‘Relacionamentos’ com chatbots?

Mark Zuckerberg, CEO da Meta (META), tem feito declarações em que insinua que o futuro das interações humanas será moldado pela inteligência artificial. Para ele, as pessoas terão amigos na forma de chatbots, que também farão o papel de terapeutas. Ele diz que isso se torna realidade na medida em que “a IA começar a conhecer você mais e mais”.

Dei algumas declarações sobre o assunto para uma matéria que saiu na Gama Revista – leia aqui.

Há tantos problemas na fala dele. Vou tentar explicar alguns sob o ponto de vista da pesquisa em cognição.

Mas, afinal, o que o Sr. Meta sabe sobre conexões reais?

Um modelo de IA não realmente “conhece” ninguém. Conhecemo-nos uns aos outros por meio de nossas interações sociais (reais!), que são construídas a partir da empatia, de ajustes finos contínuos entre os indivíduos, de diálogos em que se molda ao outro, e só se pode conhecer o outro quando se é capaz de perceber a si mesmo. A IA não tem essa capacidade de percepção, não pode realmente perceber o outro e criar uma real conexão com ele. O que ela pode fazer é coletar dados dos usuários e com isso parecer que os conhece. Hoje, ela coleta dados de todos os usuários, e por meio de estatística oferece conteúdo para quem tenta conversar, e por mais que a pessoa se sinta contemplada em suas questões pessoais aquilo é apenas um resultado estatístico das questões pessoais de muitas pessoas.

Redes sociais nada sociais…

Outro ponto essencial é o seguinte: as redes sociais tornaram-se antissociais. As pessoas têm centenas de amigos, entre muitas aspas, no Facebook; afinal, desses, quem são verdadeiros amigos, que aparecem quando precisamos deles? Provavelmente o Sr. Meta sabe que temos na verdade cerca de dois, três amigos, que é o que ele cita na entrevista, complementando que as pessoas querem ter mais amigos, mas, então ele sabe que a rede social que ele criou é na verdade antissocial? Porque ele sabe que ali não há laços reais, mas se são centenas de amigos, como não se pode contar com mais de dois? E por que as pessoas querem então mais amigos? E são os chatbots que vão fazer esse papel?

Plataformas

E quando ele fala que as pessoas se sentem sozinhas, e que as conexões reais fazem falta, ele não pontua em nenhum momento, não reconhece em nenhum momento que ele faz parte da criação de um universo, que chamei no meu livro de “algoritmosfera”, que é um universo que contribui para esse isolamento.

Rolar o feed é uma eterna disputa pela nossa atenção que tira a nossa atenção a nós mesmos. Estamos desconectados de nós mesmos.

Mas seria possível e seria inteligente resolver esse problema da desconexão real, na era das hiper conexões digitais, com IA? Esta é uma boa questão. Com base na minha pesquisa, sobre cognição e IA, em que me aprofundei bastante na questão daquilo que é uma interação real – o que caracteriza uma interação social? O que a diferencia de uma interação com robôs? – Posso dizer que somos seres sociais por natureza, desde antes de nascermos, e nossa cognição em pleno funcionamento simplesmente não existe sem a sua dimensão social. Então, se o celular é parte da mente e todos sentem quando estão longe dele, o outro também é parte constitutiva de nós, e se o outro está ausente é uma parte de nós que não está presente, de certo modo.

(Des)conexão

Mas também é importante lembrar do que a Sherry Turkle coloca; ela é psicóloga, trabalha no MIT, fundadora da Iniciativa do MIT sobre Tecnologia e Self, que é o seguinte: conectar-se consigo mesmo é uma camada essencial para conseguir conectar-se com o outro. E as distrações programadas que encontramos online, especialmente nas plataformas de redes sociais, são elementos dentre aqueles que mais desviam as pessoas da capacidade de se conectarem consigo mesmas. Nessas plataformas, a cada segundo se dirige a atenção do usuário para outra coisa, já que elas são uma arena de disputa por essa atenção – é a chamada economia da atenção; mas as pessoas ficam na verdade sem atenção nenhuma, pois cada hora é um conteúdo chamando, é uma interrupção.

