‘Relacionamentos’ com chatbots?

Mark Zuckerberg, CEO da Meta (META), tem feito declarações em que insinua que o futuro das interações humanas será moldado pela inteligência artificial. Para ele, as pessoas terão amigos na forma de chatbots, que também farão o papel de terapeutas. Ele diz que isso se torna realidade na medida em que “a IA começar a conhecer você mais e mais”.

Dei algumas declarações sobre o assunto para uma matéria que saiu na Gama Revista – leia aqui.

Há tantos problemas na fala dele. Vou tentar explicar alguns sob o ponto de vista da pesquisa em cognição.

Mas, afinal, o que o Sr. Meta sabe sobre conexões reais?

Um modelo de IA não realmente “conhece” ninguém. Conhecemo-nos uns aos outros por meio de nossas interações sociais (reais!), que são construídas a partir da empatia, de ajustes finos contínuos entre os indivíduos, de diálogos em que se molda ao outro, e só se pode conhecer o outro quando se é capaz de perceber a si mesmo. A IA não tem essa capacidade de percepção, não pode realmente perceber o outro e criar uma real conexão com ele. O que ela pode fazer é coletar dados dos usuários e com isso parecer que os conhece. Hoje, ela coleta dados de todos os usuários, e por meio de estatística oferece conteúdo para quem tenta conversar, e por mais que a pessoa se sinta contemplada em suas questões pessoais aquilo é apenas um resultado estatístico das questões pessoais de muitas pessoas.

Redes sociais nada sociais…

Outro ponto essencial é o seguinte: as redes sociais tornaram-se antissociais. As pessoas têm centenas de amigos, entre muitas aspas, no Facebook; afinal, desses, quem são verdadeiros amigos, que aparecem quando precisamos deles? Provavelmente o Sr. Meta sabe que temos na verdade cerca de dois, três amigos, que é o que ele cita na entrevista, complementando que as pessoas querem ter mais amigos, mas, então ele sabe que a rede social que ele criou é na verdade antissocial? Porque ele sabe que ali não há laços reais, mas se são centenas de amigos, como não se pode contar com mais de dois? E por que as pessoas querem então mais amigos? E são os chatbots que vão fazer esse papel?

Plataformas

E quando ele fala que as pessoas se sentem sozinhas, e que as conexões reais fazem falta, ele não pontua em nenhum momento, não reconhece em nenhum momento que ele faz parte da criação de um universo, que chamei no meu livro de “algoritmosfera”, que é um universo que contribui para esse isolamento.

Rolar o feed é uma eterna disputa pela nossa atenção que tira a nossa atenção a nós mesmos. Estamos desconectados de nós mesmos.

Mas seria possível e seria inteligente resolver esse problema da desconexão real, na era das hiper conexões digitais, com IA? Esta é uma boa questão. Com base na minha pesquisa, sobre cognição e IA, em que me aprofundei bastante na questão daquilo que é uma interação real – o que caracteriza uma interação social? O que a diferencia de uma interação com robôs? – Posso dizer que somos seres sociais por natureza, desde antes de nascermos, e nossa cognição em pleno funcionamento simplesmente não existe sem a sua dimensão social. Então, se o celular é parte da mente e todos sentem quando estão longe dele, o outro também é parte constitutiva de nós, e se o outro está ausente é uma parte de nós que não está presente, de certo modo.

(Des)conexão

Mas também é importante lembrar do que a Sherry Turkle coloca; ela é psicóloga, trabalha no MIT, fundadora da Iniciativa do MIT sobre Tecnologia e Self, que é o seguinte: conectar-se consigo mesmo é uma camada essencial para conseguir conectar-se com o outro. E as distrações programadas que encontramos online, especialmente nas plataformas de redes sociais, são elementos dentre aqueles que mais desviam as pessoas da capacidade de se conectarem consigo mesmas. Nessas plataformas, a cada segundo se dirige a atenção do usuário para outra coisa, já que elas são uma arena de disputa por essa atenção – é a chamada economia da atenção; mas as pessoas ficam na verdade sem atenção nenhuma, pois cada hora é um conteúdo chamando, é uma interrupção.

