Lais tem uma definição que segue à risca: só existe transtorno quando há prejuízo. “Tem pessoas que tiram partido da sua hiperatividade: elas conseguem fazer muitas coisas ao mesmo tempo e fazem bem. Então não tem transtorno, elas vivem muito bem com a hiperatividade delas”, diz, acrescentando que muitas vezes características de TDAH existentes num indivíduo não têm efeito significativo em sua vida e especificando que o maior problema do TDAH é atrapalhar as funções executivas.
Nas crianças, essas funções seriam atividades do dia-a-dia como almoçar ou tomar banho, por exemplo, que poderiam deixar de ser momentos simples para se tornar demorados ou complicados, mostrando a dificuldade – comum aos portadores de TDAH – de começar e terminar uma tarefa. Na escola, as funções poderiam ser escrever uma redação ou ler o enunciado de uma questão de prova. Muitas vezes quem tem TDAH se sai mal em testes simplesmente porque não teve paciência de ler um texto até o fim. O grau de inteligência que eles apresentam é igual ao dos demais alunos, mas como seu desempenho passa a ser sempre baixo, eles se sentem desestimulados e mais uma vez a escola perde para uma série de outras atividades mais interessantes em que eles se saem bem. À medida que um indivíduo cresce, o grau de dificuldade das tarefas que ele precisa realizar tende a aumentar e, com isso, a frustração por não terminar as atividades ou não obter sucesso ao realizá-las também aumenta.
Dra. Helena questiona a maneira como é feita a separação entre crianças “normais e anormais” e acredita que “o pior efeito do TDAH para a vida de crianças e adultos é ser rotulado pelo saber-poder médico como um ‘doente’”. A psicóloga explica que, para definir a existência do TDAH em indivíduos, os especialistas se baseiam em um manual, que ela não considera suficiente. “A partir do manual seremos capazes de separar doentes e sadios, normais e anormais; poderemos identificar aqueles que desviam do padrão. Nesse sentido, a pergunta que temos a fazer é: desviar do padrão não é bom para quem?”
Dra. Lais conta que, antes de receitar remédio para um paciente, faz uma análise completa de como ele se comporta na escola, mas não se limita a isso. Ela também procura saber, através de relatórios, como é seu paciente em todos os outros ambientes de sua vida – em casa e em momentos de socialização e brincadeiras, por exemplo. Somente quando constata que em todos os setores ele apresenta características de TDAH ela tem certeza da existência do Transtorno e prescreve a medicação. Se o problema se verificar em apenas uma das áreas, a solução é diferente, pois não se trata de TDAH e então receitar metilfenidato seria um equívoco.
Mara sempre achou Fernando diferente das outras crianças, levou-o a vários médicos até se certificar do que tinha e concorda com a Dra. Lais, afirmando que os prejuízos do TDAH são indiscutivelmente sentidos por ele em vários aspectos de sua vida. “Após quase cinco anos em duas faculdades, Turismo e Hotelaria, e depois Design, em que cursa o quinto período, meu filho pensa em largar tudo novamente. Está tentando entrar no mercado de trabalho fazendo Auto-Cad, é muito só e isolado, sofre muito com isso, e com todos os tratamentos que fez, ainda não se encontrou. Isso não é invencionice”.
Se ser taxado de “doente” é ruim, não ser diagnosticado e tratado pode trazer conseqüências ainda piores para quem tem TDAH. O site da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA) afirma que uma de suas grandes lutas é que “o TDAH seja identificado num grande numero de crianças e adolescentes que estão enfrentando grandes dificuldades na vida acadêmica, sem receber diagnóstico ou tratamento adequado”. A associação enfatiza ainda que, mesmo com o aumento de 940% das vendas de metilfenidato de 2000 para 2004, apenas 5% dos pacientes com TDAH no Brasil são tratados.
Um grande problema da atualidade seria o uso indevido do metilfenidato. Pessoas que não precisam de fato da substância, mas que sabem que o medicamento resulta num aumento de concentração e poder de foco, têm recorrido a ele para render mais no trabalho ou conseguir dar conta, com sucesso, de um grande número de atividades, pressões e responsabilidades.
Para cada caso, um tratamento
Conforme enfatiza a Dra. Lais, a neurologia, sozinha, é capaz de tratar casos em que o TDAH se apresenta isolado de alguma outra condição associada – as chamadas comorbidades. Para essas ocorrências, uma medicação baseada em metilfenidato seria suficiente. No entanto, 2/3 das pessoas que têm TDAH têm comorbidades, que exigem a associação de tratamentos diferentes à neurologia. Um transtorno de ansiedade, por exemplo, poderia ser acompanhado por uma terapia cognitivo-comportamental; o aparecimento de uma dislexia necessitaria do acompanhamento de uma fonoaudióloga; transtornos afetivos de humor bipolar exigiriam o suporte de um psiquiatra e até de uma outra medicação.
Fernando representa um caso em que foi necessário associar tratamentos diferentes. Hoje um estudante universitário de 23 anos de idade, ele já fez onze de psicoterapia e cinco de terapia cognitivo-comportamental. Só começou a tomar metilfenidato aos 16 anos de idade. Mara sentiu que o remédio, apesar de contribuir positivamente, não é suficiente sozinho e serve a um propósito específico: ajudá-lo a se concentrar nas aulas.
Dra. Lais admite que o metilfenidato, apesar de geralmente ser bem tolerado, pode ter efeitos colaterais, mas somente enquanto a substância ainda estiver no sangue de quem a ingeriu. Inibição do apetite é geralmente o primeiro efeito, mas também pode ocorrer um aumento da emotividade em crianças. Taquicardia e dor de cabeça muito raramente aparecem. Associado à perda de apetite está o temor dos pais quanto a problemas de crescimento geralmente ligados à medicação. Na verdade, o que acontece é que em algumas fases da vida de quem toma o remédio o crescimento fica menos acelerado do que poderia – mas a altura final do indivíduo não é afetada, conforme explica a neurologista.
A especialista explica ainda que o risco de o medicamento aumentar o uso de drogas é um mito que não procede, pois geralmente quem tem TDAH recorre às drogas procurando alívio e fuga após sofrer inúmeras e sucessivas frustrações, e o remédio serve justamente para ajudar a evitá-las e assim também diminuir a possibilidade de que as drogas sejam buscadas.
TDAH em família
Segundo a neuropsiquiatra Tania Almeida, especializada no atendimento a famílias que têm membros com TDAH, é importante que os portadores do Transtorno e as pessoas que convivem com eles conheçam a maneira como funcionam. “O TDAH é uma disfunção que se expressa por comportamentos peculiares que, se conhecidos, podem ser levados em conta pelo próprio portador – para criar mecanismos compensatórios – e pelos que o cercam – para adequarem suas cobranças e ampliarem suas manifestações de reconhecimento pelo esforço que os portadores fazem para se adaptarem a determinadas exigências sociais”.
Uma dica é evitar a cobrança excessiva, valorizando o que é realmente importante. “Eles (os portadores de TDAH), eventualmente, precisam de mais tempo e mais silêncio para fazerem exercícios escolares e provas; precisam ser auxiliados a criar mecanismos compensatórios para não esquecer, não perder, se organizar, se concentrar; precisam que nós selecionemos dentre as mil e uma incorreções de seu comportamento, poucas para chamarmos atenção, sob pena de serem repreendidos ininterruptamente e ampliarem seu comprometimento no relativo à auto-estima”, alerta Tania.
A neuropsiquiatra enfatiza o quanto pode ser lucrativo o resultado de uma maior compreensão do TDAH. “Pais e parentes esclarecidos, professores e cuidadores esclarecidos, portadores e amigos esclarecidos sobre o funcionamento da disfunção podem com ela lidar de maneira mais favorável, ajudando a sobressair as competências que esses indivíduos também têm – muitas vezes, especiais competências – e não as suas incompetências”.


