Se você quer ser criativo, preste atenção ao que os artistas sentem

Nos últimos dias, a Open AI, do Chat GPT, lançou um gerador de imagens que permite copiar o estilo de animações japonesas. Mais precisamente, ilustrações que lembram (MUITO, talvez DEMAIS) o estilo das animações do Studio Ghibli — responsável pelos filmes ‘A Viagem de Chihiro’ e ‘O Menino e a Garça’.
O que Hayao Miyazaki, cofundador do Studio Ghibli, disse sobre isso? Nada especificamente sobre o GPT. Mas, em 2016, em um vídeo daquilo que parece ser uma reunião dele com artistas em seu estúdio, teve uma reação amarga diante de uma demonstração de animação feita com IA, e fez um comentário contundente aos artistas (?) quando disseram que “queriam criar uma máquina que desenhasse como humanos”. Quanto à IA gen – sempre sob o risco de ser a chata que aponta os problemas – não vou me furtar a dizer que não, não se trata de homenagear o artista, nem de fazer graça com a sua arte, mas de ganhar dinheiro em cima da criação de outra(s) pessoa(s). Pior: com animações “baratas”. Sim, porque Miyakaki desenha suas cenas uma a uma, à mão.
Por que isso importa
Porque, para a condição de ser HUMANO, não é apenas o resultado que importa, mas o processo. Você gosta de ver erros de gravações? Assiste a peças? Shows ao vivo? Uma pintura, um desenho, para chegar até você passou também por “erros de gravação”. “Encenações”. São os esboços, as tentativas e erros, as telas pintadas sobre telas que ficam nas camadas do desenho e a gente não vê, mas estão lá. E, se não estivessem, não seria esse desenho que você veria, mas um outro. E se ele fosse desenhado de novo, seria outro.


A voz da sua cantora preferida também foi aperfeiçoada com o próprio esforço e trabalho dela. O escritor ou escritora que mexe com a gente aprimorou seu estilo a vida toda. Não tem segredo nem mágica, tem suor e dedicação. O novo sempre vem, como diria Belchior, mas só vem se houver suor e dedicação. Se não, é repetição barata de padrões. IA não cria nada. Não se engane
A cognição humana é capaz de criar porque vive da tentativa e erro. Em contato com os mais diversos ambientes, pessoas, cenários, vamos nos esboçando. Vamos aprendendo, tentando, acertando e errando – e o processo importa. Seja para quem escreve, para quem pinta, canta, toca, trabalha com qualquer coisa. O processo importa também quando lemos, ouvimos música, apreciamos poesia. Ninguém criou uma maneira de colocarmos uma biblioteca em nossas cabeças e acessarmos as informações desses livros quando precisamos, não é? Sim, porque o processo importa. Você lê, e aquilo fica em você – sendo que a mente vai selecionar o que você vai guardar na memória de acordo com a experiência que aquilo te despertou. Cuidado com o que você considera ser arte, mas não é. Uma sociedade sem arte dá espaço para o vazio, e nesse vazio se fertiliza a política mais macabra.

Referências | Ciência & Experiência

CANAVILHAS, J. Produção automática de texto jornalístico com IA: contributo para uma história. Textual & Visual Media, 17(1), 22-40, 2023. https://doi.org/10.56418/txt.17.1.2023.2.

CHANDLER, D.L. Can science writing be automated? A neural network can read scientific papers and render a plain-English summary. MIT News, 17 de abril de 2019. Disponível em: https://news.mit.edu/2019/can-science-writing-be-automated-ai-0418. Acesso em: 5 de agosto de 2023

CHECCO, A. et al. AI-assisted peer review. Humanities & Social Sciences Communications, v. 8, p. 1–11, 2021. https://doi.org/10.1057/s41599-020-00703-8.

CHUBB, J.; ÇETIN, R. B. We need better AI imagery for better science communication. LSE Impact Blog. 25 de julho de 2022. Disponível em: https://blogs.lse.ac.uk/impactofsocialsciences/2022/07/25/we-need-better-ai-imagery-for-better-science-communication/. Acesso em: 2 de Agosto de 2023

CONCEIÇÃO, V. A. S. e CHAGAS, A. M. O pesquisador e a divulgação científica em contexto de cibercultura e inteligência artificial. Acta Educ. [online], Maringá, v. 42, e52879, 2020.   Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-52012020000100117&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 de julho de 2023.