As mensagens, o eterno rolar do feed, prendem as pessoas – porque são feitos para isso mesmo – e, enquanto estão ali, ávidas pela próxima dose de dopamina, elas ficam adormecidas, entorpecidas por aquele processo. A atenção na verdade se esvai. E com isso as pessoas desaprendem a viver sem essas eternas iscas da sua atenção, e não sabem mais viver no tédio – que faz parte, ou deveria fazer parte, das nossas vidas. No tédio florescem momentos que levam ao autoconhecimento, à conexão consigo mesmo, e no tédio se constrói a noção também de que, por mais que sejamos seres sociais, somos também seres individuados, seres que têm a sua identidade, e assim temos a capacidade de perceber que sermos seres sociais não significa que tenhamos que ter companhia de outros o tempo todo, e nem diversão e distrações o tempo todo.  A capacidade de compreender a si mesmo é o que leva cada um a ter um propósito, a conseguir traçar um caminho para si, enxergar um futuro a partir do tempo presente, e quem tem isso se motiva, se mantém motivado, e pode evitar o caminho da depressão.

Então, é claro que a conexão com outros também apoia esse processo, mas, antes de tudo, as redes ditas sociais online desconectam as pessoas de próprias, elas perdem a atenção em si mesmas, e sua identidade passa a ser moldada de uma maneira muito dura por algo que não é humano e que está ali, em volta delas, dizendo o que devem sentir, se são feias ou bonitas, se estão à altura de algo ou de alguém, o que elas devem acreditar que é sucesso, tudo que as distancia de realmente compreenderem o que pode ser bom ou mau para elas mesmas.

O primeiro chatbot

Outro ponto interessante é: Zuckerberg pontua que o campo da terapia com agentes de IA é muito novo, não sei o que ele quer dizer com isso, se o primeiro chatbot de que se tem notícia era uma terapeuta entre muitas aspas e se chamava ELIZA. Claro, ele está se referindo ao campo os chatbots com IA generativa, isso pode ser novo. Ele quer dizer que a tecnologia ainda pode avançar tanto, que não podemos dizer que esses terapeutas virtuais não vão evoluir tanto a ponto de não serem realmente bons.

Mas, diante desse cenário de aparentes incertezas, temos uma certeza: a empatia está ligada ao fato de sermos seres vivos; somos parte da natureza, somos animais, temos a vida e estamos conectados uns aos outros porque temos vida. Tal qual uma célula, até por temos trilhões delas em nosso corpo, vivemos em trocas de energia constantes com o nosso meio, e são essa trocas que nos permitem um equilíbrio. Como podemos viver em equilíbrio com um meio que é hostil a nós? Se torna hostil quando não há uma preocupação da indústria da tecnologia, dos chatbots de nos manter informados acerca daquilo que acontece com as interações que temos com esses sistemas, os nossos dados coletados, nós não sabemos o que acontece; hostil também porque há a sugestão de que devemos resolver os nossos problemas de desconexão – causados até certo grau pela tecnologia – com a própria tecnologia que os criou ou que alimenta esses problemas.

Não tem sentido pensar que a tecnologia, na medida em que evolui, vai ser capaz de conexão, se conexão é empatia  e é sociabilidade e isso só tem realmente entre seres vivos. É também sem sentido falar em substituição disso. Aliás, o Sr. Meta fala que não se trata de substituir, que a conexão real e física é melhor, mas então por que depois ele diz que a IA ainda vai evoluir muito? Está implícita no discurso ele a intenção de evolui-la ate o ponto em que possa sim substituir as relações humanas, ate porque não há transparência, então pode ser que num dado momento uma pessoa não saiba se interage com um terapeuta humano ou com uma IA. Isso em certa medida já acontece.

