Anúncio da Coca-Cola feito com IA nos instiga a pensar nos limites entre arte e sistemas artificiais

No anúncio acima, a “Moça com brinco de pérola” de Vermeer abre uma garrafa de Coca-Cola depois de ela passar por diversas obras de arte que fazem de tudo para não deixar a peteca, ou melhor, a garrafa cair. O anúncio foi feito com inteligência artificial e também com filmagens reais e efeitos digitais diversos.

O interessante é que, em meio às questões que pairam sobre as artes e a IA, se a criatividade será estendida ou ofuscada pela IA, se o que a IA faz é arte ou não etc, esse anúncio chega lembrando que uma pode viver com a outra e gerar algo fabuloso. Isto é, arte e IA podem ser uma mistura interessante. Mas é isso: o anúncio é uma obra-prima em si, mas envolveu intenso trabalho e empenho. O esforço criativo não apenas dos artistas cujas obras de arte aparecem no vídeo, mas daqueles que fizeram o vídeo, claro, continua tendo altíssimo valor. Isso diz algo sobre a discussão quanto à IA “dominar” ou “substituir”, ou eventualmente expandir e enriquecer possibilidades.

Por que o Chat GPT não me seduz?

Ser humano é verbo, é ser, mas não é permanecer; é tornar-se, mudar, se transformar, crescer. Sabe? Ser humano é ser criativo, pensar fora da caixinha, e a gente GOSTA disso. Se o ser humano não gostasse disso tudo, como poderia ser complexo, viajar em busca de experiências, querer conhecer coisas e lugares novos e tudo o mais?

Bom, e o que isso tem a ver com Chat GPT??

A tecnologia por trás do Chat GPT possibilita que esse sistema busque, em bases de dados extensíssimas, todo tipo de “informação” e, com isso, monte os conteúdos que a nós retornam. Onde está o poder do Chat GPT? Está, justamente, na sua capacidade astronômica de buscar, nessas bases, de maneira ultra rápida, os dados, e montar os conteúdos. Ok, isso é impressionante e pode trazer consequências, como já está trazendo. Mas é importante separar as coisas. Todas as bases nas quais a ferramenta busca foram construídas por seres humanos. A novidade fica por nossa conta. Somos nós que vivemos as experiências que vão gerar aqueles textos. As PESSOAS são o que importa, em TODO o percurso.

Não me interessa ler textos sobre dicas de viagem sem saber quem escreveu. Não me interessam descobertas científicas sem saber das fontes. Não me interessa uma opinião sem referência – quem disse e quando. Gente, o Chat GPT não dá fontes, nem teria como (talvez desse uma fonte a cada palavra?). Ele não “sabe” realmente de onde tirou cada retalho de informação. Na mistura que o sistema faz, as fontes de perdem. E isso pasteuriza tudo! O conteúdo que a gente acessa se torna rico justamente pelo estilo como as pessoas escrevem, as experiências que viveram e que resultaram naquele texto ou conteúdo multimídia, as pesquisas que fizeram. Cada texto é único e especial em si mesmo, e o Chat GPT pega e junta um monte de dados e gera um texto uniforme, técnico, que nao sei quem escreveu e que propósito havia naquela escrita. Não me seduz, não adianta!

Os conteúdos que vemos no Chat GPT são uma massa disforme. Tudo o que interessa, nessa maré sem fim de conteúdo que nos inunda todos os dias, são as fontes, as origens dos conteúdos, isto é, NÓS, seres humanos! E o Chat GPT simplesmente ignora as fontes. Não “sabe” informar de onde veio aquela massaroca de texto. Imagina páginas e páginas arrancadas de livros, sem capas, index, sumário, nada, e jogadas numa caixa, misturadas. Imagina parágrafos recortados de livros, montados com parágrafos de outros livros; imagina palavrinhas recortadas de páginas de livros e coladas nas páginas de outros livros. Uma sopinha um tanto indigesta, não?

