A Mente Estendida: Esboços do Mundo

Este post é um complemento à aula que dei no XI Curso de Verão do INCOg/PUC-Rio sobre a Tese da Mente Estendida. Coloquei aqui os links, imagens, vídeos e inspirações que usei na apresentação, para que ficassem disponíveis para quem deseja saber mais.

A aula está disponível no vídeo a seguir.

O que vemos quando olhamos para uma obra de arte, um quadro, uma pintura, é o resultado de muitas tentativas e erros, trabalhos e retrabalhos. Esboços. Rascunhos. E, mesmo depois dos rascunhos, a obra de arte em si é constituída a partir de muitas camadas.

A tese da mente estendida desenvolvida por Andy Clark nos convida a ter essa perspectiva da mente e da cognição humana, como se estivéssemos sempre fazendo um processo de tentativa e erro para entender o mundo e as coisas que acontecem com a gente e em torno de nós. A abordagem nos leva a entender a formação da mente humana em camadas, que vamos adicionando na medida em que experimentamos as mais diversas atividades de estar no mundo e de conhecer o meio.

Abaixo há uma série de referências e vídeos para quem deseja saber mais sobre a tese e descobrir como a atividade mental humana é mais ativa, fluida e imaginativa do que talvez pudéssemos conceber:

  1. No livro DESEDUCANDO A EDUCAÇÃO: MENTES, MATERIALIDADES E METÁFORAS, lançado por um grupo de professores do Departamento de Educação da PUC-Rio (prof. Ralph Bannell, Mylene Mizrahi e Giselle Ferreira) em 2021, há um capítulo que se chama Para além do cérebro nu. Trata-se da tradução do capítulo 8 do livro Mindware, de Andy Clark. Este capítulo é fundamental para compreender mais sobre as ideias que apresentei no Curso de Verão do INCOg (em breve posto o vídeo da apresentação aqui);
O livro pode ser baixado gratuitamente no site da
Editora PUC-Rio
http://www.editora.puc-rio.br/

2. A artista que aparece pintando, e cujas imagens usei para ilustrar a questão das camadas na pintura, é canadense e se chama Lori Mirabelli. Assista a este vídeo completo dela e ouça as explicações sobre as camadas; mesmo para quem nao é artista, é o maior barato acompanhá-la mostrando esse processo interessantíssimo:

3. O livro cuja capa aparece no quarto slide é o “Oxford Handbook of 4E Cognition”, editado por Albert Newen, Leon De Bruin e Shaun Gallagher; saiba mais sobre a publicação aqui.

The Oxford Handbook of 4E Cognition

4. O livro em que Andy Clark aprofunda a questão das previsões cerebrais e como elas se acomodam com sua teoria da mente estendida se chama Surfing Uncertainty – Prediction, Action and the Embodied Mind e você pode saber mais sobre ele aqui.

5. Abaixo está o vídeo completo sobre as previsões cerebrais, cujos trechos apresentei na minha aula. O vídeo é ótimo, o único inconveniente é que não tem legendas em português (e nem mesmo em inglês). Mas vale a pena assistir – e você pode usar o recurso de abrir a transcrição do vídeo e depois traduzi-la num tradutor online, se precisar. A aula do vídeo é dada por Anil Kumar Seth, professor britânico de Neurociência Cognitiva e Computacional na Universidade de Sussex.

6. O desenho de Otto e Inga, reproduzido abaixo, foi feito por Helen de Cruz, filósofa e artista, e faz parte de uma série de ilustrações que ela fez para tentar materializar visualmente experiências filosóficas. Esses desenhos incríveis podem ser vistos neste link aqui.

7. A imagem abaixo, que achei poderosa para ilustrar a ideia de andaimes introduzida por Clark para abordar as extensões da mente, está numa matéria da Scientific America apropriadamente intitulada How Room Designs Affect Your Work and Mood.

8. A imagem do post, lá em cima, e que abre a apresentação, eu achei aqui

9. A apresentação em Power Point está disponível aqui

10. Referências Bibliográficas da apresentação/aula:

CLARK, A.; CHALMERS, D. The extended mind. Analysis, 58 (1), p. 7-19, 1998.

CLARK, A. Para além do cérebro nu. In Bannell, R. I., Mizrahi, M., Martins dos Santos Ferreira, G. (Orgs.) (Des)educando a educação: Mentes, Materialidades e Metáforas. Tradução de Camila De Paoli Leporace. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2021.

CLARK, A. Being there: putting brain, body, and world together again. Cambridge, MA: MIT Press, 1998.

_________. Natural-Born Cyborgs. Minds, Technologies and the Future of Human Intelligence, New York: Oxford University Press, 2003.

_________. Supersizing the mind: embodiment, action, and cognitive extension. Oxford: Oxford University Press, 2011.

_________. A. Mindware. Cambridge: MIT Press, 2014.

DELLERMANN, D., EBELl, P., SÖLLNER, M., & LEIMEISTER, J. M. (2019). Hybrid Intelligence. Business and Information Systems Engineering, 61(5), 637–643. https://doi.org/10.1007/s12599-019-00595-2

GALLAHER, S. Philosophical Antecedents of Situated Cognition. In: ROBBINS, Philip, e AYDEDE, Murat. The Cambridge Handbook of Situated Cognition. Cambridge University Press, 2009.