O poder humano na algoritmosfera

Esse é o mundo construído por empresas que produzem tecnologia sem se preocupar com o humano e com a natureza. Como somos nós que alimentamos as máquinas desse mundo com nossos dados, temos também o poder de desativá-las. Mas precisamos, para isso, voltar a acreditar na nossa capacidade de viver bem sem ter uma mensagem pulando a cada minuto. Sem necessariamente ter companhia para tudo, até numa fila (“companhia”= celular na mão rolando o feed…).

A contemplação, o tédio, a vida real, a conexão consigo mesmo, podem não parecer, porque não são imediatos, mas são os caminhos para uma vida social que começa consigo mesmo e que é muito frutífera. Se ela não garante que não se tenha depressão ou outros problemas psicológicos – claro, poque há vários fatores que os geram – ao menos conectar-se consigo mesmo nos devolve à posição de autônomos, de seres capazes de liderar suas escolhas. 

E afinal talvez o Sr. Meta saiba, sim, algo sobre conexões reais. Afinal, enquanto tanta gente opta pela superexposição nas redes sociais, quando é o Sr. Zuck a postar fotos das filhas no Instagram, ele protege os rostos das crianças. Isso talvez nos diga algo sobre como devemos reconsiderar as nossas demonstrações de afeto nas redes sociais. Afinal, superexposição, cuidado e conexão real não combinam muito.

Manifesto dos professores do século XXI para os professores do século XXII

Esta carta fez parte de uma atividade interativa que propus em meio a uma formação ministrada a professores da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. Pedi que eles me dissessem quais as atividades em que acreditam que a IA pode ajudá-los, e quais as atividades nas quais eles jamais gostariam de ver a IA os substituindo. Depois, preparei um prompt ao Chat GPT pedindo que gerasse uma carta a educadores que viverão daqui a 100 anos, assinada pelos educadores de hoje, e que incluísse na carta as considerações feitas pelos professores acerca das atividades com e sem IA. Este é o resultado:

Carta aos Educadores do Futuro – Um Manifesto Sobre a Essência Humana na Era da Inteligência Artificial


Queridos colegas do século XXII,
Escrevemos a vocês, educadores do ano de 2125, do tempo em que a Inteligência Artificial começou a transformar profundamente nossas rotinas pedagógicas. Somos professores que testemunharam o surgimento e a expansão dessas tecnologias nas escolas. Por isso, queremos registrar nossa experiência, nosso olhar, nossas esperanças e alertas – como um manifesto que preserve o essencial da humanidade na educação.
A Inteligência Artificial, para nós, tem se mostrado uma aliada poderosa. Ela nos ajuda em diversas tarefas do dia a dia que antes consumiam muito tempo e energia. A IA pode – e deve – auxiliar no:
·       Planejamento das aulas, otimizando recursos e sugerindo estratégias,
·       Cumprimento de tarefas burocráticas, reduzindo a carga administrativa,
·       Apresentação de sugestões criativas baseadas em dados e evidências,
·       Acesso e cruzamento de informações para pesquisa,
·       Organização de conteúdo e propostas curriculares a partir da BNCC,
·       Criação de exemplos, elaboração de SDs e de diferentes metodologias,
·       Apoio na organização do tempo e das atividades,
·       Formulação de avaliações baseadas em critérios objetivos,
·       Relacionamento entre planejamento, avaliação e conteúdo, de forma integrada,
·       Auxílio em disciplinas como o Português, com propostas de escrita, revisão e análise textual.
Essas são áreas em que a IA pode — e já tem — melhorado a eficiência e ampliado nossas possibilidades como educadores.
No entanto, queremos deixar um registro claro e firme sobre o que jamais poderá ser substituído por algoritmos, por mais avançados que sejam. A IA é uma ferramenta. A educação é um encontro — e isso permanece exclusivamente humano.
A IA nunca deve substituir:
·       A avaliação humana que reconhece nuances, trajetórias, contextos e esforços que não cabem em métricas.
·       O planejamento sensível que se adapta às necessidades reais dos estudantes em tempo real, não apenas baseado em dados históricos.
·       A interação com os alunos, que envolve escuta, afeto, presença, humor, empatia — aquilo que só um ser humano pode oferecer a outro.
·       A avaliação com interação, que se dá no olhar trocado, na conversa depois da prova, na escuta atenta à dúvida tímida, no reconhecimento das emoções por trás do desempenho.
Esses aspectos são o coração pulsante do trabalho docente. A IA pode sugerir, mas nunca decidir por nós. Pode organizar, mas nunca educar sozinha. Pode gerar conteúdo, mas não ensinar com sentido.
Educadores do futuro, ao olharem para os recursos extraordinários à sua disposição, por favor, não se esqueçam do calor da sala de aula, do brilho nos olhos de quem aprende, da paciência de quem ensina, da alegria de uma descoberta feita em conjunto. Sejam guardiões da experiência humana na educação.
Que a IA sirva à educação. Nunca o contrário.
Com esperança e responsabilidade,
Educadores do Brasil, 2025