GUZMAN, A. L.; LEWIS, S. C. Artificial intelligence and communication: A Human- Machine Communication research agenda. New media & Society, v. 22, n. I, p. 70–86, 2020. https://doi.org/10.1177/1461444819858691.

HILDEBRAND, C. The Machine Age of Marketing: How Artificial Intelligence Changes the Way People Think, Act, and Decide. NIM Marketing Intelligence Review. v. 11. p. 10-17, 2019. https://doi.org/10.2478/nimmir-2019-0010.

KRENN, M. et al. On scientific understanding with artificial intelligence. Nat Rev Phys 4, 761–769, 2022. https://doi.org/10.1038/s42254-022-00518-3.

MARKS, R. J. Non-Computable You – What You Do That Artificial Intelligence Never Will. Seattle: Discovery Institute Press, 2022.

SALVAGNO, M.; TACCONE, F. S.; GERLI, A. G. Can artificial intelligence help for scientific writing? Critical Care, v. 27, n. 75, 2023. https://doi.org/10.1186/s13054-023-04380-2.

Comunicação de ciência e letramento digital precisam caminhar juntos

Camila Leporace

A comunicação de ciência só consegue avançar se associada ao letramento digital, especificamente o letramento em Inteligência Artificial. Por quê?

Porque comunicar ciência para a sociedade é informar, e as plataformas digitais algorítmicas contribuem muito para desinformar.

A realidade mostra-se diferente para cada indivíduo no ambiente digital. Os algoritmos moldam o conteúdo que vemos. As campanhas de desinformação muitas vezes têm como alvo usuários específicos, que podem ser mais vulneráveis. Como os usuários raramente estão cientes de como os sistemas digitais atuais funcionam, pensam que o que veem on-line é visto por outros usuários, universalmente. Uma grande distorção que abre espaço para a criação de realidades paralelas.

O microdirecionamento e a impressão digital de navegação, técnicas eficazes para direcionar a publicidade a consumidores específicos, são também úteis para a disseminação da desinformação. Embora a desinformação seja um problema antigo, as técnicas de IA abrem novas possibilidades para manipular indivíduos de forma eficaz e em escala, levantando várias preocupações éticas.

A autonomia dos usuários é ameaçada, pois eles não podem tomar decisões livremente no ambiente on-line, sem serem manipulados. Quando os algoritmos usam dados pessoais para “decidir” o que os usuários veem ou não, fechando muros em torno deles, isso é uma ameaça à privacidade e ao livre arbítrio (falo muito dessa ameaça à autonomia em meu livro, “Algoritmosfera” – expressão cunhada por mim na minha tese de doutorado).

Ameaças à autonomia dos usuários também significam ameaças à democracia. As câmaras de eco/echo chambers são ambientes nos quais os indivíduos encontram apenas crenças ou opiniões que coincidem com as suas. Nesse estado de “isolamento intelectual”, não há lugar para opiniões diversas ou diálogo. As mesmas opiniões, hábitos e pontos de vista são reforçados, reiteradamente.

Por isso são grandes os desafios digitais para a comunicação, especialmente naquela que diz respeito à ciência; e é com letramento digital que se fará melhor difusão científica no Brasil.

Centro de Ciência Viva de Bragança, Portugal

Os centros de Ciência Viva em Portugal formam uma rede que conecta empresas, escolas, universidades, politécnicos e unidades de investigação localizados na região em que cada centro se encontra. São 22 centros, no total, e infos sobre eles podem ser consultadas em https://lnkd.in/dQSG2YFt.

No dia 3 de maio eu ministrei uma oficina sobre comunicação de ciência usando a Web que aconteceu na Casa da Seda, em Bragança, região nordeste de Portugal. O local é parte do Centro de Ciência Viva de Bragança, onde aconteceu a edição deste ano do SciComPt.

A facilitadora Camila Leporace com a turma participante do workshop sobre comunicação de ciência usando a Web em Bragança, Portugal, maio de 2023

Na Casa da Seda, pode-se compreender o ciclo de vida do bicho-da-seda e conhecer a indústria de produção artesanal da seda, que teve grande importância para a economia local em outros tempos.

No outro pavilhão do Centro de Ciência Viva da cidade, pode-se interagir com diversas temática da ciência por meio de games, quebra-cabeças, dispositivos de realidade virtual, exposições itinerantes e outras atrações. O lugar é incrível, e vale demais a visita, especialmente para despertar nas crianças o interesse pela ciência.