NEWEN, A,; DE BRUIN, L.; GALLAGHER, S. The Oxford Handbook of 4Es Cognition. New York: Oxford University Press, 2018.

ROBBINS, P., e AYDEDE, M. The Cambridge Handbook of Situated Cognition. Cambridge University Press, 2009).

RUPERT, R. Cognitive Systems and the Extended Mind. New York: Oxford University Press, 2009.

SOEKADAR, S., CHANDLER, J., IENCA, M., & BUBLITZ, C. (2021). On The Verge of the Hybrid Mind. Morals & Machines, 1(1), 32–45. https://doi.org/10.5771/2747-5182-2021-1-32.

XI Curso de Verão em Neurociência Comportamental INCOg PUC-Rio / Fevereiro de 2022

Assim como nas edições anteriores, serão abordados diversos tópicos na área de Neurociência Comportamental com abordagem prática e metodologia hands on, promovendo, assim, aulas dinâmicas e acessíveis a interessados de todas as áreas do conhecimento.

Esta edição, excepcionalmente, acontecerá de forma virtual. A plataforma Zoom será o meio de transmissão. Haverá palestras e mesas-redondas de profissionais, pesquisadores, e professores de diferentes universidades do Brasil.

Esta é uma iniciativa do INCog – Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Neurociências e Cognição da PUC-Rio.

Inscrições: http://incog.com.br/xi-curso/100-xi-curso/138-incricoes

Programação: http://incog.com.br/xi-curso/100-xi-curso/137-programacao
Para mais informações: incog@puc-rio.br.

Interesting Conferences & Seminars

Symposium on The Mind-Technology Problem

October 21 & 22 2021

Organizers: Klaus Gärtner, Robert W. Clowes

Speakers: Catarina Dutilh Novaes, J. Adam Carter, Manuel Curado, Ron Chrisley, Steven Fuller, Vincent Müller, Paul Smart among others

We are living through a new phase in human development where much of everyday life – at least in the most technologically developed parts of the world – has come to depend upon our interaction with “smart” artefacts. Alongside this increasing adoption and ever-deepening reliance on intelligent machines, important changes have been taking place, often in the background, as to how we think of ourselves and how we conceptualize our relationship with technology. As we design, create and learn to live with a new order of artefacts which exhibit behavior that, were it to be carried out by human beings would be seen as intelligent, the ways in which we conceptualize intelligence, minds, reasoning and related notions such as self and agency are undergoing profound shifts. Indeed, it is possible to argue that the basic background assumptions informing, and the underlying conceptual scheme structuring our reasoning about minds has recently been transformed. This shift has changed the nature and quality of both our folk understanding of mind, our scientific psychology, and the philosophical problems that the interaction of these realms produce.
These new conceptualizations – sometimes implicit, sometimes explicit – about the nature of mind and its relationships to the artefacts we build has given rise to a new constellation of basic philosophical problems about the very nature of mind. This constellation we call, The Mind-Technology Problem. The mind-technology problem should be understood as the successor to the mind-body problem, engaging with the mind in a digital era. Distinctive questions include: What properties of mind may be enabled, transformed or extended by technology? What properties of mind may be diminished, outsourced or curtailed? Is human agency being primarily constrained or enabled by our encounter with 21st Century technology and especially by our interaction with AI? How might the nature of human agency, memory, knowledge, responsibility, and consciousness be changed through this interaction? These can all be viewed as problems of where our minds stop, and our artefacts begin. Deciding the limits of mind seem to recast the nature of the other philosophical problems around it.

Programa

21 de Outubro, Quinta-feira

09:30 – 10:00 Registration
10:00 – 10:20 Robert Clowes – Intro: Why the Mind Technology Problem? Why Now?
10:20 – 11:30 Steven Fuller – Humans 2.0 and tMTP (Final Title TBC)
11:30 – 11:50 COFFEE BREAK
11:50 – 13:00 Catarina Dutilh Novaes [online] – Attention and Trust in Online Argumention.
13:00 – 14:30 ALMOÇO
14.30 – 15:40 Manuel Curado – The Mind-Technology Problem in the Context of Evolutionary Psychology: The Challenge of on demand Mind Designs
15:40 – 16:00 COFFEE BREAK
16:00 – 17:10 Ron Chrisley – “I contain multitudes”: Can minds nest?

22 de Outubro, Sexta-feira

09:30 – 11:00 Vincent Müller – Epistemology, AI and Human Minds (Final Title TBC)
11:00 – 11:30 COFFEE BREAK
11:30 – 13:00 J. Adam Carter [online] – “Digital knowledge and the norms of AI delegation (or: leave it all to the machines?)” 
13:00 – 14:30 ALMOÇO
14:30 – 15:30 Steven Gouveia – Minds, Persons and the Mind-Uploading Hypothesis
15:30 – 16:00 COFFEE BREAK
16:00 – 17:00 Paul Smart [online] – Minding Society: Social Machines, Predictive Processing, and the Cognitive Incorporation of Humanity
17:00 – 17:30 Robert W. Clowes (chairing) – Closing discussion: The Future(s) of the tMTP

Informações
O simpósio será realizado em formato híbrido: presencialmente, no Anfiteatro da FCiências.ID, e online, via Zoom. A participação é gratúita, mas carece de incrição.