Saiba mais:


Mitos
 sobre o TDAH

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Neurociência X Neurologia: o que as difere?

Qual é a diferença entre o trabalho de um neurocientista e o de um neurologista? O que cada um faz?

Na verdade, são atividades com diferenças bastante significativas, que se complementam na busca pela compreensão do cérebro humano. Ambas estão em alta. Fiz, então, este post para contribuir com a compreensão de cada uma delas.

A neurociência envolve o estudo científico dos mecanismos do sistema nervoso central, como sua estrutura, funções, sua genética e fisiologia, assim como a maneira como isso pode ser aplicado para a compreensão de distúrbios no sistema nervoso. Os neurocientistas, portanto, são pesquisadores, que conduzem experiências em laboratório.

Embora a neurociência tenha sido sinônimo da neurobiologia por anos, cada vez mais essa vertente da pesquisa tem sido vista como uma área interdisciplinar, dando contribuições à educação, à física, à linguística, à psicologia e à filosofia, entre muitas outras áreas do conhecimento. Para unir pesquisadores do sistema nervoso, há organizações como a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento e a Sociedade Portuguesa de Neurociências.

Já a neurologia é uma área da medicina especializada em doenças relativas ao sistema nervoso, que envolvem o mal de Alzheimer, por exemplo, passando por distúrbios de personalidade, doenças vasculares, demências, dores de cabeça, convulsões, epilepsia etc. A neurologia envolve o diagnóstico e o tratamento das condições dos sistemas central, periférico e autônomo.

Um neurologista é necessariamente alguém que estudou medicina, enquanto um neurocientista é geralmente um doutor em neurociência, podendo ou não ter obtido um grau em medicina – neurologia. Há ainda os neurocirurgiões, que são cirurgiões especializados em neurologia.

Com informações de: https://www.news-medical.net/health/What-is-the-Difference-Between-Neurology-and-Neuroscience.aspx

Imagem do post: Daniel Hjalmarsson @ Unsplash

 

 

 

 

 

 

 

John Searle e a consciência

Neste TED, a fala é de John Searle, 85 anos de idade (um pouco menos à época desse vídeo), 30 anos depois do seu famoso argumento do Quarto Chinês. Excelente para quem quer saber por que a consciência é uma questão, o que é o “mind-brain problem” e o que isso tem a ver com computadores, além de lembrar por que Descartes estava certo em ao menos uma questão fundamental: se pensamos/duvidamos/questionamos a própria consciência, é porque existimos!