Serviço:

Centro de Ciência Viva de Bragança, norte de Portugal

Terça a Sexta – 10h-18h
Sábados, Domingos, Feriados – 11h-19h
Encerrado à Segunda
(Última admissão meia hora antes do encerramento)
O Centro encerra ao público nos dias 1 de Janeiro, 24, 25 e 31 de Dezembro.

https://braganca.cienciaviva.pt/

Comunicação de Ciência usando a Web

Seleção de vídeos e links interessantes sobre comunicação de ciência; material complementar ao workshop de comunicação de ciência ministrado em Bragança, Portugal (3/maio/2023).

Veja aqui a apresentação

VÍDEOS

Como explicar ciência de acordo com o seu público-alvo?
Uma caneca nunca é a mesma para todos… o óbvio pode não ser óbvio 😉
Pense no design thinking como estratégia para a sua comunicação científica
Exemplo de storytelling surpreendente

TEXTOS/links em geral

Uso do design thinking e da Teoria Cognitiva da Aprendizagem
Multimídia na criação de recurso educacional aberto para falar
de tuberculose na infância

REDE DE CENTROS CIÊNCIA VIVA – Portugal

Você sabe o que são blogs e como eles surgiram? Descubra agora!

Webwriting: 25 Dicas de Escrita pra Web

TEXTO WEB É COMO AS CAMADAS DA CEBOLA

Software para fazer mapas mentais

An Excellent Beginner’s Guide to Information Architecture

Guia completo para tamanhos em redes sociais 2023

TREINAMENTO ‘WEBWRITING: TEORIA E PRÁTICA DA INFORMAÇÃO PARA A MÍDIA DIGITAL’

APRENDA DE UMA VEZ POR TODAS COMO FAZER MAPAS MENTAIS

Storytelling: the soul of science communication (Journal of Science Communication)

LIVROS

Here Comes Everybody: How Change Happens when People Come Together

The Longer Long Tail: How Endless Choice is Creating Unlimited Demand

WEBWRITING: REDAÇÃO & INFORMAÇÃO PARA A WEB

CURSOS online

Storytelling for Science Communication

Powerpoint for Scientist: Guides for Presentation and Design

Way to Design a Scientific Illustration

The Softer Side of Science Communication

Mapas conceituais para aprender e colaborar

Ministra do MCTI de Lula fala sobre as urgências da ciência no Brasil

Em entrevista à FAPESP, Luciana Santos, ministra do MCTI, fala sobre as urgências da ciência no Brasil, que vinha respirando por aparelhos e finalmente começa a assumir ares renovados.

Diante dos aumentos nas bolsas*, anunciados esta semana, destaco um aspecto da fala dela. Não basta aumentar os valores para que acompanhem a inflação e fiquem num patamar mínimo aceitável. Há questões mais abrangentes, estruturais e estratégicas, que precisam acompanhar as mudanças para que a ciência tome o porte que pode e que deve tomar num país como o Brasil.

“Nossas universidades reúnem o que há de excelência no ensino, na pesquisa, na extensão. Me parece que um vértice da questão é uma ausência de um projeto nacional de desenvolvimento. Se houver um projeto arrojado, baseado no uso da inteligência brasileira, as pessoas serão atraídas. É preciso emular, ostentar, mostrar o quanto a ciência é transformadora, o quanto isso é belo e revigorante, para que as pessoas tenham orgulho de ser cientistas”, disse a ministra – ver link abaixo.

*Ainda sobre o aumento dos valores das bolsas, para quem não sabe, elas exigem dedicação exclusiva, sem férias e sem os direitos trabalhistas integrais. Por isso, por mais que seja excelente a notícia da correção dos valores, há essas questões a serem corrigidas).

Onde estão as mulheres na tecnologia?

Dia 11 de fevereiro é o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência

Neste Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para ressaltar a participação feminina na comunidade científica, trago esta pergunta: onde estão as mulheres na tecnologia?

Imagem: https://unsplash.com/pt-br/@cdc

Em sua conferência TED, Zoe Philpott lança luz à primeira programadora de computadores do mundo, Ada Lovelace. Ela escreveu seu primeiro programa complexo em 1843. E sabem o que aconteceu com ela? Foi cancelada. Isso mesmo! Em vez de consagrada, Lovelace foi cancelada, basicamente porque sua mãe se separou do pai, que era o controverso poeta Lord Byron. Pois é.