Inscrição
https://forms.gle/GvaUvvvQ9WsLLX3t9

Morada do Anfiteatro da FCiências.ID
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Edifício C1, Piso 3
Campo Grande, Lisboa

Contacto
robert.clowes@gmail.com e klga@gmx.de

After Disenchantment: Science, Education, and la Vita Activa

(Aula inaugural CES – Universidade de Coimbra / PRESENCIAL)

October 22 2021

Speaker: Sheila Jasanoff (Harvard University)


Since the early twentieth century, philosophers and sociologists of technology have bemoaned the power of science and technology to empty our world of meaning: through devices such as rationalization, standardization, massification, and routine. Humans are seen as subjugated to machineries of production, and deprived of voice and agency, so that innovation suffers and democracy itself is in deficit. I will argue to the contrary that the turn of the twentieth century brought enormous gains in our capacity to reflect on what it means to be citizens of scientific and technological societies. Drawing on concepts such as co-production, constitutionalism, and sociotechnical imaginaries, I will show how this rise in social reflexivity has equipped us to rethink the politics of science and technology. I will use illustrations from work in science and technology studies (STS) on environment, biotechnology, and AI to show how advances in theories of science and technology in society open up new vistas for social creativity and political action.

Sheila Jasanoff is Pforzheimer Professor of Science and Technology Studies at the John F. Kennedy School of Government at Harvard University. She is affiliated with the Department of the History of Science and Harvard Law School. Previously, she was Professor of Science Policy and Law at Cornell University and founding chair of Cornell’s Department of Science and Technology Studies. At Harvard, she founded and directs the Kennedy School’s Program on Science, Technology and Society (STS). In 2002, she founded the Science and Democracy Network, an international community of STS scholars dedicated to improving scholarly understanding of the relationships among science, technology, law, and political power.

Jasanoff has been a pioneer in building the field of Science and Technology studies (STS). Through her many administrative, pedagogical, and editorial roles, she has helped define the field for a generation of younger scholars in STS. Her works on law and science, risk management, the comparative politics of regulation, and science in environmental decisionmaking count as basic texts on those topics

Self-Consciousness and Social Interactions in Humans and Artificial Agents

October 26 2021

Speaker: Anna Ciaunica (CFCUL/GI2).

In this talk I will provide an overview of my previous work on the bodily roots of conscious experiences throughout the lifespan. I will then briefly look at alterations of self-awareness in depersonalisation, a condition that makes people feel detached from one’s self, body and the world. I will present some recent findings from our group regarding the relationship between depersonalisation and the bodily self. I will conclude by presenting my ongoing projects and experiments that will test these ideas empirically in humans and artificial agents.

Transmissão em direto via Zoom (password: 553547).

Cartaz do evento

4º CONGRESSO INTERNACIONAL DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE FILOSOFIA

Nesta sexta dia 10 vou apresentar ideias relacionadas a minha pesquisa no 4º CONGRESSO INTERNACIONAL DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE FILOSOFIA, promovido pela Universidade do Minho. O evento começa na 5a feira, dia 9. O programa completo está neste link.

Doutorado em Filosofia no exterior: como fazer?

Um tema frequente entre estudantes e pesquisadores interessados em fazer mestrado e doutorado é a possibilidade de realizar a pós-graduação no exterior. O que é preciso para fazer um mestrado ou doutorado fora? Quais os fatores que essa decisão envolve? Como planejar esse grande passo? O que fazer primeiro? Como se comportar nas entrevistas? O que escrever no e-mail para aquele pesquisador que tem um trabalho tão interessante? Qual o tom que devo usar? Quanto vou precisar investir? Vou conseguir uma bolsa de estudos?

Para ajudar na busca por respostas a essas questões, especialmente com foco em estudantes interessados nas Humanidades, eu e o Elan Marinho, do Canal Filosofia Acadêmica, entrevistamos o Hugo Mota, mestre em Filosofia pela UFPE. Ele está indo fazer doutorado em Filosofia na Universidade de Oslo. O Hugo foi super bacana, contou tudo tin-tin por tin-tin e deu dicas preciosíssimas. Se você perdeu a live, pode assistir novamente agora, no vídeo a seguir. Além do vídeo, o Hugo preparou um documento super bacana com as dicas por escrito, que está disponível neste link.

Depois de conferir este vídeo, aproveite para assistir a outras lives imperdíveis do Filosofia Acadêmica, mantido pelo Elan.