Eu acredito que o medo de que o Chat GPT nos torne obsoletos vem da falta de valorização da capacidade humana de criar, ter empatia, sonhar, se conectar com os outros; porque, se nada disso for importante, mas apenas conteúdos técnicos, pode ser que essa tecnologia seja suficiente! Mas tudo isso É ESSENCIAL, no sentido mesmo da NOSSA ESSÊNCIA. O que somos? O que significa ser humano? Sem um pouco dessa filosofia, fica fácil ter medo do Chat GPT. Mas, se nos conectarmos novamente ao que significa ser humano, a IA vai ter que se esforçar mais, gente. Nada disso me seduz, apesar de me preocupar. Por isso sigo pesquisando!

Leia este post aqui da Giselle Ferreira sobre o assunto, que “conversa” muito com o meu!

Minha “conversa” com o Chat GPT…

As ameaças à nossa autonomia quando lidamos com sistemas de machine learning

Neste post, faço uma espécie de leitura comentada do ensaio acadêmico que publiquei na Revista Perspectiva Filosófica e está neste link para quem quiser acessar. É um trabalho sobre os impactos à nossa autonomia quando lidamos com sistemas de aprendizagem de máquina – uma vertente da inteligência artificial.

As tecnologias digitais, de tão entranhadas que estão em nosso cotidiano, vêm sendo apontadas como extensões da mente, sendo consideradas capazes de potencializar a cognição humana. A chegada das tecnologias baseadas em algoritmos, por outro lado, traz uma série de elementos novos para essa equação. Elas são impulsionadas pelos próprios dados dos usuários dessas tecnologias, já que, no caso da aprendizagem de máquina por exemplo, operam fazendo previsões a partir de dados obtidos e assim sucessivamente.

Neste trabalho, eu argumento que, justamente porque essas tecnologias se baseiam em dados do usuário para gerar novos conteúdos, elas acabam criando uma circularidade em torno dele que, em vez de expandir, pode limitar sua experiência de aprendizagem. No centro desse impacto está a autonomia, que, em vez de ser ampliada, acaba sendo ameaçada de redução.

É importante explicar que o conceito de autonomia que utilizo é o conceito que deriva da chamada teoria da cognição enativa. Existem várias formas de conceituar autonomia, portanto no caso de um trabalho acadêmico de pesquisa é fundamental esclarecer isso. Trata-se de um conceito de autonomia que deriva da ideia de que a célula, unidade primordial da vida, somente é capaz de ser e se manter autônoma porque está inserida em um contexto que permite isso – um ambiente com o qual mantém trocas constantes que a alimentam energética e materialmente. Ou seja, a célula é autônoma, não capaz de se manter sozinha. Pelo contrário, sua autonomia se origina justamente das suas interações com o meio, o que torna essas interações essenciais para a manutenção da autonomia celular.

Eu “estiquei|”esse conceito até o ambiente algorítmico que se constitui em torno de nós, humanos. Fiz esta pergunta: o que acontece com a nossa autonomia quando o meio é aquela que chamei de algoritmosfera, essa rede entrelaçada por algoritmos e dados que nós alimentamos e que, ao mesmo tempo, também nos alimenta? Nós conseguimos nos manter autônomos diante desse contexto, embebidos nessa rede de interações que têm essa natureza?

O meu objetivo geral, com isso, é compreender os limites e as potencialidades das nossas relações com sistemas de aprendizagem de máquina para entender se eles podem nos ajudar nas nossas experiências de aprendizagem sobre o mundo ou se esses sistemas acabam por retrair essas experiências. Ao me debruçar sobre esse trabalho, explorei as diferenças por vezes aparentemente sutis, mas sempre muito potentes, entre lidar com outro ser humano ou com um sistema de aprendizagem de máquina. Quando lidamos com outra pessoa, aprendemos com ela, percebemos o mundo com ela, e isso altera as nossas percepções. Existe algo que surge das interações entre seres humanos que é único e típico dessas relações, e não poderia surgir fora delas. É algo novo, imprevisível. É o produto da interação.