As mensagens, o eterno rolar do feed, prendem as pessoas – porque são feitos para isso mesmo – e, enquanto estão ali, ávidas pela próxima dose de dopamina, elas ficam adormecidas, entorpecidas por aquele processo. A atenção na verdade se esvai. E com isso as pessoas desaprendem a viver sem essas eternas iscas da sua atenção, e não sabem mais viver no tédio – que faz parte, ou deveria fazer parte, das nossas vidas. No tédio florescem momentos que levam ao autoconhecimento, à conexão consigo mesmo, e no tédio se constrói a noção também de que, por mais que sejamos seres sociais, somos também seres individuados, seres que têm a sua identidade, e assim temos a capacidade de perceber que sermos seres sociais não significa que tenhamos que ter companhia de outros o tempo todo, e nem diversão e distrações o tempo todo.  A capacidade de compreender a si mesmo é o que leva cada um a ter um propósito, a conseguir traçar um caminho para si, enxergar um futuro a partir do tempo presente, e quem tem isso se motiva, se mantém motivado, e pode evitar o caminho da depressão.

Então, é claro que a conexão com outros também apoia esse processo, mas, antes de tudo, as redes ditas sociais online desconectam as pessoas de próprias, elas perdem a atenção em si mesmas, e sua identidade passa a ser moldada de uma maneira muito dura por algo que não é humano e que está ali, em volta delas, dizendo o que devem sentir, se são feias ou bonitas, se estão à altura de algo ou de alguém, o que elas devem acreditar que é sucesso, tudo que as distancia de realmente compreenderem o que pode ser bom ou mau para elas mesmas.

O primeiro chatbot

Outro ponto interessante é: Zuckerberg pontua que o campo da terapia com agentes de IA é muito novo, não sei o que ele quer dizer com isso, se o primeiro chatbot de que se tem notícia era uma terapeuta entre muitas aspas e se chamava ELIZA. Claro, ele está se referindo ao campo os chatbots com IA generativa, isso pode ser novo. Ele quer dizer que a tecnologia ainda pode avançar tanto, que não podemos dizer que esses terapeutas virtuais não vão evoluir tanto a ponto de não serem realmente bons.

Mas, diante desse cenário de aparentes incertezas, temos uma certeza: a empatia está ligada ao fato de sermos seres vivos; somos parte da natureza, somos animais, temos a vida e estamos conectados uns aos outros porque temos vida. Tal qual uma célula, até por temos trilhões delas em nosso corpo, vivemos em trocas de energia constantes com o nosso meio, e são essa trocas que nos permitem um equilíbrio. Como podemos viver em equilíbrio com um meio que é hostil a nós? Se torna hostil quando não há uma preocupação da indústria da tecnologia, dos chatbots de nos manter informados acerca daquilo que acontece com as interações que temos com esses sistemas, os nossos dados coletados, nós não sabemos o que acontece; hostil também porque há a sugestão de que devemos resolver os nossos problemas de desconexão – causados até certo grau pela tecnologia – com a própria tecnologia que os criou ou que alimenta esses problemas.

Não tem sentido pensar que a tecnologia, na medida em que evolui, vai ser capaz de conexão, se conexão é empatia  e é sociabilidade e isso só tem realmente entre seres vivos. É também sem sentido falar em substituição disso. Aliás, o Sr. Meta fala que não se trata de substituir, que a conexão real e física é melhor, mas então por que depois ele diz que a IA ainda vai evoluir muito? Está implícita no discurso ele a intenção de evolui-la ate o ponto em que possa sim substituir as relações humanas, ate porque não há transparência, então pode ser que num dado momento uma pessoa não saiba se interage com um terapeuta humano ou com uma IA. Isso em certa medida já acontece.