Imagem do post: Slava @ Unsplash

I Seminário Internacional: Reconceitualizando a Educação (PUC-Rio)

Nos dias 15 e 16 de abril a PUC-Rio promove o I Seminário Internacional: Reconceitualizando a Educação, evento que oferece intensa programação com a participação de diversos professores da instituição e de instituições parceiras, no Brasil e no exterior. Haverá palestras, mesas e rodas de conversa, sendo a primeira delas dedicada ao lançamento do livro Deseducando a Educação: mentes, materialidades e metáforas. O livro é organizado pelos professores Ralph Ings Bannell, Mylene Mizrahi e Giselle Ferreira.

Tudo poderá ser acompanhado pelo canal do Departamento de Educação da PUC-Rio no YouTube

Programação:

DIA 15/04 (5a feira)

9h30 – Cerimônia de Abertura

10h – Apresentação do livro Deseducando a Educação: mentes, materialidades e metáforas

–12h30 – Intervalo–

14h – Diálogos Transversais

Serão 5 rodas de conversa em diferentes temas, ocorrendo simultaneamente, pela plataforma Zoom (em breve divulgo a programação detalhada de cada uma).

16h – Entrevistas e palestras

DIA 16/04 (6a feira)

10h – Mesa Redonda Paulo Freire Internacional

–12h30 – Intervalo–

14h – Diálogos Transversais

Serão 2 rodas de conversa em diferentes temas, ocorrendo simultaneamente, pela plataforma Zoom (em breve divulgo a programação detalhada de cada uma)

16h – Seção de Encerramento

Notas sobre filosofia e ciência (2): o estudo da experiência a partir da primeira pessoa

Este post foi escrito a partir do artigo An Introduction to the Enactive Scientific Study of Experience (Moguillansky, Demsar & Riegler, 2021) e dos livros The Embodied Mind (Varela, Thompson e Rosch, 2016) e Mind in Life (Thompson, 2007).

A ciência é feita a partir da observação. Entende-se que aquilo que se observa está no mundo como algo alheio ao observador; algo separado dele. O problema com isso é que estamos inseridos no próprio mundo que desejamos desvendar por meio da ciência. Então, o estudo da experiência humana deveria ser foco da atenção da ciência…

Apesar disso, demorou para que fosse lançada essa luz sobre a observação da experiência em si. A ciência ocidental negligenciou a experiência a partir da primeira pessoa para privilegiar a perspectiva da terceira pessoa. O conhecimento sob a perspectiva da primeira pessoa, por sua vez, tem sido considerado pouco confiável ou sujeito a desvios.

De todo modo, isso tem mudado: a visão tradicional que coloca o objeto de estudo de um lado e o observador de outro, gerando um abismo quando se trata justamente de compreender a experiência humana, tem sido desafiada junto com uma visão crítica, emergente, que reconhece o papel do observador e de sua experiência corporificada (isto é, levando em conta o seu corpo como um todo, e de várias maneiras – a partir de uma concepção de cognição corporificada e situada) para a geração de conhecimento.

Existe um programa de pesquisa chamado NEUROFENOMENOLOGIA, proposto por Francisco Varela (1996), que trata justamente de desenvolver uma ciência para o estudo da consciência. A proposta valoriza a experiência vivida, convocando um diálogo entre as abordagens tradicionais, fundamentadas na terceira pessoa, e a investigação a partir da perspectiva da primeira pessoa. Métodos e procedimentos específicos para esse tipo de pesquisa têm sido desenvolvidos. Ainda não está consolidada a maneira de aproximar as perspectivas da primeira e da terceira pessoa, mas isso está sendo encaminhado e tem sido objeto de debate no campo da ciência cognitiva.

Aliás, como ressaltam os autores do artigo An Introduction to the Enactive Scientific Study of Experience (Moguillansky, Demsar & Riegler, 2021), o estudo da cognição humana é marcado por um paradoxo: o ser humano e a maneira como obtemos conhecimento do mundo torna-se o próprio objeto de estudo de… seres humanos tentando conhecer melhor o mundo; leia-se os cientistas cognitivos, filósofos, psicólogos e afins. Isto é, se a ciência empreende esforços para investigar fenômenos, produzindo explicações e descrições desses fenômenos, a ciência cognitiva tem como principal fenômeno de investigação a cognição em si.

Historicamente, temos aplicado regras para estudar a realidade – regras que compõem metodologias científicas desenvolvidas para estudar objetos desatachados de seus observadores, e que remetem a Descartes, filósofo racionalista que procurou criar um método para chegar à verdade científica. Descartes via a realidade como algo separado de nós; para compreendermos essa realidade, deveríamos separá-la em pedacinhos menores, mais simples, para depois evoluir para algo mais complexo que juntasse esses pedaços (assim ele compreendia a nossa apreensão da realidade; uma concepção que vinha da física, tal como estava se desenvolvendo na época dele, no século XVII). Bem, Descartes veio antes da fenomenologia, que viria propor justamente o estudo da experiência, partindo do todo, não de partes constitutivas do todo.

E hoje não temos apenas um método, como já mencionei.

O problema é que se passaram séculos e continuamos tratando a realidade como algo separado de nós mesmos. Então, a proposta de investigar a partir da primeira pessoa é uma proposta para tentar ajustar isso.