Criatividade para além dos algoritmos – Indicação de links e referências interessantes para refletir

No dia 27 de maio de 2025, tive a oportunidade de dinamizar um Flash Course sobre criatividade e IA pelo CIP – o Centro de Inovação Pedagógica do Politécnico do Porto, em Portugal. Aqui estão alguns dos materiais que inspiraram a minha apresentação. Ao final, o grupo presente foi convidado a escrever uma carta coletiva para a humanidade a ser lida daqui a 200 anos, e para isso utilizamos também IA generativa – mas não para substituir as experiências e características humanas refletidas nas cartas, pois essas são insubstituíveis! As cartas podem ser lidas aqui neste link.

https://www.oii.ox.ac.uk/news-events/reports/ai-the-arts

https://www.oxford-aiethics.ox.ac.uk/ai-threat-human-creativity

https://lojahucitec.com.br/produto/algoritmosfera-a-cognicao-humana-e-a-inteligencia-artificial-camila-de-paoli-leporace/

Se você quer ser criativo, preste atenção ao que os artistas sentem

Nos últimos dias, a Open AI, do Chat GPT, lançou um gerador de imagens que permite copiar o estilo de animações japonesas. Mais precisamente, ilustrações que lembram (MUITO, talvez DEMAIS) o estilo das animações do Studio Ghibli — responsável pelos filmes ‘A Viagem de Chihiro’ e ‘O Menino e a Garça’.
O que Hayao Miyazaki, cofundador do Studio Ghibli, disse sobre isso? Nada especificamente sobre o GPT. Mas, em 2016, em um vídeo daquilo que parece ser uma reunião dele com artistas em seu estúdio, teve uma reação amarga diante de uma demonstração de animação feita com IA, e fez um comentário contundente aos artistas (?) quando disseram que “queriam criar uma máquina que desenhasse como humanos”. Quanto à IA gen – sempre sob o risco de ser a chata que aponta os problemas – não vou me furtar a dizer que não, não se trata de homenagear o artista, nem de fazer graça com a sua arte, mas de ganhar dinheiro em cima da criação de outra(s) pessoa(s). Pior: com animações “baratas”. Sim, porque Miyakaki desenha suas cenas uma a uma, à mão.
Por que isso importa
Porque, para a condição de ser HUMANO, não é apenas o resultado que importa, mas o processo. Você gosta de ver erros de gravações? Assiste a peças? Shows ao vivo? Uma pintura, um desenho, para chegar até você passou também por “erros de gravação”. “Encenações”. São os esboços, as tentativas e erros, as telas pintadas sobre telas que ficam nas camadas do desenho e a gente não vê, mas estão lá. E, se não estivessem, não seria esse desenho que você veria, mas um outro. E se ele fosse desenhado de novo, seria outro.