Ao nome de Ada Lovelace na história da programação se soma o de Grace Hopper, responsável por introduzir as palavras no mundo da programação. A importância disso? Não era mais necessário ser matemático para trabalhar com programação. Isso mudou tudo.

Aproveito para deixar um incentivo especialmente às mulheres que queiram ser programadoras: a plataforma Potência Tech, do iFood, está oferecendo cursos rápidos e bolsas para cursos completos em programação. Eu produzi alguns dos cursos que estão na plataforma, incluindo esse que conta um pouco da história do universo da programação – passando, é claro, por Ada Lovelace.

Para acessar esse curso e o conteúdo completo da plataforma, basta clicar neste link e fazer um cadastro super rápido e gratuito, se ainda não tiver feito. Aproveitem para indicar a amigos e amigas. 

https://lnkd.in/dFsZhmPF

Notas sobre filosofia e ciência (2): o estudo da experiência a partir da primeira pessoa

Este post foi escrito a partir do artigo An Introduction to the Enactive Scientific Study of Experience (Moguillansky, Demsar & Riegler, 2021) e dos livros The Embodied Mind (Varela, Thompson e Rosch, 2016) e Mind in Life (Thompson, 2007).

A ciência é feita a partir da observação. Entende-se que aquilo que se observa está no mundo como algo alheio ao observador; algo separado dele. O problema com isso é que estamos inseridos no próprio mundo que desejamos desvendar por meio da ciência. Então, o estudo da experiência humana deveria ser foco da atenção da ciência…

Apesar disso, demorou para que fosse lançada essa luz sobre a observação da experiência em si. A ciência ocidental negligenciou a experiência a partir da primeira pessoa para privilegiar a perspectiva da terceira pessoa. O conhecimento sob a perspectiva da primeira pessoa, por sua vez, tem sido considerado pouco confiável ou sujeito a desvios.

De todo modo, isso tem mudado: a visão tradicional que coloca o objeto de estudo de um lado e o observador de outro, gerando um abismo quando se trata justamente de compreender a experiência humana, tem sido desafiada junto com uma visão crítica, emergente, que reconhece o papel do observador e de sua experiência corporificada (isto é, levando em conta o seu corpo como um todo, e de várias maneiras – a partir de uma concepção de cognição corporificada e situada) para a geração de conhecimento.

Existe um programa de pesquisa chamado NEUROFENOMENOLOGIA, proposto por Francisco Varela (1996), que trata justamente de desenvolver uma ciência para o estudo da consciência. A proposta valoriza a experiência vivida, convocando um diálogo entre as abordagens tradicionais, fundamentadas na terceira pessoa, e a investigação a partir da perspectiva da primeira pessoa. Métodos e procedimentos específicos para esse tipo de pesquisa têm sido desenvolvidos. Ainda não está consolidada a maneira de aproximar as perspectivas da primeira e da terceira pessoa, mas isso está sendo encaminhado e tem sido objeto de debate no campo da ciência cognitiva.

Aliás, como ressaltam os autores do artigo An Introduction to the Enactive Scientific Study of Experience (Moguillansky, Demsar & Riegler, 2021), o estudo da cognição humana é marcado por um paradoxo: o ser humano e a maneira como obtemos conhecimento do mundo torna-se o próprio objeto de estudo de… seres humanos tentando conhecer melhor o mundo; leia-se os cientistas cognitivos, filósofos, psicólogos e afins. Isto é, se a ciência empreende esforços para investigar fenômenos, produzindo explicações e descrições desses fenômenos, a ciência cognitiva tem como principal fenômeno de investigação a cognição em si.

Historicamente, temos aplicado regras para estudar a realidade – regras que compõem metodologias científicas desenvolvidas para estudar objetos desatachados de seus observadores, e que remetem a Descartes, filósofo racionalista que procurou criar um método para chegar à verdade científica. Descartes via a realidade como algo separado de nós; para compreendermos essa realidade, deveríamos separá-la em pedacinhos menores, mais simples, para depois evoluir para algo mais complexo que juntasse esses pedaços (assim ele compreendia a nossa apreensão da realidade; uma concepção que vinha da física, tal como estava se desenvolvendo na época dele, no século XVII). Bem, Descartes veio antes da fenomenologia, que viria propor justamente o estudo da experiência, partindo do todo, não de partes constitutivas do todo.