Os autores do artigo explicam que é necessário desenvolver “uma concepção não objetivista da ciência que torne impossível pensar na ciência como uma ferramenta para lançar luz sobre as coisas em si. Em vez disso, o entendimento enativo da ciência sugere que devemos considerar a atividade científica como a extração sistemática e cada vez mais sofisticada de regras da nossa própria experiência vivida. Como tal, a ciência não apenas é falível e propensa a erros, mas também inextricavelmente conectada a nós”.*

Isso, por si só, já é uma reorientação do olhar. Pois caminhamos de uma apreensão das coisas como elas são, aplicando regras pré-fabricadas sobre objetos “alheios” a nós, para uma mudança conceitual e postural, que consiste em tentar colher das próprias coisas que observamos as regras para observá-las. Um dos principais pontos dessa mudança é que, ao reportar experiências, isto é, falar sobre elas, as pessoas tendem a reproduzir crenças sobre como essas experiências acontecem, sobre si mesmas, sobre o mundo, em vez de se ater à experiência vivida, em si. É uma questão do que é/o que existe versus o que é descrito/estudado; de novo a ontologia e epistemologia; como quando passamos por uma situação de pânico e depois contamos sobre a situação a alguém. O que sentimos é uma coisa, o que contamos é outra (que pode conter muito da primeira, mas pode passar por várias releituras e racionalizações quando já estamos “fora” daquela ação).

Ainda segundo o artigo que menciono aqui, os primeiros estudos com métodos bem definidos, no contexto neurofenomenológico, foram conduzidos pela pesquisadora Claire Petitmengin e trataram do surgimento da intuição. Eles deram origem ao que hoje se denomina entrevista microfenomenológica. A ideia é “auxiliar o entrevistado a selecionar uma experiência singular, precisamente situada no espaço e no tempo, ‘evocando’ essa experiência e descrevendo-a. A descrição geralmente visa elucidar tanto a dimensão síncrona quanto a diacrônica de uma dada experiência. A primeira se refere à configuração de diferentes aspectos da ‘paisagem’ experiencial em um determinado momento, e a última a como essa paisagem experiencial se desdobrou ao longo do tempo. Auxiliar o entrevistado a fornecer esta descrição implica em afrouxar sua absorção no conteúdo (o “o que”) da experiência, fazendo perguntas específicas que permitem a articulação de seu modo de doação (o “como”), bem como fazer o entrevistado concentrar-se na experiência vivida sempre que se desviar dela para descrever generalizações, explicações, crenças ou julgamentos”.

Mesmo após algumas leituras, claro, ainda tenho várias questões sobre como a entrevista microfenomenológica é conduzida, as dificuldades que envolve etc. Algumas delas com certeza serão elucidadas junto a uma das autoras do artigo, Dra. Camila Moguillansky, que estará com o grupo de pesquisa GEPFE, de Filosofia da Educação, de que participo na PUC-Rio. Compartilho mais depois.

*Traduções feitas por mim, do inglês

Imagem do post: Icons8 Team @ Unsplash

Notas sobre filosofia e ciência

Inspiradas especialmente (mas não somente) pela leitura de “Maturana e a Educação”, de Nize Pellanda, Editora Autêntica, 2009

“Quando o conjunto de teorias disponíveis numa época não dão mais conta de novos objetos da ciência, começam a emergir outras teorias que vão configurar um novo paradigma científico. Nesse conjunto, há sempre um grupo de pressupostos básicos e conceitos fundamentais que vai fazer o papel de urdidura de uma rede orgânica e coerente que é o paradigma”, diz Nize Pellanda, à página 13 do livro Maturana e a Educação (Ed. Autêntica, 2009). A autora esclarece que se refere, aqui, ao conceito de paradigma tal como concebido por Thomas Kuhn.

Essa explicação para o surgimento de novas teorias é simples: se precisamos estudar certos objetos, fenômenos, acontecimentos que fogem às teorias que temos disponíveis para compreendê-los, estamos precisando de… novas teorias. Apesar de simples, esse raciocínio esconde alguns aspectos, digamos, espinhosos no campo da pesquisa.

Por exemplo, a tentativa de “encaixar” novos objetos de pesquisa em velhos paradigmas ou o hábito de seguir analisando fenômenos científicos a partir de premissas que eventualmente já foram superadas ou precisam ser revistas/remodeladas. Sim, mesmo sem que se perceba, isso muitas vezes acontece. E a importância da pesquisa teórica passa por aí: a necessidade de conhecer a teoria para que ela sirva para a empiria de modo a abrir caminho para novas descobertas. Afinal, ao mudar os fundamentos, mudamos o que é construído sobre esses fundamentos. Lembrando que mudar os fundamentos não é jogar fora tudo que se sabe até dado momento para começar a construir tudo de novo, do zero, mas saber agregar o que é novo ao que se provou ser válido no “velho”.