A voz da sua cantora preferida também foi aperfeiçoada com o próprio esforço e trabalho dela. O escritor ou escritora que mexe com a gente aprimorou seu estilo a vida toda. Não tem segredo nem mágica, tem suor e dedicação. O novo sempre vem, como diria Belchior, mas só vem se houver suor e dedicação. Se não, é repetição barata de padrões. IA não cria nada. Não se engane
A cognição humana é capaz de criar porque vive da tentativa e erro. Em contato com os mais diversos ambientes, pessoas, cenários, vamos nos esboçando. Vamos aprendendo, tentando, acertando e errando – e o processo importa. Seja para quem escreve, para quem pinta, canta, toca, trabalha com qualquer coisa. O processo importa também quando lemos, ouvimos música, apreciamos poesia. Ninguém criou uma maneira de colocarmos uma biblioteca em nossas cabeças e acessarmos as informações desses livros quando precisamos, não é? Sim, porque o processo importa. Você lê, e aquilo fica em você – sendo que a mente vai selecionar o que você vai guardar na memória de acordo com a experiência que aquilo te despertou. Cuidado com o que você considera ser arte, mas não é. Uma sociedade sem arte dá espaço para o vazio, e nesse vazio se fertiliza a política mais macabra.

Referências | Ciência & Experiência

Projeto Better Images of AI

CANAVILHAS, J. Produção automática de texto jornalístico com IA: contributo para uma história. Textual & Visual Media, 17(1), 22-40, 2023. https://doi.org/10.56418/txt.17.1.2023.2.

CHANDLER, D.L. Can science writing be automated? A neural network can read scientific papers and render a plain-English summary. MIT News, 17 de abril de 2019. Disponível em: https://news.mit.edu/2019/can-science-writing-be-automated-ai-0418. Acesso em: 5 de agosto de 2023

CHECCO, A. et al. AI-assisted peer review. Humanities & Social Sciences Communications, v. 8, p. 1–11, 2021. https://doi.org/10.1057/s41599-020-00703-8.

CHUBB, J.; ÇETIN, R. B. We need better AI imagery for better science communication. LSE Impact Blog. 25 de julho de 2022. Disponível em: https://blogs.lse.ac.uk/impactofsocialsciences/2022/07/25/we-need-better-ai-imagery-for-better-science-communication/. Acesso em: 2 de Agosto de 2023

CONCEIÇÃO, V. A. S. e CHAGAS, A. M. O pesquisador e a divulgação científica em contexto de cibercultura e inteligência artificial. Acta Educ. [online], Maringá, v. 42, e52879, 2020.   Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-52012020000100117&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 de julho de 2023.

GUZMAN, A. L.; LEWIS, S. C. Artificial intelligence and communication: A Human- Machine Communication research agenda. New media & Society, v. 22, n. I, p. 70–86, 2020. https://doi.org/10.1177/1461444819858691.

HILDEBRAND, C. The Machine Age of Marketing: How Artificial Intelligence Changes the Way People Think, Act, and Decide. NIM Marketing Intelligence Review. v. 11. p. 10-17, 2019. https://doi.org/10.2478/nimmir-2019-0010.

KRENN, M. et al. On scientific understanding with artificial intelligence. Nat Rev Phys 4, 761–769, 2022. https://doi.org/10.1038/s42254-022-00518-3.

MARKS, R. J. Non-Computable You – What You Do That Artificial Intelligence Never Will. Seattle: Discovery Institute Press, 2022.

SALVAGNO, M.; TACCONE, F. S.; GERLI, A. G. Can artificial intelligence help for scientific writing? Critical Care, v. 27, n. 75, 2023. https://doi.org/10.1186/s13054-023-04380-2.

Está querendo sair das redes sociais?

Essa sua dúvida é porque você está incomodado ou incomodada com as últimas notícias. Suspensão das regulações? Redes sociais desgovernadas? As coisas não estão fáceis naquela que nomeei algoritmosfera – o grande espaço algorítmico no qual todos nós estamos inseridos (que dá nome ao meu livro, veja aqui).