O poder humano na algoritmosfera

Esse é o mundo construído por empresas que produzem tecnologia sem se preocupar com o humano e com a natureza. Como somos nós que alimentamos as máquinas desse mundo com nossos dados, temos também o poder de desativá-las. Mas precisamos, para isso, voltar a acreditar na nossa capacidade de viver bem sem ter uma mensagem pulando a cada minuto. Sem necessariamente ter companhia para tudo, até numa fila (“companhia”= celular na mão rolando o feed…).

A contemplação, o tédio, a vida real, a conexão consigo mesmo, podem não parecer, porque não são imediatos, mas são os caminhos para uma vida social que começa consigo mesmo e que é muito frutífera. Se ela não garante que não se tenha depressão ou outros problemas psicológicos – claro, poque há vários fatores que os geram – ao menos conectar-se consigo mesmo nos devolve à posição de autônomos, de seres capazes de liderar suas escolhas. 

E afinal talvez o Sr. Meta saiba, sim, algo sobre conexões reais. Afinal, enquanto tanta gente opta pela superexposição nas redes sociais, quando é o Sr. Zuck a postar fotos das filhas no Instagram, ele protege os rostos das crianças. Isso talvez nos diga algo sobre como devemos reconsiderar as nossas demonstrações de afeto nas redes sociais. Afinal, superexposição, cuidado e conexão real não combinam muito.

O trabalho docente e a inteligência artificial: entrelaçamentos possíveis e desafios latentes

Sugestões de links sobre o tema:

Interview with Neil Selwyn

When the prompting stops: exploring teachers’ work around the educational frailties of generative AI tools

The Political Economy of Datafication and Platformization: Digital Transformation in Higher Education

Referencial teórico da pesquisa

BANNELL, R. I. Uma faca de dois gumes/A double-edge sword. In: FERREIRA, Giselle M. S.; ROSADO, Luiz A. S.; CARVALHO, Jaciara S. (Org.) Educação e Tecnologia: abordagens críticas. Rio de Janeiro: SESES – Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá, 2017, p. 17-82.

BARBOSA, R. P.  e ALVES,  N. A Reforma do Ensino Médio e a Plataformização da Educação: expansão da privatização e padronização dos processos pedagógicos. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 21, p. 1-26, 2023

BOALER, J. Seeing is Achieving: the Importance of Fingers, Touch, and Visual Thinking to Mathematics Learners. In: Macrine, S. L. e Fugate J. M. B. (Edit.) Movement Matters – How Embodied Cognition Informs Teaching and Learning, pp. 121-130.

CELIK, I., MUUKKONEN, H. e JÄRVELÄ, S. The Promises and Challenges of Artificial Intelligence for Teachers: a Systematic Review of Research. TechTrends, v. 66:616–630, 2022.

HOLMES, W.; BIALIK, M.; FADEL, C. Artificial Intelligence in Education – Promises and Implications for Teaching and Learning. Boston: The Center for Curriculum Redesign, 2019.

KREMER, Bianca; NUNES, Pablo; LIMA, Thallita G. L. Racismo algorítmico [livro eletrônico]. Rio de Janeiro: CESeC, 2023. (Coleção Panorama). Disponível em:  https://www.academia.edu/114040800/Racismo_Algor%C3%ADtmico. Acesso em: 2 de março de 2025.

LEPORACE, C. Algoritmosfera – A cognição humana e a inteligência artificial. São Paulo: Hucitec, e Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2024.

OLIVEIRA, N.N. F. B. When home office is a privilege of servitude: towards a morphology of digital labor at the new artificial intelligence industry. Revista Eptic, v. 26, n.2, mai.-ago 2024.

SELWYN, N. The Social life of AI in Education. International Journal of Artificial Intelligence in Education. 34:97–104, 2024.

SELWYN, N. Should Robots Replace Teachers? AI and the future of education.