Também na pesquisa ainda se observa, por vezes, uma certa insistência em fazer perguntas esperando uma determinada resposta (em vez de estar verdadeiramente aberto aos resultados que podem surgir). O pesquisador precisa topar o desafio de não saber bem onde chegará. Faz parte do show. Afinal, o caminho será construído durante a própria investigação que ele vai fazer; então, como saber o que será encontrado no ponto final? Claro, é preciso ter perguntas que impulsionem esse caminho e um método que sirva como guia; ter parâmetros, ter prazos, tudo isso é essencial; também é natural ter expectativas sobre as descobertas que serão feitas, e levantar hipóteses é mais do que recomendado; mas, sem uma real abertura ao novo, a pesquisa perde o sentido.

Ainda no citado livro sobre Humberto Maturana, um conhecido neurobiólogo chileno, a autora afirma que têm surgido objetos cada vez mais complexos no trabalho científico e que esses objetos desafiam as formas tradicionais de pesquisa. É difícil falar da importância da obra de Maturana sem mencionar esse fato, porque a proposta teórica desse autor emerge justamente do seu trabalho como cientista, que o leva a concluir que o mundo não é fragmentado e não é uma realidade à parte; o investigador faz parte dessa realidade, a constitui.

O neurobiólogo é um dos pensadores do chamado paradigma da complexidade – o qual supera a realidade concebida de maneira “linear, fragmentada como se fosse uma coleção de coisas e estável”, sendo o sujeito que estuda essa realidade sempre externo a ela (página 14 do livro Maturana e a Educação). Se não somos sujeitos externos à realidade que observamos e que desejamos investigar, somos parte dessa realidade; desse modo, nota-se que epistemologia e ontologia não se separam. Isto é, “observar faz parte não somente da geração do fenômeno a explicar, como também da própria ontologia de cada observador” (página 26 do livro Maturana e a Educação).

Estou levantando muitas questões para um post só, eu sei. É que o objetivo deste post é, justamente, fazer anotações para depois juntar tudo de alguma maneira num texto mais coerente (ou não). O processo de pesquisa também passa por isto, especialmente o processo de uma pesquisa teórica.

Neste caso aqui, ficam algumas questões importantes para possíveis discussões futuras:

  • A impossível dissociação entre sujeito observador e realidade observada torna impossível a “neutralidade” na pesquisa?
  • O que seria essa almejada “neutralidade” e qual seria a importância dela, se houver?
  • Por que não se pode separar ciência e filosofia, teoria e prática, humano e natureza, mente e corpo, epistemologia e ontologia?

E muitas outras perguntas mais.

Imagem do post: Photo by Moritz Kindler on Unsplash

A atitude filosófica, o jornalismo e o querer-saber

Como fica claro na área do Perfil do meu site, a minha graduação foi em jornalismo. Logo cedo na carreira, depois de dois anos de formada, me interessei pela educação enquanto área de pesquisa. Fiquei uns onze anos trabalhando em comunicação digital, educação a distância e tecnologias educacionais – projetos que me deram bastante experiência mas também me despertaram muitas questões – e em 2016 decidi que queria ir fundo nos estudos da educação.

Como sempre quis construir uma carreira acadêmica, decidi que o flerte (que durava desde quando me formei no bacharelado) deveria virar namoro; fiz a seleção do mestrado, passei e comecei a estudar as tecnologias digitais sob a perspectiva da Filosofia da Educação. Aí casei com a pesquisa: no doutorado, sigo na Filosofia da Educação fazendo uma pesquisa que tem como objetivo investigar a aprendizagem a partir de um contraste com machine learning. No meu trabalho, me utilizo de uma literatura e de uma série de conceitos situados em áreas variadas: ciência cognitiva, neurociência, filosofia, inteligência artificial, biologia, psicologia e outras.

A minha pesquisa é multidisciplinar como eu 😉 Coisa de gente curiosa mesmo.

Bem, mas este post se chama atitude filosófica e é sobre isso que quero falar aqui.

A atitude filosófica talvez seja um dos pontos mais importantes de conexão entre as duas esferas profissionais que tenho na vida: o jornalismo e a filosofia. Pois desde quando quis fazer jornalismo tomei essa decisão porque gostava de escrever e de ler, mas também porque me considerava questionadora, crítica – e por gostar de pesquisar. Sempre acho que todo assunto pode ser investigado e olhado sob outros ângulos; acredito que tudo é um recorte de algo mais vasto; gosto de pensar sobre os porquês das coisas; gosto de ouvir as histórias das pessoas (e de contar as minhas, mas aqui isso não vem tanto ao caso!).

Percebo, inclusive, que muitos jornalistas não têm (ou perderam) essa curiosidade, vontade de ir atrás das coisas, esse encantamento pela apuração. Admiro os jornalistas curiosos que se munem dessa vontade de saber para ir atrás das histórias, tentando contá-las da forma mais consciente possível.

Consciente acho que é uma boa palavra, porque a verdade sempre tem muitos elementos, aspectos e pontos de vista, e o jornalismo precisa dar espaço para eles, mas também deve respeitar a ciência e trabalhar para que as verdades científicas ganhem espaço. Também deve ter o bom senso de evitar dar espaço para aquilo que não ajuda uma sociedade a crescer e se desenvolver. Jornalismo, afinal, também é construção de uma sociedade melhor, mais aberta, democrática e plural; e eu defendo que isso não é negociável! Mas, enfim, o ponto aqui é: a atividade jornalística exige curiosidade, querer investigar, querer saber. Estar aberto ao que pode vir a encontrar.