Estar preocupado é um bom começo. Mas a má notícia é que, independente da decisão que você tomar, sair de uma rede social não vai fazer cessar o imenso problema que temos nas mãos. Sair de uma rede social vai ter um efeito semelhante a quando “bloqueamos” uma pessoa com quem não queremos mais falar. Brincadeiras à parte, o assunto é sério. Como eu pontuei em meu talk no TEDx, cada um precisa se envolver nessa discussão, cujo tópico principal é: como podemos ter uma internet melhor? Como as plataformas algorítmicas que formam a Web que temos hoje podem jogar a nosso favor, não contra nós?

Para isso, é fundamental ter consciência daquilo que está por trás da nossa grande rede, hoje. Uma pequena quantidade de empresas detêm os nossos dados e produzem os mecanismos que nos mantêm atrelados a esse incessante processo de fornecer dados. Fazer parte disso não é opcional: você não pode simplesmente se desconectar, deixar de usar a internet, deixar de divulgar suas coisas, fazer suas conexões. Vai deixar de ussar apps de bancos? vai deixar de usar apps para pedir comida e transporte? Vai deixar de usar softwares que já têm IA por trás e você nem sabia?

O que precisamos é de um espaço online mais saudável. Que esteja a favor do nosso desenvolvimento individual e enquanto sociedade. Não é sair dele, é lutar para que seja melhor. E claro, fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para ter uma melhor relação com a algoritmosfera. Isso inclui menos tempo de tela e menos tempo de redes, sim. Desintoxicar é preeciso. Mais natureza. Mais afeto e humanidade.

Mas tudo isso tendo a cosciência de que a IA, que entre outras tecnologias está por trás dos mecanismos da nossa internet, não é apenas uma ferramenta que usamos quando queremos e deixamos de lado quando acabamos de usar. Também não é uma ferramenta que veio para consertar alguma coisa que quebrou ou estava ruim. Não. A IA é um instrumento político, social e econômico, cujo alcance e cujas consequências possíveis ainda não estão 100% claros. Informar-se e estar aberto a rever concepções, e principalmente não fazer certas concessões é importante. Que concessões não se pode fazer? Abrir mão dos seus direitos, e dos direitos das nossas crianças. Liberdade não é liberdade quando impede o outro de ter a dele. É isso que está em jogo.

Deixo meu TEDx abaixo para quem quiser ver ou rever 😉

Comunicação de ciência e letramento digital precisam caminhar juntos

Camila Leporace

A comunicação de ciência só consegue avançar se associada ao letramento digital, especificamente o letramento em Inteligência Artificial. Por quê?

Porque comunicar ciência para a sociedade é informar, e as plataformas digitais algorítmicas contribuem muito para desinformar.

A realidade mostra-se diferente para cada indivíduo no ambiente digital. Os algoritmos moldam o conteúdo que vemos. As campanhas de desinformação muitas vezes têm como alvo usuários específicos, que podem ser mais vulneráveis. Como os usuários raramente estão cientes de como os sistemas digitais atuais funcionam, pensam que o que veem on-line é visto por outros usuários, universalmente. Uma grande distorção que abre espaço para a criação de realidades paralelas.

O microdirecionamento e a impressão digital de navegação, técnicas eficazes para direcionar a publicidade a consumidores específicos, são também úteis para a disseminação da desinformação. Embora a desinformação seja um problema antigo, as técnicas de IA abrem novas possibilidades para manipular indivíduos de forma eficaz e em escala, levantando várias preocupações éticas.

A autonomia dos usuários é ameaçada, pois eles não podem tomar decisões livremente no ambiente on-line, sem serem manipulados. Quando os algoritmos usam dados pessoais para “decidir” o que os usuários veem ou não, fechando muros em torno deles, isso é uma ameaça à privacidade e ao livre arbítrio (falo muito dessa ameaça à autonomia em meu livro, “Algoritmosfera” – expressão cunhada por mim na minha tese de doutorado).

Ameaças à autonomia dos usuários também significam ameaças à democracia. As câmaras de eco/echo chambers são ambientes nos quais os indivíduos encontram apenas crenças ou opiniões que coincidem com as suas. Nesse estado de “isolamento intelectual”, não há lugar para opiniões diversas ou diálogo. As mesmas opiniões, hábitos e pontos de vista são reforçados, reiteradamente.