Quando lidamos com máquinas, por mais que elas nos façam sentir como se estivéssemos lidando com outra pessoa às vezes, de tão avançados que estão esses sistemas, nós não estamos. O que acontece é que nesses casos nós acabamos “levando” toda a “relação” sozinhos; não há uma real interação social, como há entre dois seres humanos. As relações de troca humanas são como uma dança, em que o par se movimenta junto, enquanto as interações com sistemas artificiais se parecem com um monólogo ou uma dança desequilibrada em que apenas um se movimenta e o outro faz um papel parecido com o de um fantoche.

Com isso, não se pode dizer que não aprendemos nada ao lidar com sistemas de aprendizagem de máquina, mas sim que não é uma experiência comparável à que temos quando lidamos com outro ser humano. Isso, para quem procura compreender a aprendizagem e como ela é impactada pelas tecnologias, é essencial. O enativismo, ou cognição enativa, não diz que aprendemos mais ou melhor com outros seres humanos, mas que somente aprendemos de fato com outros seres humanos. Somos moldados, impactados, alterados, percebemos o mundo e raciocinamos sobre ele justamente a partir das interações com outras pessoas; precisamos delas para ter experiências de aprendizagem. Máquinas ou sistemas artificiais não aprendem de fato e não conseguem, sozinho/as, proporcionar experiências de aprendizagem.

A nossa autonomia é ameaçada, sob o ponto de vista de autonomia no enativismo, porque as trocas que mantemos com o meio “algorítmico” constituem um desequilíbrio para as nossas interações. É como se a contribuição de um e de outro lado fosse tão irregular que tornasse a relação “capenga”. Eu entro com meus dados, minhas percepções, minha imaginação; a máquina não percebe e não cria nada, e assim, tudo que parece novo ao surgir dali é mais limitado do que seria se eu estivesse lidando com outra pessoa. Porque outra pessoa é capaz de ciar, imaginar, porque tem experiência e aprende, e então dessa interação social se origina algo que só pode existir porque se trata, justamente, desse tipo de interação. É algo então que, por definição (enativista), potencializa a minha capacidade de experimentar o mundo de um modo especial porque é impossível de ser previsto na totalidade. Não há estatística que possa prever que conversa exatamente teremos com um amigo ao encontrá-lo, por exemplo; ou como o ser amado vai reagir a uma contestação que manifestarmos; ou se acabaremos falando de cinema quando nos encontrarmos com alguém para falar de matemática.

Essa é uma ideia interessante para defender por que não é viável pensar que uma aula 100% a distância, assíncrona, ou seja, sem o professor em contato com alunos em tempo real, poderia resultar no mesmo nível de experiência de uma aula presencial – ou, pelo menos, em que o professor e os alunos estejam no mesmo momento, se olhando, ainda que mediados por suas câmeras. Há algo nessa conexão entre as pessoas, alimentada pelas trocas daquele momento, que é único, e faz parte da série de novidades que emergem da interação. Há experimentos com bebês mostrando que eles choram quando diante de um vídeo gravado da mãe, depois de demonstrarem calma quando veem um vídeo da mãe que é uma transmissão em tempo real. O problema não é ser uma imagem, mas a mãe não estar olhando para ele, interagindo com ele na medida da própria interação. Não é fascinante?

Num mundo em que as relações são postas em xeque, por inúmeros motivos, e em que contamos tanto com sistemas artificiais para fazer um sem-número de atividades, é fundamental não esquecer que há algo intrínseco às trocas humanas. Algo que gera algo que só existe a partir dessas relações. Se só “falarmos” com máquinas, estaremos como que batendo num muro, um bate e volta; sentiremos algo, poderemos até aprender algo ou muitas coisas, mas não continuaremos a expandir os nossos horizontes, o alcance das nossas experiências, como faríamos se estivéssemos em interações sociais. Só elas ampliam os círculos de experiências mais e mais. Por isso chamei o ensaio de “Another brick in the wall” e digo que precisamos fazer um esforço para olhar entre os tijolos do muro. São as frestas que nos mantêm abertos a uma série de experiências inesperadas, essenciais justamente porque são inesperadas; nós não vivemos sem surpresas, sem o incerto, mesmo quando queremos o “certo”. Aprendemos na inconstância e na flexibilidade, não na dureza dos muros. 