E hoje não temos apenas um método, como já mencionei.

O problema é que se passaram séculos e continuamos tratando a realidade como algo separado de nós mesmos. Então, a proposta de investigar a partir da primeira pessoa é uma proposta para tentar ajustar isso.

Os autores do artigo explicam que é necessário desenvolver “uma concepção não objetivista da ciência que torne impossível pensar na ciência como uma ferramenta para lançar luz sobre as coisas em si. Em vez disso, o entendimento enativo da ciência sugere que devemos considerar a atividade científica como a extração sistemática e cada vez mais sofisticada de regras da nossa própria experiência vivida. Como tal, a ciência não apenas é falível e propensa a erros, mas também inextricavelmente conectada a nós”.*

Isso, por si só, já é uma reorientação do olhar. Pois caminhamos de uma apreensão das coisas como elas são, aplicando regras pré-fabricadas sobre objetos “alheios” a nós, para uma mudança conceitual e postural, que consiste em tentar colher das próprias coisas que observamos as regras para observá-las. Um dos principais pontos dessa mudança é que, ao reportar experiências, isto é, falar sobre elas, as pessoas tendem a reproduzir crenças sobre como essas experiências acontecem, sobre si mesmas, sobre o mundo, em vez de se ater à experiência vivida, em si. É uma questão do que é/o que existe versus o que é descrito/estudado; de novo a ontologia e epistemologia; como quando passamos por uma situação de pânico e depois contamos sobre a situação a alguém. O que sentimos é uma coisa, o que contamos é outra (que pode conter muito da primeira, mas pode passar por várias releituras e racionalizações quando já estamos “fora” daquela ação).

Ainda segundo o artigo que menciono aqui, os primeiros estudos com métodos bem definidos, no contexto neurofenomenológico, foram conduzidos pela pesquisadora Claire Petitmengin e trataram do surgimento da intuição. Eles deram origem ao que hoje se denomina entrevista microfenomenológica. A ideia é “auxiliar o entrevistado a selecionar uma experiência singular, precisamente situada no espaço e no tempo, ‘evocando’ essa experiência e descrevendo-a. A descrição geralmente visa elucidar tanto a dimensão síncrona quanto a diacrônica de uma dada experiência. A primeira se refere à configuração de diferentes aspectos da ‘paisagem’ experiencial em um determinado momento, e a última a como essa paisagem experiencial se desdobrou ao longo do tempo. Auxiliar o entrevistado a fornecer esta descrição implica em afrouxar sua absorção no conteúdo (o “o que”) da experiência, fazendo perguntas específicas que permitem a articulação de seu modo de doação (o “como”), bem como fazer o entrevistado concentrar-se na experiência vivida sempre que se desviar dela para descrever generalizações, explicações, crenças ou julgamentos”.

Mesmo após algumas leituras, claro, ainda tenho várias questões sobre como a entrevista microfenomenológica é conduzida, as dificuldades que envolve etc. Algumas delas com certeza serão elucidadas junto a uma das autoras do artigo, Dra. Camila Moguillansky, que estará com o grupo de pesquisa GEPFE, de Filosofia da Educação, de que participo na PUC-Rio. Compartilho mais depois.

*Traduções feitas por mim, do inglês

Imagem do post: Icons8 Team @ Unsplash

Notas sobre filosofia e ciência

Inspiradas especialmente (mas não somente) pela leitura de “Maturana e a Educação”, de Nize Pellanda, Editora Autêntica, 2009

“Quando o conjunto de teorias disponíveis numa época não dão mais conta de novos objetos da ciência, começam a emergir outras teorias que vão configurar um novo paradigma científico. Nesse conjunto, há sempre um grupo de pressupostos básicos e conceitos fundamentais que vai fazer o papel de urdidura de uma rede orgânica e coerente que é o paradigma”, diz Nize Pellanda, à página 13 do livro Maturana e a Educação (Ed. Autêntica, 2009). A autora esclarece que se refere, aqui, ao conceito de paradigma tal como concebido por Thomas Kuhn.

Essa explicação para o surgimento de novas teorias é simples: se precisamos estudar certos objetos, fenômenos, acontecimentos que fogem às teorias que temos disponíveis para compreendê-los, estamos precisando de… novas teorias. Apesar de simples, esse raciocínio esconde alguns aspectos, digamos, espinhosos no campo da pesquisa.