WILLIAMSON, B.; EYNON, R. Historical threads, missing links, and future directions in AI in education. Learning, Media and Technology, 45:3, 223- 235, 2020. DOI: 10.1080/17439884.2020.1798995

IA no ensino superior

Indicações de links e referências

Universidade de Aarhus sobre o uso de chatbots

Open Letter: Stop the Uncritical Adoption of AI Technologies in Academia (acadêmicos da Holanda)

Universidade Lusófona – Despacho conjunto no. 76 / 2023 https://www.ulusofona.pt/noticias/integridade-academica-uso-de-instrumentos-de-inteligencia-artificial

O papel da IA generativa na universidade – Faculdade de Engenharia Universidade do Porto

Artigos de Andy Clark sobre mentes estendidas e IA generativa – https://www.nature.com/articles/s41467-025-59906-9

https://link.springer.com/article/10.1007/s11229-025-05046-y

IA e criatividade – https://hbr.org/2023/07/how-generative-ai-can-augment-human-creativit

https://www.newyorker.com/magazine/2025/07/07/the-end-of-the-english-paper

More work for teacher? The ironies of GenAI as a labour-saving technology

Casos professores – Neil Selwyn

https://www.newyorker.com/magazine/2025/07/07/the-end-of-the-english-paper

Entrevista com Neil Selwyn – https://seer.ufrgs.br/index.php/rbpae/article/view/142046/95996

Digital Degrowth: Exploring Sustainable Technological Futures in Education (University of Denmark)

Ethical guidelines on the use of artificial intelligence and data in teaching and learning for educators

https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/news/commission-launches-ai-tools-online-platform-researchers-and-industry

IA na Farmácia

https://www.linkedin.com/pulse/ferramentas-de-ia-usadas-para-predi%C3%A7%C3%A3o-novas-e-nascimento-neto-u06ne

https://agencia.fapesp.br/testes-em-animais-sao-reduzidos-com-novos-ensaios-in-vitro-e-simulacoes/20928

https://www.qualitor.com.br/blog/interna/impactos-da-inteligencia-artificial-na-industria-farmaceutica-uma-analise

Cientistas usam inteligência artificial para triar possíveis novos fármacos contra malária

PESQUISA – CAMILA LEPORACE

https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/107249/1/Tese_Camila%20Leporace_FINAL.PDF

Manifesto dos professores do século XXI para os professores do século XXII

Esta carta fez parte de uma atividade interativa que propus em meio a uma formação ministrada a professores da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. Pedi que eles me dissessem quais as atividades em que acreditam que a IA pode ajudá-los, e quais as atividades nas quais eles jamais gostariam de ver a IA os substituindo. Depois, preparei um prompt ao Chat GPT pedindo que gerasse uma carta a educadores que viverão daqui a 100 anos, assinada pelos educadores de hoje, e que incluísse na carta as considerações feitas pelos professores acerca das atividades com e sem IA. Este é o resultado:

Carta aos Educadores do Futuro – Um Manifesto Sobre a Essência Humana na Era da Inteligência Artificial