Mentes INTERCONECTADAS

Seria possível compreender a mente humana analisando cada indivíduo em separado? Ou será que a mente humana surge justamente da coletividade?

Ainda que cada sujeito tenha a sua contribuição a dar, um trabalho envolvendo muitas pessoas dá origem a ideias que não existiriam se fosse desenvolvido somente por um indivíduo. Já parou para pensar nisso?

Os pesquisadores proponentes da abordagem enativa para a cognição humana indicam que não é possível investigar o funcionamento da mente humana sem focar nas interseções entre mentes.

Também os pesquisadores da inteligência artificial aplicada têm focado na inteligência coletiva. A edição de 2021 do relatório AI 100, produzido pela Universidade de Stanford, aponta a inteligência coletiva como uma tendência importante na pesquisa sobre a inteligência humana.

Falei sobre esse assunto na conferência de 2020 da MEA – Media Ecology Association, que este ano aconteceu na PUC-Rio. Estive presente remotamente, pois ainda estou em Portugal pelo doutorado. Deixo aqui algumas referências que usei em minha apresentação, para quem desejar saber mais.

(imagem do post: David Clode @ Unsplash)

CLARK, Andy. Natural-Born Cyborgs. Minds, Technologies and the Future of Human Intelligence. New York: Oxford University Press, 2003.

CLARK, Andy. Supersizing the Mind – Embodiment, action, and cognitive extension Oxford: Oxford University Press, 2011.

DE JAEGHER, Hanne.; DI PAOLO, Ezequiel. Participatory Sense-making: An enactive approach to social cognition. Phenomenology and Cognitive the Sciences, 6, pp. 485-507, 2007.

DE JAEGHER, Hanne.; DI PAOLO, Ezequiel. Making Sense in Participation: An Enactive Approach to Social Cognition. In: Enacting Intersubjectivity: A Cognitive and Social Perspective on the Study of Interactions. F. Morganti, A. Carassa, G. Riva (Eds.) Amsterdam, IOS Press, pp. 33-47, 2008.

DI PAOLO, E. A Concepção Enativa da Vida. In: BANNELL, R. I.; MIZRAHI, M.; FERREIRA, G. (Orgs.) (Des)educando a educação: Mentes, Materialidades e Metáforas. Tradução de Camila De Paoli Leporace. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2021.

A mulher como a mente estendida do homem: desequilíbrio e sobrecarga*

A Tese da Mente Estendida, desenvolvida pelo cientista cognitivo Andy Clark, sugere que a mente se estende para além do cérebro. O ambiente, as tecnologias, as instituições, as linguagens que criamos são todas formas de estendermos as nossas mentes. O próprio corpo é considerado extensão da mente também, sendo concebido, nessa perspectiva, como a primeira tecnologia cognitiva a que temos acesso durante as nossas vidas.

Mais do que apenas potencializar a cognição, esses recursos, externos ao cérebro e ao organismo humano como um todo, são vistos como constitutivos da mente; ela não existiria sem eles. A Tese preconiza, ainda, que a função de todos esses elementos é permitir um offload ou uma redução da carga da atividade cerebral; isto é, a partir da distribuição da operação cognitiva entre todos esses componentes, o cérebro não precisa ficar encarregado da atividade mental sozinho; em suma, não precisa ficar sobrecarregado. O exemplo mais clássico é o do celular que, ao guardar os números de telefone e tantas outras informações para nós, nos alivia de ter que memorizar tudo isso.

Críticos da Tese da Mente Estendida colocaram uma questão que, nomeada como cognitive bloat, se resume no seguinte: se a mente humana se estende por esses domínios externos ao organismo, e esses domínios incluem as outras pessoas, seriam então as mentes de outras pessoas consideradas também parte da mente de um determinado indivíduo?