A filosofia, por sua vez, também tem melhor aderência aos seres curiosos. A chamada “cabeça fechada” e a filosofia não se encaixam. Com a filosofia, a gente sempre pode questionar, sempre pode discutir as premissas. Não é um questionamento no vazio, sem eira nem beira; mas uma investigação que caminha lado a lado com a empiria, com a pesquisa prática. A filosofia e a ciência também caminham juntas, portanto. Ou, ao menos, a filosofia que tem me interessado é essa.

Debates epistemológicos vazios não me atraem, porque a minha pesquisa é filosófica mas também é fazer-ciência (assim com hífen que acho que encaixa bem com o que quero dizer). O que os pesquisadores que estou estudando fazem acaba levando a olharmos um pouco por baixo do tapete às vezes, e dizer: mas você viu que este tapete está sedimentado sobre estes tacos aqui, e estes tacos estão ruindo? Será que não é melhor trocar os tacos antes de continuar a caminhar? Se não trocar, a poeira vai se acumular entre o tapete e o chão… o chão vai ruir… e só vai restar o tapete lá em cima, que depois de um tempo não vai aguentar também.

Com isso, quero dizer que a gente precisa olhar para os pilares que sustentam as pesquisas empíricas, porque, veja: se determinamos que certas premissas são verdadeiras e seguimos fazendo pesquisas a partir delas, o que temos? Pesquisas que não conseguem se desvencilhar dessas premissas, que são os seus sustentáculos.

Quase nunca precisamos jogar tudo fora e recomeçar, mas quase sempre podemos rever parte de nossas convicções, e essa atitude de abertura, essa postura do querer-saber, é filosófica – e pode ser também jornalística, pode vir de um educador, de um psicólogo, um economista, um matemático, um biólogo, enfim, todos podem adotar essa atitude filosófica.

Portanto, não há nada assim de tão estranho em querer filosofar, não se trata de “viajar”, nem de complicar as coisas (bom, às vezes pode complicar, ou ao menos complexificar)… trata-se de levantar o tapete, e isso pode às vezes fazer a gente espirrar ou tossir, mas vale a pena. Afinal, em alguns casos a outra opção é a estrutura ruir!

Então, para começar a filosofar, é preciso ter interesse, curiosidade e ter olhar crítico; observar; topar uma aventura em que muitas variáveis irão se apresentar. Topar o diálogo, topar assumir que quanto mais sabemos, menos parece que sabemos.

Mas não há apenas uma porta de entrada para a filosofia. Começar pelos gregos pode ser bom quando se quer aprender história da filosofia, mas para aprender a ter uma atitude filosófica o exercício é o de saber ler e interpretar, flexibilizar, saber ouvir, se interessar por mais coisas do que cabem no seu “quadrado”. Aliás, aproveitar para “deixar de ser quadrado” também pode ser bom – quando a gente começa a se abrir mais, ouvir mais, a gente acaba fazendo isso naturalmente…

Para quem está se perguntando por que usei a imagem do filme “O lado bom da vida”, ou “Silver Linings Playbook”, no original…

… Bem, este post teve como inspiração uma aula de Filosofia da Educação ministrada pelo Professor Dr. Carlos Reis, da Universidade de Coimbra. Com muitos alunos da Psicologia (na UC Psicologia e Ciências da Educação estão sob o mesmo departamento), o professor levou a turma a pensar sobre atitude filosófica a partir do filme. Se não viu, veja com esse olhar. Vale a pena!

World WILD Web: é disso que precisamos

Precisamos de uma WWW democrática. Uma rede de conexões reais no espaço virtual.

Esta semana, recebi de diversas pessoas o vídeo que alardeia aquilo que na prática todos temos notado: a nossa navegação na Web é completamente rastreada pelo Facebook. Se você acessou um site e viu algo de que gostou mas não se lembra direito qual foi, esqueceu o nome etc, pode usar o histórico do seu navegador para reencontrá-lo ou… pode usar o histórico do Facebook. Vá em Configurações > Sua atividade no Facebook > Atividade fora do Facebook e verá que está tudo lá.

O Facebook está se tornando a própria World Wide Web, que não é mais tão vasta, ampla ou grande no melhor sentido da coisa e, diga-se de passagem, está cada vez mais chata, comercial e robotizada – no sentido literal. O que temos é um território mapeado, em que um chip com nossos logins (na forma de app do Facebook) funciona como uma espécie de arco íris que leva ao tesouro: nossos dados.

O problema nao está só no Facebook. Até porque ele está acompanhado da Amazon, Google, Apple. E alguns podem dar de ombros e dizer que esse rastreamento das lojas e sites que visitamos, em particular, pode nem ser tão preocupante, apenas irritante.