Queridos colegas do século XXII,
Escrevemos a vocês, educadores do ano de 2125, do tempo em que a Inteligência Artificial começou a transformar profundamente nossas rotinas pedagógicas. Somos professores que testemunharam o surgimento e a expansão dessas tecnologias nas escolas. Por isso, queremos registrar nossa experiência, nosso olhar, nossas esperanças e alertas – como um manifesto que preserve o essencial da humanidade na educação.
A Inteligência Artificial, para nós, tem se mostrado uma aliada poderosa. Ela nos ajuda em diversas tarefas do dia a dia que antes consumiam muito tempo e energia. A IA pode – e deve – auxiliar no:
·       Planejamento das aulas, otimizando recursos e sugerindo estratégias,
·       Cumprimento de tarefas burocráticas, reduzindo a carga administrativa,
·       Apresentação de sugestões criativas baseadas em dados e evidências,
·       Acesso e cruzamento de informações para pesquisa,
·       Organização de conteúdo e propostas curriculares a partir da BNCC,
·       Criação de exemplos, elaboração de SDs e de diferentes metodologias,
·       Apoio na organização do tempo e das atividades,
·       Formulação de avaliações baseadas em critérios objetivos,
·       Relacionamento entre planejamento, avaliação e conteúdo, de forma integrada,
·       Auxílio em disciplinas como o Português, com propostas de escrita, revisão e análise textual.
Essas são áreas em que a IA pode — e já tem — melhorado a eficiência e ampliado nossas possibilidades como educadores.
No entanto, queremos deixar um registro claro e firme sobre o que jamais poderá ser substituído por algoritmos, por mais avançados que sejam. A IA é uma ferramenta. A educação é um encontro — e isso permanece exclusivamente humano.
A IA nunca deve substituir:
·       A avaliação humana que reconhece nuances, trajetórias, contextos e esforços que não cabem em métricas.
·       O planejamento sensível que se adapta às necessidades reais dos estudantes em tempo real, não apenas baseado em dados históricos.
·       A interação com os alunos, que envolve escuta, afeto, presença, humor, empatia — aquilo que só um ser humano pode oferecer a outro.
·       A avaliação com interação, que se dá no olhar trocado, na conversa depois da prova, na escuta atenta à dúvida tímida, no reconhecimento das emoções por trás do desempenho.
Esses aspectos são o coração pulsante do trabalho docente. A IA pode sugerir, mas nunca decidir por nós. Pode organizar, mas nunca educar sozinha. Pode gerar conteúdo, mas não ensinar com sentido.
Educadores do futuro, ao olharem para os recursos extraordinários à sua disposição, por favor, não se esqueçam do calor da sala de aula, do brilho nos olhos de quem aprende, da paciência de quem ensina, da alegria de uma descoberta feita em conjunto. Sejam guardiões da experiência humana na educação.
Que a IA sirva à educação. Nunca o contrário.
Com esperança e responsabilidade,
Educadores do Brasil, 2025

Cartas para a humanidade ler em 200 anos

CARTA 1

Carta para o Futuro da Humanidade
Escrita no planeta Terra, ano de 2025

Queridas e queridos habitantes do futuro,

Se esta mensagem atravessou dois séculos até vocês, é porque acreditamos profundamente que há algo em nós — humanos — que vale a pena preservar, proteger e celebrar.

Vivemos num tempo de profundas transformações. A inteligência artificial floresce e nos encanta com suas capacidades. Mas, entre algoritmos e dados, sabemos que há valores e experiências que nenhuma máquina poderá substituir.

Somos um grupo de pessoas que, em meio ao avanço da tecnologia, decidiu dedicar sua atenção àquilo que nos torna humanos — e que não pode, jamais, ser esquecido.

Preservem a empatia, essa rara habilidade de se colocar no lugar do outro. Valorizem o amor, não só o romântico, mas aquele que acolhe, cuida, perdoa e insiste. A amizade verdadeira, os abraços apertados, a curiosidade sem fim.

Guardem com carinho a capacidade de sentir saudade, de se comover com um pôr-do-sol, com uma canção, com um filme, com o cheiro da relva fresca, com o riso de uma criança, com o silêncio de uma despedida.

Respeitem a finitude da vida. E, por isso, vivam com sentido. Que o pensamento crítico, a ética, a criatividade e a capacidade de errar e aprender sigam pulsando em vocês como parte do que significa viver.

Não deixem morrer:

  • A emoção de beijar alguém pela primeira vez.
  • O susto bom de reencontrar quem se ama depois de um tempo.
  • A alegria de criar algo novo com as próprias mãos.
  • A paixão pela arte, pela dança, pela música, pelas histórias.
  • A coragem de chorar de tristeza ou de alegria, e de não esconder isso.
  • O poder de rir com amigos, de sentir nostalgia ao ouvir uma canção antiga.
  • O impulso de partilhar comida com quem precisa.
  • A ternura de cuidar de um animal, de uma criança, de um estranho.
  • A experiência transformadora de ouvir e ser ouvido.
  • O valor das conversas sob as estrelas, dos silêncios compartilhados, da saudade inexplicável.

Carreguem adiante a memória dos nossos erros e aprendizados. Da mãe que acolhe mesmo depois do tombo. Do professor que mudou uma vida com uma aula divertida. Do primeiro livro lido com esforço e encanto. Do amigo que partiu cedo demais. Do filho que nasceu e renovou o sentido da existência.