Desde 2017, venho estudando essa Tese e as críticas a ela, além de outras perspectivas que guardam semelhança com a ideia da mente estendida. E acredito cada vez mais que sim, as mentes de outras pessoas podem ser extensões da mente de um determinado indivíduo. Isso não é necessariamente ruim. Afinal de contas, construímos juntos, criamos juntos, a inteligência é compartilhada. Muitas coisas que existem – projetos, ideias, famílias, conversas – somente existem porque são construções coletivas. E isso é ótimo.

Mas, para pensarmos assim, é preciso que todas as mentes envolvidas se beneficiem dessa espécie de expansão mental proporcionada por tais compartilhamentos. E nem sempre é esse o caso. Talvez, pelo olhar de uma mulher, eu possa contribuir com uma outra perspectiva hoje, neste 8 de março, dia em que se celebra o Dia da Mulher. E o olhar que quero trazer é o seguinte: seríamos nós, mulheres, extensões das mentes dos homens, tornando para eles tantas tarefas mais leves (ou reduzindo a quantidade de tarefas), enquanto nós seguimos sobrecarregadas – e sem ter para onde estender as nossas mentes?

Cena da minissérie MAID (Netflix), que recomendo muito que você,
que está lendo este post, assista!

Não faltam dados que mostram que essa hipótese é verdadeira. Historicamente, nós mulheres temos progredido em nossos direitos, alcançado lugares a que antes jamais poderíamos chegar e assumido posições também outrora impensáveis para o “segundo sexo” (obrigada, Beauvoir). Mas ainda temos um longo caminho pela frente, até porque, na não linearidade típica do fluxo da vida, retrocedemos (principalmente graças ao fascismo, diga-se de passagem) bastante nos últimos tempos.

Esse longo caminho ainda por vir anseia pelo fim definitivo da ideia de que mulheres são responsáveis pela casa e homens “ajudam”. Substitua a casa na frase por: os filhos, o cuidado com pessoas idosas e/ou doentes, as decisões sobre compras de mercado, sobre as prioridades domésticas etc. Muitas vezes, homens contribuem com a casa e os filhos, mas precisam que a mulher diga tudo o que precisa ser feito, caso contrário não tomam iniciativa alguma. Isso significa que por vezes as tarefas até são divididas, mas recai sobre a mulher o gerenciamento das coisas em casa.

Você já viu uma gerente ganhar menos do que a equipe a ela subordinada? Não. Tomar decisões é uma tarefa pesada e deveria ser reconhecida e valorizada; quase nunca é, no caso da mulher sobrecarregada (recomendo estes quadrinhos aqui para que quer um resumo perfeito disso).

Nós, mulheres, por mais que tenhamos a tecnologia para nos ajudar em nossas tarefas cognitivas (muitas delas são tecnologias que reproduzem os estereótipos e preconceitos, e que precisam de nós para ficar menos enviesadas), ainda tendemos a ser o “HD externo” de muitos homens, como bem colocou a Karla Fontoura no Planeta Ella no Instagram há alguns dias (@planetallea).

Acabamos tendo que contar com outras mulheres, que compreendam a nossa sobrecarga, para serem as nossas “mentes estendidas”. Formamos as nossas redes de apoio. Pedimos as nossas ajudas a quem acaba nos entendendo mais facilmente. Enquanto isso, boa parte dos homens segue recorrendo às mulheres para fazerem offload cognitivo; isto é, liberar-se de tarefas chatas e cansativas para que possam cuidar do que realmente interessa ou o que é divertido (seja o seu trabalho, sua pesquisa acadêmica, suas amizades, o futebol e por aí vai).

Em relações em desequilíbrio, sempre sobra para alguém; quando sobra para alguém, esse alguém deixa seus sonhos em standby, suspende os planos, deixa de seguir em frente para dar conta de algo que não deveria ser só seu. Para toda mulher que trabalha como mente estendida de um homem – no sentido que aqui expliquei como negativo – existe um homem acomodado que não se preocupa em sair dessa posição.