Por isso são grandes os desafios digitais para a comunicação, especialmente naquela que diz respeito à ciência; e é com letramento digital que se fará melhor difusão científica no Brasil.

Minha tese foi premiada

No dia do aniversário de 84 anos da minha querida PUC-Rio recebi o prêmio dado pelo Centro de Teologia e Ciências Humanas à minha tese. O prêmio destaca uma tese de cada um dos departamentos do centro, do qual faz parte o Departamento de Educação.

Conhecendo tantos trabalhos incríveis feitos por colegas super competentes que estiveram comigo nessa caminhada, esse prêmio adquire um valor ainda maior. Aliás, eu devo muito – não apenas aos professores e, claro, ao meu orientador querido, Ralph Bannell – mas a todos os meus colegas incríveis que me incentivaram e me apoiam até hoje. Parabéns a todos nós que trabalhamos para melhorar a educação a cada ano, a cada semana e a cada dia!

O prêmio disponibiliza as teses premiadas na forma de ebooks. Essa edição laranjinha nas minhas mãos é uma impressão do ebook da minha tese, que pode ser conferido aqui.

Obrigada PUC-Rio, obrigada amigos que a PUC me deu e obrigada @edupucrio pelo reconhecimento. ✨⭐️

Mulheres de IA não falam, mas dizem muito

Todo dia eu pego o metrô e todo dia eu torço para dar tempo de pegar o vagão feminino (às vezes o trem está chegando quando eu desço as escadas e aí eu pego o que dá, na correria). Todo dia torço para que as ruas não estejam tão vazias nem tão mal iluminadas nem tão estranhas nem tão assustadoras nem com homens aleatórios esquisitos quando tenho que passar por elas. Tenho certeza que todas as mulheres que conheço torcem pelas mesmas coisas. Mas por que eu estou falando de vagão feminino e ruas vazias neste post para o qual escolhi a imagem de uma mulher sensual de cabelo rosa?

Essa mulher sensual de cabelo rosa é uma IA. Pois é, ela foi criada para ser uma influencer, porque algumas marcas estavam cansadas do “ego” das influencers reais. E o que isso tem a ver com o vagão feminino? Tem tudo a ver.
Acontece que a gente vive num mundo projetado para satisfazer as necessidades e os prazeres dos homens. E o vagão feminino só existe porque existem homens que acreditam que podem satisfazer suas necessidades com as mulheres que estão indo e vindo no metro. Quem não sabe, pesquisa.

Também as mulheres de IA só existem por isso. Ego dá trabalho, é chato, né? Mulher reclamona. Mulher que dá piti. Mulher que exige seus direitos. Ai, que saco – dizem os homens que acreditam que estamos aqui para saciá-lós. Eles preferem uma boneca inflável… ou uma IA. Bingo!

Este não é exatamente o texto de uma pesquisadora da IA, mas o texto de uma mulher cansada de ver as mulheres acuadas, tristes, nervosas e tentando caber onde definitivamente não cabem. Somos tão grandes. E temos crescido na medida em que alguns caras se reduzem mais e mais. Já repararam? Eles se reduzem até caber no que sempre mereceram: uma mulher que na verdade não existe.

Eu poderia achar ruim as mulheres de IA, e acho, principalmente porque tenho sempre em mente as meninas. Elas, que ainda nem menstruaram e já estão se perguntando por que são feias, quando são lindas. Elas, que se comparam com mulheres de peitos 44 e cintura 36 que nunca existiram. Elas, que sonham fazer plástica, sem saber que esse sonho não é delas. Elas, que cabem onde quiserem, podem sonhar com o que quiserem, e vestir PP ou XGG que podem realizá-los do mesmo jeito. Elas, essas meninas, são a minha principal preocupação enquanto mulher e educadora.