Lembrem-se: não somos perfeitos. Somos contraditórios, hesitantes, emocionais. Mas é justamente aí que reside nossa força.

Preservem isso. Honrem isso. Humanidade é isso.

Com ternura e esperança,
Nós, os guardiões da humanidade no tempo da virada.
Pesquisadoras e Pesquisadores do ano de 2025

CARTA 2

Prezados habitantes do futuro,

Nós, pesquisadores do passado distante – o vosso ano 2025 –, escrevemos-lhes com um misto de esperança e uma pontinha de inquietação. A Inteligência Artificial (IA) é, para nós, uma promessa deslumbrante, mas também um desafio. Vemos um futuro onde a IA pode transcender muitas das nossas limitações, mas tememos que, na busca por uma eficiência perfeita, as características que nos tornam intrinsecamente humanos se percam.

É por isso que esta carta é um lembrete, um apelo para que, daqui a 200 anos, vocês valorizem e preservem o que é verdadeiramente humano.

Onde a Essência Humana Reside


Acreditamos que a riqueza da humanidade reside na nossa vulnerabilidade e na nossa finitude. Sim, estas que podem parecer fraquezas, são na verdade as sementes da nossa compaixão, compreensão, tolerância e, acima de tudo, do amor. Lembrem-se que amar é um ato de entrega, de aceitação da imperfeição. É sentir saudade daqueles que se foram, como a dor de um amigo que partiu cedo demais, ou a ausência de um pai que nos ensinou a viver sem ele. É a emoção que nos inunda ao ver uma obra de arte que só conhecíamos em livros, ou a alegria de um abraço que nos faz sentir acolhidos quando mudamos de cidade.

Nós, humanos, somos feitos de emoção e sentimento. São as experiências pessoais que nos moldam, como a primeira vez que andamos de bicicleta, o cheiro da relva cortada de fresco, ou a conversa pela noite fora sob um manto de estrelas. É a expressão dessas emoções, seja chorar de alegria ou tristeza, rir junto com os amigos, ou o poder do toque que nos conecta uns aos outros. As nossas idiossincrasias e contradições, as nossas hesitações, até mesmo os nossos erros e defeitos, são o que nos tornam únicos e reais. A paixão e o medo coexistem em nós, impulsionando-nos e protegendo-nos.

A Força das Conexões Humanas


Cultivem a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro. Lembrem-se de momentos como partilhar comida com alguém sem abrigo, ou a sensação de deslumbramento ao descobrir que é possível ter um minuto de beleza todos os dias. A lealdade, amizade e solidariedade são os pilares das nossas sociedades. É a preocupação genuína com o próximo, o cuidado com alguém que precisa, o sentido do amor que nos impulsiona a sermos melhores. A afabilidade e a tolerância são virtudes que constroem pontes, não muros.

Nós aprendemos e crescemos com as nossas falhas, como quando percebemos que os erros podem ser os maiores mestres. A vida nos ensina que nem tudo sai como queremos, e às vezes, os desafios são maiores do que imaginamos, como perder um jogo de basquete fácil. A resiliência humana reside na nossa capacidade de superar, de nos adaptar e de nos reinventarmos.

A Mente Humana: Criatividade e Pensamento Crítico


Valorizem a curiosidade, aquela que nos faz ler o primeiro livro sozinhos, que nos leva a querer conhecer mais sobre o mar, ou a viajar e aprender sobre novas culturas. A criatividade é a nossa capacidade de criar coisas novas, de dançar, de pintar, de nos maravilhar com o despertar da personalidade dos filhos. O pensamento crítico é essencial para a nossa evolução, a nossa capacidade de julgar, analisar e marcar diferenças, de ter uma opinião e pensar criticamente sobre o mundo. É a nossa cognição que nos permite raciocinar, mas é o afeto que nos dá propósito.

Que vocês nunca percam a capacidade de apreciar os outros, de sentir paixão pela vida, de ter sinceridade e honestidade nas vossas interações. Lembrem-se do quão importante é o compromisso e a partilha, o saber escutar e o dialogar.