É muito válido e muito bonito dizermos que “fulana é meu braço direito”. Mas a reciprocidade é fundamental e temos que persegui-la sem cansar.

*Dedico este texto a todas as mulheres, especialmente às minhas amigas, e aos homens bacanas com quem trabalho e convivo diariamente e que sei que olham para essas questões. Tive a sorte de ter sido criada por um homem que me respeita, me incentiva e me estimula a ser quem eu quiser ser. Acredito, por causa do meu pai e desses homens bacanas, que podemos seguir sendo mentes estendidas uns dos outros no sentido coletivo, no sentido das trocas constantes, e não da sobrecarga feminina.

Breve ideia que me deixou feliz… e então compartilho!

Tive o prazer de participar do XI Curso de Verão promovido pelo INCOg, da PUC-Rio, apresentando ideias da mente estendida. Sempre ficava incomodada com as referências bibliográficas apertadinhas em letras miúdas ao final da apresentação e que não facilitavam em nada para quem quisesse se aprofundar.

Desta vez, resolvi então inovar: fiz um post no meu blog contendo todas as referências, inclusive livros e imagens usados ou mencionados na apresentação, e gerei um QR Code e um link rápido para ele.

Quem não assistiu mas tem interesse, pode dar uma olhadinha se quiser. Aqui está o post.

Fiquei feliz de ter tido essa ideia, achei uma boa solução que pretendo adotar daqui por diante. Ah, e não foi do nada: eu tive essa ideia quando circulei por uma exposição esta semana em que o artista (Jens Müller, que está expondo aqui em Coimbra no Centro Cultural Penedo da Saudade; veja o Insta dele) colocou nas paredes do centro cultural o QR Code levando para o Instagram dele. Nada se cria, tudo se recria, e isso está totalmente alinhado com a tese de Andy Clark. Nossa cognição se forma em camadas, aproveitamos tudo que está no entorno para avançar de “nível” cognitivo.

A Mente Estendida: Esboços do Mundo

Este post é um complemento à aula que dei no XI Curso de Verão do INCOg/PUC-Rio sobre a Tese da Mente Estendida. Coloquei aqui os links, imagens, vídeos e inspirações que usei na apresentação, para que ficassem disponíveis para quem deseja saber mais.

A aula está disponível no vídeo a seguir.

O que vemos quando olhamos para uma obra de arte, um quadro, uma pintura, é o resultado de muitas tentativas e erros, trabalhos e retrabalhos. Esboços. Rascunhos. E, mesmo depois dos rascunhos, a obra de arte em si é constituída a partir de muitas camadas.

A tese da mente estendida desenvolvida por Andy Clark nos convida a ter essa perspectiva da mente e da cognição humana, como se estivéssemos sempre fazendo um processo de tentativa e erro para entender o mundo e as coisas que acontecem com a gente e em torno de nós. A abordagem nos leva a entender a formação da mente humana em camadas, que vamos adicionando na medida em que experimentamos as mais diversas atividades de estar no mundo e de conhecer o meio.

Abaixo há uma série de referências e vídeos para quem deseja saber mais sobre a tese e descobrir como a atividade mental humana é mais ativa, fluida e imaginativa do que talvez pudéssemos conceber:

  1. No livro DESEDUCANDO A EDUCAÇÃO: MENTES, MATERIALIDADES E METÁFORAS, lançado por um grupo de professores do Departamento de Educação da PUC-Rio (prof. Ralph Bannell, Mylene Mizrahi e Giselle Ferreira) em 2021, há um capítulo que se chama Para além do cérebro nu. Trata-se da tradução do capítulo 8 do livro Mindware, de Andy Clark. Este capítulo é fundamental para compreender mais sobre as ideias que apresentei no Curso de Verão do INCOg (em breve posto o vídeo da apresentação aqui);
O livro pode ser baixado gratuitamente no site da
Editora PUC-Rio
http://www.editora.puc-rio.br/

2. A artista que aparece pintando, e cujas imagens usei para ilustrar a questão das camadas na pintura, é canadense e se chama Lori Mirabelli. Assista a este vídeo completo dela e ouça as explicações sobre as camadas; mesmo para quem nao é artista, é o maior barato acompanhá-la mostrando esse processo interessantíssimo:

3. O livro cuja capa aparece no quarto slide é o “Oxford Handbook of 4E Cognition”, editado por Albert Newen, Leon De Bruin e Shaun Gallagher; saiba mais sobre a publicação aqui.