Para as mulheres mães e professoras dessas meninas eu gostaria de dizer o seguinte: deixem essa encheção de saco das mulheres de IA para os homens que gostam de ser enganados. Não gastem muito sua energia com isso. Deixem-nas para aqueles que nos querem caladas. Talvez isso reverbere de forma positiva para nós. Eles se ocupam de idolatrar as bonecas infláveis virtuais, enquanto nós nos ocupamos de ensinar as nossas meninas o valor da voz delas, o valor dos sonhos delas. Vamos combinar assim? Não vamos perder o foco. Alguns homens gostariam que perdêssemos. Assim ficaríamos todas deprimidas, gastando dinheiro com plástica na pele da vagina, no branco do nosso olho ou no buraco do nariz e, tudo isso, caladas. Não precisamos ser perfeitas para mudar o mundo, só precisamos SER. Nós existimos. Eu penso, eu luto, logo eu existo. Um salve às mulheres reais.

Ninguém sabe o que fazer

Crianças e adolescentes estão viciados em redes sociais e ninguém sabe o que fazer. Jovens estão modificando imagens com o uso de IA generativa (deepfakes) e ninguém sabe o que fazer. Outros sofrem essas novas formas de cyberbulling e ninguém sabe muito bem o que fazer. Outros jogam sem parar para comer, e mais uma vez não se sabe o que fazer. Percebo as famílias sobrecarregadas com essas preocupações. Os professores também.

Enquanto isso, as escolas têm a mesma cara que tinham há não sei quantos séculos. E se discute as razões pelas quais a escola “parou no tempo”.

Mas, olha, é tanto caroço nesse angu que fica até difícil começar a comentar.

Sinceramente – e não é achismo, falo a partir do meu lugar de pesquisadora da educação e também de quem trabalha há 21 anos com comunicação digital – me parece que a sala de aula ter a mesma cara que tinha há séculos não é o nosso principal problema. A escola pode ter a cara que for, mas ela precisa apoiar os jovens na sua formação para viver neste mundo, assim chamado digital. A preparação para viver nesse mundo nao é aprendida porque se tem acesso às mais brilhantes tecnologias, mas porque se tem CONVERSA franca, ESCUTA ativa, DIÁLOGO, acolhimento, orientação.

Claro, uma sala de aula equipada, com tecnologias como ar condicionado, boas mesas e cadeiras de qualidade, e tecnologias digitais como computadores, tablets, livros etc, é maravilhosa para a educação. Mas ela é maravilhosa porque a aprendizagem depende dela para acontecer? Não é bem isso. Claro, uma sala em condições degradantes dificulta o aprendizado. Mas, uma sala de aula bem equipada tecnologicamente é maravilhosa não porque “a escola tem que estar antenada”, mas porque faz com que os alunos tenham perspectiva. Enxerguem o FUTURO. Tenham horizonte. Sintam que PODEM realizar sonhos, ter uma carreira, ser um profissional na área que imaginam. Autoestima, autonomia, a sensação de que pode realizar algo bacana: isso tira o jovem do círculo vicioso das redes sociais – que degradam, matam a autoestima, geram inúmeros transtornos mentais.

Então, precisamos muito de tecnologias educacionais, mas precisamos, e muito, e já, de educação PARA o digital. É preciso parar de ver os jovens como “nativos digitais que já nasceram sabendo mexer” em tecnologias. Podem até ser bons usuários desses dispositivos, sim, sendo apresentados a eles tão cedo. Mas não nasceram sabendo sobre o mundo. Isso se aprende pela experiência. Pela formação. De caráter, de postura, de atitude.

Nem a escola sozinha, nem os pais sozinhos, nem os sistemas de regulamentação da IA sozinhos, nem institutos, ONGs, organizações sozinhas vão conseguir resolver os problemas que advêm da relação humana com as tecnologias. Isso é um esforço conjunto frente a questões para as quais ninguém tem resposta, ainda.

Mas, tem algo que pode ser feito já, e que não depende de ninguém além de você mesmo: aceitar que existe um problema e se envolver com ele. Procurar saber. Acordar. Vamos juntos.