Por exemplo, a tentativa de “encaixar” novos objetos de pesquisa em velhos paradigmas ou o hábito de seguir analisando fenômenos científicos a partir de premissas que eventualmente já foram superadas ou precisam ser revistas/remodeladas. Sim, mesmo sem que se perceba, isso muitas vezes acontece. E a importância da pesquisa teórica passa por aí: a necessidade de conhecer a teoria para que ela sirva para a empiria de modo a abrir caminho para novas descobertas. Afinal, ao mudar os fundamentos, mudamos o que é construído sobre esses fundamentos. Lembrando que mudar os fundamentos não é jogar fora tudo que se sabe até dado momento para começar a construir tudo de novo, do zero, mas saber agregar o que é novo ao que se provou ser válido no “velho”.

Também na pesquisa ainda se observa, por vezes, uma certa insistência em fazer perguntas esperando uma determinada resposta (em vez de estar verdadeiramente aberto aos resultados que podem surgir). O pesquisador precisa topar o desafio de não saber bem onde chegará. Faz parte do show. Afinal, o caminho será construído durante a própria investigação que ele vai fazer; então, como saber o que será encontrado no ponto final? Claro, é preciso ter perguntas que impulsionem esse caminho e um método que sirva como guia; ter parâmetros, ter prazos, tudo isso é essencial; também é natural ter expectativas sobre as descobertas que serão feitas, e levantar hipóteses é mais do que recomendado; mas, sem uma real abertura ao novo, a pesquisa perde o sentido.

Ainda no citado livro sobre Humberto Maturana, um conhecido neurobiólogo chileno, a autora afirma que têm surgido objetos cada vez mais complexos no trabalho científico e que esses objetos desafiam as formas tradicionais de pesquisa. É difícil falar da importância da obra de Maturana sem mencionar esse fato, porque a proposta teórica desse autor emerge justamente do seu trabalho como cientista, que o leva a concluir que o mundo não é fragmentado e não é uma realidade à parte; o investigador faz parte dessa realidade, a constitui.

O neurobiólogo é um dos pensadores do chamado paradigma da complexidade – o qual supera a realidade concebida de maneira “linear, fragmentada como se fosse uma coleção de coisas e estável”, sendo o sujeito que estuda essa realidade sempre externo a ela (página 14 do livro Maturana e a Educação). Se não somos sujeitos externos à realidade que observamos e que desejamos investigar, somos parte dessa realidade; desse modo, nota-se que epistemologia e ontologia não se separam. Isto é, “observar faz parte não somente da geração do fenômeno a explicar, como também da própria ontologia de cada observador” (página 26 do livro Maturana e a Educação).

Estou levantando muitas questões para um post só, eu sei. É que o objetivo deste post é, justamente, fazer anotações para depois juntar tudo de alguma maneira num texto mais coerente (ou não). O processo de pesquisa também passa por isto, especialmente o processo de uma pesquisa teórica.

Neste caso aqui, ficam algumas questões importantes para possíveis discussões futuras:

  • A impossível dissociação entre sujeito observador e realidade observada torna impossível a “neutralidade” na pesquisa?
  • O que seria essa almejada “neutralidade” e qual seria a importância dela, se houver?
  • Por que não se pode separar ciência e filosofia, teoria e prática, humano e natureza, mente e corpo, epistemologia e ontologia?

E muitas outras perguntas mais.

Imagem do post: Photo by Moritz Kindler on Unsplash

Um robô para apoiar crianças autistas

O autismo afeta a forma como uma pessoa se comunica, compreende e se relaciona com outras. Pessoas com autismo frequentemente têm dificuldade de usar e entender linguagem não verbal. Com isso em mente, surgiu o projeto DE-ENIGMA, que foca em desenvolver as capacidades de reconhecer e de expressar emoções em crianças com autismo.

(Mais em http://de-enigma.eu/)

O neurocientista António Damásio defende que sentimentos e emoções são diferentes; segundo o pesquisador, as emoções são externas, são aquilo que se lê nas outras pessoas, enquanto os sentimentos são internos. Não há, portanto, consciência sem sentimentos, nem sentimentos sem consciência. E um robô, então, poderia simular emoções, mas nunca teria sentimentos.