The Oxford Handbook of 4E Cognition

4. O livro em que Andy Clark aprofunda a questão das previsões cerebrais e como elas se acomodam com sua teoria da mente estendida se chama Surfing Uncertainty – Prediction, Action and the Embodied Mind e você pode saber mais sobre ele aqui.

5. Abaixo está o vídeo completo sobre as previsões cerebrais, cujos trechos apresentei na minha aula. O vídeo é ótimo, o único inconveniente é que não tem legendas em português (e nem mesmo em inglês). Mas vale a pena assistir – e você pode usar o recurso de abrir a transcrição do vídeo e depois traduzi-la num tradutor online, se precisar. A aula do vídeo é dada por Anil Kumar Seth, professor britânico de Neurociência Cognitiva e Computacional na Universidade de Sussex.

6. O desenho de Otto e Inga, reproduzido abaixo, foi feito por Helen de Cruz, filósofa e artista, e faz parte de uma série de ilustrações que ela fez para tentar materializar visualmente experiências filosóficas. Esses desenhos incríveis podem ser vistos neste link aqui.

7. A imagem abaixo, que achei poderosa para ilustrar a ideia de andaimes introduzida por Clark para abordar as extensões da mente, está numa matéria da Scientific America apropriadamente intitulada How Room Designs Affect Your Work and Mood.

8. A imagem do post, lá em cima, e que abre a apresentação, eu achei aqui

9. A apresentação em Power Point está disponível aqui

10. Referências Bibliográficas da apresentação/aula:

CLARK, A.; CHALMERS, D. The extended mind. Analysis, 58 (1), p. 7-19, 1998.

CLARK, A. Para além do cérebro nu. In Bannell, R. I., Mizrahi, M., Martins dos Santos Ferreira, G. (Orgs.) (Des)educando a educação: Mentes, Materialidades e Metáforas. Tradução de Camila De Paoli Leporace. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2021.

CLARK, A. Being there: putting brain, body, and world together again. Cambridge, MA: MIT Press, 1998.

_________. Natural-Born Cyborgs. Minds, Technologies and the Future of Human Intelligence, New York: Oxford University Press, 2003.

_________. Supersizing the mind: embodiment, action, and cognitive extension. Oxford: Oxford University Press, 2011.

_________. A. Mindware. Cambridge: MIT Press, 2014.

DELLERMANN, D., EBELl, P., SÖLLNER, M., & LEIMEISTER, J. M. (2019). Hybrid Intelligence. Business and Information Systems Engineering, 61(5), 637–643. https://doi.org/10.1007/s12599-019-00595-2

GALLAHER, S. Philosophical Antecedents of Situated Cognition. In: ROBBINS, Philip, e AYDEDE, Murat. The Cambridge Handbook of Situated Cognition. Cambridge University Press, 2009.

NEWEN, A,; DE BRUIN, L.; GALLAGHER, S. The Oxford Handbook of 4Es Cognition. New York: Oxford University Press, 2018.

ROBBINS, P., e AYDEDE, M. The Cambridge Handbook of Situated Cognition. Cambridge University Press, 2009).

RUPERT, R. Cognitive Systems and the Extended Mind. New York: Oxford University Press, 2009.

SOEKADAR, S., CHANDLER, J., IENCA, M., & BUBLITZ, C. (2021). On The Verge of the Hybrid Mind. Morals & Machines, 1(1), 32–45. https://doi.org/10.5771/2747-5182-2021-1-32.