Mas é fato que, pela nossa sanidade, pela longa vida às artes, à filosofia, à política, ao cinema, às reais trocas de ideias, precisamos de uma internet democrática. Uma World Wild Web, isto é, uma Web “selvagem” no bom sentido, ampla de fato, democrática, capaz de se abrir à vastidão da natureza humana, dos nossos desejos e sonhos, ajudando-nos a criar e a fortalecer nossas reais conexões. Para usar esse termo busco como referência o pesquisador Edwin Hutchins, autor de Cognition in the Wild, este livro aqui. A ideia é a de analisar a cognição humana em seu habitat natural, a natureza, a cultura, as relações sociais, em vez de fazer isso apenas em laboratórios/ambientes controlados – o que poderia levar a uma dimensão bem mais fiel dos nossos processos cognitivos.

Penso enquanto escrevo numa Web que reflita as múltiplas realidades que vivemos, que se conecte melhor com o mundo que habitamos e que construimos todos os dias, em vez de apenas tentar construir esse mundo para nós – fazendo-o puramente devotado à venda, um palco em que se discute basicamente o que vale mais e quanto se quer pagar. Um mercado das pulgas em que as pulgas somos nós (isso é pior ainda do que ser as os cacarecos à venda – ou não…). Sim, eu sei que o mundo “real” também o coloca o capital acima de tudo, mas é exatamente por isso que precisamos mudar a Web (e o mundo) antes que o mundo que a Web tenha para refletir seja exatamente esse mundo chato e vazio como ela!

Um exemplo: para um músico “independente” – uma classificação que considero um tanto falha (por vários motivos) mas que apenas quer dizer no senso comum um artista que faz seu próprio percurso sem esperar as grandes gravadoras/o mainstream etc (o que acho louvável) – usar o YouTube para divulgar seu trabalho tornou-se praticamente impossível. Se tem dúvidas, converse com um deles e confira a odisseia que é ter um canal e conseguir alguns míseros seguidores., mesmo que você tenha uma carreira consolidada, muitos fãs, muitos shows no currículo e muitos álbuns lançados. As redes sociais que usamos são mainstream. Elas criam o seu próprio mainstream. O problema é que elas definem as prioridades e descartam o que não é prioridade para elas. Os “grandes” seguem “grandes”, com muitas aspas, e os “pequenos”… os pequenos que lutem.

Esse é só um exemplo. Se você nunca estranhou o alcance ínfimo de uma determinada publicação sua no FB quando esperava muitos likes, é porque provavelmente só posta gatinhos. O FB adora gatinhos. Aliás, aposto que Zucker fez algo de bom, pelo menos, que foi popularizar os gatos e fazer mais pessoas adotá-los, porque agora parece que todos têm gatos. O FB adora gatos porque as pessoas passam HORAS vendo vídeos de gatos.

Photo by Kim Davies on Unsplash

Voltando à Web democrática: ela era a ideia original de Tim Berners Lee, mas simplesmente não aconteceu. Mas ele não desistiu: Tim tem uma startup chamada Inrupt e está trabalhando por uma nova estrutura de rede, chamada SOLID. A ideia é repensar a maneira como aplicativos armazenam e compartilham dados pessoais. Para isso, em vez de armazenar dados em servidores de uma empresa que se interessa apenas em lucrar a partir deles, os usuários teriam um pequeno servidor exclusivo, localizado no Solid, um servidor grande. O problema dessa história é que ela parece levar ao problema do regresso infinito, isto é, Berners-Lee acabaria por ter os dados de todos armazenados em seu mega servidor com vários mini servidorezinhos; mas ele diz que não, que os dados estariam somente no servidor de cada um. De todo modo, as motivações de Tim me parecem sem dúvida melhores do que as de Zucker e sua turma, que não sabem mais onde colocar seu dinheiro. E continuam querendo faturar mais e mais às custas não apenas da nossa privacidade como do esvaziamento total da graça que a internet um dia teve, quando prometia ser a terra da criatividade que representava uma real alternativa ao caminho até então monótono do broadcasting.

Berners-Lee e o CEO (odeio estas siglas) da empresa dele – que não é ele, mas sim um cara chamado John Bruce – não esperam que o modelo descentralizado que estão tentando materializar desmorone as tech giants num passe de mágica, como bem lembra este artigo aqui da Wired. Até porque Zucker e os amigos não querem largar o osso carnudo dos nossos dados. O que a dupla Berners-Bruce quer é lançar uma alternativa, que possa se popularizar ao menos entre quem está preocupado com tudo isso que estou expondo neste texto e anseie por uma rede mais bacana, mais leve, aberta e criativa. Não sei exatamente como isso vai funcionar, se vai funcionar, mas esse caminho me parece bastante interessante e pretendo acompanhar. Sugiro que façam o mesmo. Até porque o problema não é apenas você gostar de hambúrguer com cheddar, e ficar toda hora aparecendo hambúrguer com cheddar para você nos anúncios na “sua internet”. O problema é que assim você vai viver num mar de hambúrgueres de cheddar com pequenas variações (com ou sem cebola…) em vez de conhecer um mundo que também tem hotdogs, pipocas doces, salsichas alemãs, saladas, pizzas ou seja o que for.

É bom pensar nisso antes que sua pressão arterial saia do controle.

(Imagem principal do post: amirali mirhashemian @ Unsplash)