Que vocês, no futuro, continuem a encontrar alegria em pequenas coisas, a rir alto com os amigos, a chorar de emoção com um filme. Que continuem a sentir ciúmes, porque até isso é um reflexo do nosso apego.

Não se esqueçam que a vida é um presente, e a saúde um privilégio. A maior das nossas memórias, seja uma viagem de infância a Évora ou o nascimento de um filho, é sempre acompanhada por uma trilha sonora de sentimentos.

Nós confiamos em vocês. Que a empatia, a solidariedade, o amor e a vulnerabilidade continuem a ser a vossa bússola.

Com esperança e fé na humanidade,

Os Pesquisadores do Ano 2025.

Criatividade para além dos algoritmos – Indicação de links e referências interessantes para refletir

No dia 27 de maio de 2025, tive a oportunidade de dinamizar um Flash Course sobre criatividade e IA pelo CIP – o Centro de Inovação Pedagógica do Politécnico do Porto, em Portugal. Aqui estão alguns dos materiais que inspiraram a minha apresentação. Ao final, o grupo presente foi convidado a escrever uma carta coletiva para a humanidade a ser lida daqui a 200 anos, e para isso utilizamos também IA generativa – mas não para substituir as experiências e características humanas refletidas nas cartas, pois essas são insubstituíveis! As cartas podem ser lidas aqui neste link.

https://www.oii.ox.ac.uk/news-events/reports/ai-the-arts

https://www.oxford-aiethics.ox.ac.uk/ai-threat-human-creativity

https://lojahucitec.com.br/produto/algoritmosfera-a-cognicao-humana-e-a-inteligencia-artificial-camila-de-paoli-leporace/

Se você quer ser criativo, preste atenção ao que os artistas sentem

Nos últimos dias, a Open AI, do Chat GPT, lançou um gerador de imagens que permite copiar o estilo de animações japonesas. Mais precisamente, ilustrações que lembram (MUITO, talvez DEMAIS) o estilo das animações do Studio Ghibli — responsável pelos filmes ‘A Viagem de Chihiro’ e ‘O Menino e a Garça’.
O que Hayao Miyazaki, cofundador do Studio Ghibli, disse sobre isso? Nada especificamente sobre o GPT. Mas, em 2016, em um vídeo daquilo que parece ser uma reunião dele com artistas em seu estúdio, teve uma reação amarga diante de uma demonstração de animação feita com IA, e fez um comentário contundente aos artistas (?) quando disseram que “queriam criar uma máquina que desenhasse como humanos”. Quanto à IA gen – sempre sob o risco de ser a chata que aponta os problemas – não vou me furtar a dizer que não, não se trata de homenagear o artista, nem de fazer graça com a sua arte, mas de ganhar dinheiro em cima da criação de outra(s) pessoa(s). Pior: com animações “baratas”. Sim, porque Miyakaki desenha suas cenas uma a uma, à mão.
Por que isso importa
Porque, para a condição de ser HUMANO, não é apenas o resultado que importa, mas o processo. Você gosta de ver erros de gravações? Assiste a peças? Shows ao vivo? Uma pintura, um desenho, para chegar até você passou também por “erros de gravação”. “Encenações”. São os esboços, as tentativas e erros, as telas pintadas sobre telas que ficam nas camadas do desenho e a gente não vê, mas estão lá. E, se não estivessem, não seria esse desenho que você veria, mas um outro. E se ele fosse desenhado de novo, seria outro.