XI Curso de Verão em Neurociência Comportamental INCOg PUC-Rio / Fevereiro de 2022

Assim como nas edições anteriores, serão abordados diversos tópicos na área de Neurociência Comportamental com abordagem prática e metodologia hands on, promovendo, assim, aulas dinâmicas e acessíveis a interessados de todas as áreas do conhecimento.

Esta edição, excepcionalmente, acontecerá de forma virtual. A plataforma Zoom será o meio de transmissão. Haverá palestras e mesas-redondas de profissionais, pesquisadores, e professores de diferentes universidades do Brasil.

Esta é uma iniciativa do INCog – Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Neurociências e Cognição da PUC-Rio.

Inscrições: http://incog.com.br/xi-curso/100-xi-curso/138-incricoes

Programação: http://incog.com.br/xi-curso/100-xi-curso/137-programacao
Para mais informações: incog@puc-rio.br.

Natural-Born Cyborgs (Andy Clark)

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EN

The philosopher and cognitive scientist Andy Clark, together with the philosopher David Chalmers, is the proponent of the Extended Mind Thesis, which they released in their famous essay published in 1998. In this book, Natural-Born Cyborgs – published in 2003 – Clark proposes that we, humans, are cyborgs due to our capacity of coupling with technologies. Through our connection with all kinds of devices – not only the digital ones – we can add a wide range of resources to our cognitive systems, in a process that extends our minds through the world. Clark, therefore, advocates that the human mind is not restricted to the brain and even not to the body (and he uses a few interesting, unusual expressions to refer to these features, such as “skinbag”, “brainbound”, “naked brain” so on). Andy has published several amazing books, but this is still one of my favorites. If you like technology and are interested in human-technology relations, I am sure you will love it.

PT

O filósofo e cientista cognitivo Andy Clark, junto com o filósofo David Chalmers, é o proponente da Tese da Mente Estendida, que eles lançaram em seu famoso ensaio de 1998. Neste livro, Natural-Born Cyborgs – publicado em 2003 – Clark propõe que nós, humanos, somos ciborgues pela nossa capacidade de acoplamento com as tecnologias. Por meio de nossa conexão com todos os tipos de dispositivos – não apenas os digitais – podemos agregar uma ampla gama de recursos aos nossos sistemas cognitivos, em um processo que estende nossas mentes pelo mundo. Clark, portanto, defende que a mente humana não está restrita ao cérebro e nem mesmo ao corpo (e ele usa algumas expressões interessantes e incomuns para se referir a essas características, como “skinbag”, “brainbound”, “naked brain”). Andy publicou vários livros realmente bons, mas este ainda é um dos meus favoritos. Se você gosta de tecnologia e tem interesse nas relações entre humanos e tecnologia, tenho certeza de que vai gostar muito deste livro.

O filósofo e cientista cognitivo Andy Clark, junto com o filósofo David Chalmers, é o proponente da Tese da Mente Estendida, que eles lançaram em seu famoso ensaio de 1998. Neste livro, Natural-Born Cyborgs – publicado em 2003 – Clark propõe que nós, humanos, somos ciborgues pela nossa capacidade de acoplamento com as tecnologias. Por meio de nossa conexão com todos os tipos de dispositivos – não apenas os digitais – podemos agregar uma ampla gama de recursos aos nossos sistemas cognitivos, em um processo que estende nossas mentes pelo mundo. Clark, portanto, defende que a mente humana não está restrita ao cérebro e nem mesmo ao corpo (e ele usa algumas expressões interessantes e incomuns para se referir a essas características, como “skinbag”, “brainbound”, “naked brain”). Andy publicou vários livros realmente bons, mas este ainda é um dos meus favoritos. Se você gosta de tecnologia e tem interesse nas relações entre humanos e tecnologia, buscando uma nova abordagem para o assunto, tenho certeza de que vai gostar muito deste livro.

CLARK, ANDY. NATURAL-BORN CYBORGS. Oxford University Press, 2003.