A voz da sua cantora preferida também foi aperfeiçoada com o próprio esforço e trabalho dela. O escritor ou escritora que mexe com a gente aprimorou seu estilo a vida toda. Não tem segredo nem mágica, tem suor e dedicação. O novo sempre vem, como diria Belchior, mas só vem se houver suor e dedicação. Se não, é repetição barata de padrões. IA não cria nada. Não se engane
A cognição humana é capaz de criar porque vive da tentativa e erro. Em contato com os mais diversos ambientes, pessoas, cenários, vamos nos esboçando. Vamos aprendendo, tentando, acertando e errando – e o processo importa. Seja para quem escreve, para quem pinta, canta, toca, trabalha com qualquer coisa. O processo importa também quando lemos, ouvimos música, apreciamos poesia. Ninguém criou uma maneira de colocarmos uma biblioteca em nossas cabeças e acessarmos as informações desses livros quando precisamos, não é? Sim, porque o processo importa. Você lê, e aquilo fica em você – sendo que a mente vai selecionar o que você vai guardar na memória de acordo com a experiência que aquilo te despertou. Cuidado com o que você considera ser arte, mas não é. Uma sociedade sem arte dá espaço para o vazio, e nesse vazio se fertiliza a política mais macabra.

Referências – ENATIVISMO, AUTONOMIA E IA NA EDUCAÇÃO, PUC-Rio, 25 de março de 2025

Imagens utilizadas na apresentação, disponíveis no site do projeto Better Images of AI:

Hanna Barakat & Cambridge Diversity Fund / Better Images of AI / Shadow Work– Decrypting Bletchley Park’s Codebreakers / CC-BY 4.0

Hanna Barakat & Cambridge Diversity Fund / Better Images of AI / Turning Threads of Cognition / CC-BY 4.0

Shady Sharify / Better Images of AI / Who is AI Made Of / CC-BY 4.0

Referências Bibliográficas:

BANNELL, R. I. Uma faca de dois gumes/A double-edge sword. In: FERREIRA, Giselle M. S.; ROSADO, Luiz A. S.; CARVALHO, Jaciara S. (Org.) Educação e Tecnologia: abordagens críticas. Rio de Janeiro: SESES – Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá, 2017, p. 17-82.

BARBOSA, R. P.  e ALVES,  N. A Reforma do Ensino Médio e a Plataformização da Educação: expansão da privatização e padronização dos processos pedagógicos. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 21, p. 1-26, 2023

BOALER, J. Seeing is Achieving: the Importance of Fingers, Touch, and Visual Thinking to Mathematics Learners. In: Macrine, S. L. e Fugate J. M. B. (Edit.) Movement Matters – How Embodied Cognition Informs Teaching and Learning, pp. 121-130.

CELIK, I., MUUKKONEN, H. e JÄRVELÄ, S. The Promises and Challenges of Artificial Intelligence for Teachers: a Systematic Review of Research. TechTrends, v. 66:616–630, 2022.

DI PAOLO, E.; ROHDE, M.; DE JAEGHER, H. Horizons for the Enactive Mind: Values, Social Interaction, and Play. In: Enaction – Towards a New Paradigm in Cognitive Science. STEWART, J.; GAPENNE, O; DI PAOLO, E. London: The MIT Press, 2010.

_________. A Concepção Enativa da Vida. In: BANNELL, R. I.; MIZRAHI, M.; FERREIRA, G. (Orgs.) (Des)educando a educação: Mentes, Materialidades e Metáforas. Tradução de Camila De Paoli Leporace. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2021.

HOLMES, W.; BIALIK, M.; FADEL, C. Artificial Intelligence in Education – Promises and Implications for Teaching and Learning. Boston: The Center for Curriculum Redesign, 2019.

KREMER, Bianca; NUNES, Pablo; LIMA, Thallita G. L. Racismo algorítmico [livro eletrônico]. Rio de Janeiro: CESeC, 2023. (Coleção Panorama). Disponível em:  https://www.academia.edu/114040800/Racismo_Algor%C3%ADtmico. Acesso em: 2 de março de 2025.

LEPORACE, C. Algoritmosfera – A cognição humana e a inteligência artificial. São Paulo: Hucitec, e Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2024.

OLIVEIRA, N.N. F. B. When home office is a privilege of servitude: towards a morphology of digital labor at the new artificial intelligence industry. Revista Eptic, v. 26, n.2, mai.-ago 2024.

SELWYN, N. The Social life of AI in Education. International Journal of Artificial Intelligence in Education. 34:97–104, 2024.

Referências | Ciência & Experiência

Projeto Better Images of AI

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