É preciso reduzir a distância da educação a distância

A educação a distância é capaz de gerar muitas oportunidades e abrir um sem-número de possibilidades. É uma modalidade que tem muito a crescer. No entanto, considero essencial que tenhamos um posicionamento crítico e reflexivo em relação ao uso das tecnologias digitais na educação, de um modo geral, incluindo-se aí a EaD.

A ideia da “distância” na EaD me incomoda, em um certo sentido; penso que devemos reduzir a distância da educação a distância, digamos assim. É importante nos preocuparmos para que, no espaço virtual da educação a distância baseada em tecnologias, não desapareçam as subjetividades, as particularidades de cada aluno e de cada professor. Cada um que participa do processo de ensino-aprendizagem carrega um olhar, uma série de experiências, muitas expectativas, ansiedades, filosofias. E isso tem um valor enorme para que aconteça uma educação humanizada, inclusiva e rica em vários sentidos.

Quando o ensino é presencial, essas subjetividades naturalmente aparecem, pois alunos e professores levam os seus corpos, a sua presença física para o ambiente de aprendizagem. Já a experiência restrita ao online, na modalidade a distância, envolve o risco de separar o sujeito de seu corpo – o qual é parte essencial do conjunto cognitivo de um indivíduo, apesar de às vezes isso ser esquecido (vide as reportagens sobre como O CÉREBRO aprende, O CÉREBRO se emociona, mas… o cérebro não está sozinho nessa…! É o corpo todo que vai junto com ele!).

Se há apenas o ambiente online para a aprendizagem, essas especificidades ficam escondidas, prejudicadas pela pasteurização que tantas vezes emerge da redução de indivíduos a logins. Especialmente quando se trata de um processo voltado para uma educação para a vida, ou seja, para a formação dos estudantes de um modo amplo, creio que isso pode ser bastante prejudicial. Talvez seja menos danoso no caso do ensino de uma habilidade mais focada na técnica, na aplicação imediata.

Soma, e não substituição

Diante disso, o caminho que me parece mais interessante para somarmos as potencialidades das tecnologias com a manutenção dessas importantes trocas de experiências é o da união de experiências online com experiências offline, sejam aulas, palestras, encontros, treinamentos, enfim.

Para diminuir a distância da educação a distância, também creio ser preciso oferecer apoio e incentivo ao aluno, de forma permanente. Estudar a distância, afinal, sempre exige uma dose maior de disciplina, organização, concentração e capacidade de priorização por parte do estudante. Ajudá-lo a evoluir com relação a essa organização e planejamento pode, então, contribuir para manter esse aluno interessado, confiante e motivado.

A motivação pode ser ainda maior quando o estudante encontra um ambiente virtual de aprendizagem intuitivo, que funcione bem, e ao mesmo tempo seja acolhedor; quando, nessa experiência virtual, ele encontra ferramentas bacanas e um conteúdo ao mesmo tempo envolvente, bem apresentado, claro e objetivo. E esse esforço de colaborar com a experiência do aluno e de apoiá-lo em sua aprendizagem a distância tem como pilar fundamental justamente o conhecimento que se tem desses alunos, que vem da convivência presencial com eles. Então, o online e offline retroalimentam-se. Um não deve substituir o outro.

O potencial das tecnologias digitais na educação a distância não é de substituição das capacidades humanas, mas de ampliação dessas capacidades. 

As iniciativas já existentes no sentido da união entre educação e tecnologias – cursos online, e-books e outros materiais digitais, ambientes virtuais de aprendizagem, o uso do machine learning em plataformas adaptativas, a gamificação de plataformas etc – têm sido essenciais para consolidar essa parceria entre educação e tecnologias digitais.

No entanto, educação e tecnologias podem ser aliadas mais fortes ainda se, por exemplo, conseguirmos minimizar dificuldades relacionadas à democratização do acesso à educação, utilizando as tecnologias digitais para isso. Não devemos perder de vista que essas tecnologias podem, ao mesmo tempo, contribuir para essa democratização ou causar mais problemas nesse sentido, uma vez que, se elas ampliam as possibilidades de aprendizagem e acesso à informação, isso precisa idealmente ser para todos, não apenas para alguns – caso contrário, a defasagem entre quem tem o acesso e quem não tem será ainda maior.

Acredito que a principal forma de aumentar e tornar mais eficaz ainda essa relação entre a educação e as tecnologias, de modo geral, é conhecendo as implicações das tecnologias digitais a nossa sociedade, analisando os seus impactos, de forma profunda. Por exemplo, precisamos pensar na nossa relação com a inteligência artificial.

Há um enorme medo de que os robôs nos substituam, mas será que é por aí?

Em alguns casos, máquinas trabalharem por nós não parece ser um problema, pelo contrário, já que robôs e sistemas podem desempenhar certas tarefas de um modo até mais eficiente que humanos, sim – podem fazer inúmeros cálculos em pouco tempo, apenas para citar uma das situações. Mas, há outros casos, aqueles que envolvem as experiências nas quais não podemos prescindir da nossa relação direta com o mundo, com as outras pessoas, que representam algo único, algo que nos ajuda a crescer; esses casos não podem ser protagonizados ou pautados por algoritmos e robôs.

Algoritmos não podem resumir ou restringir as nossas experiências, e robôs não podem ter experiências como nós temos, e que são imprescindíveis para o nosso crescimento. Erramos, acertamos, sofremos, comemoramos, tentamos de novo: isso é humano. Criamos, testamos, compartilhamos com os outros o que pensamos: isso é humano.

Muito do medo das tecnologias, acredito, vem do receio da perda de espaço, vem do medo de que as máquinas nos tornem obsoletos. Na verdade, devemos pensar em ampliação, parceria, novas possibilidades para quem aprende e para quem ensina.

Conteúdo digital para a educação: uma breve reflexão

Desde 2005, quando me graduei em jornalismo, tenho trabalhado produzindo conteúdo para a Web. Passei por projetos de vários tipos, em várias empresas, com temas variados. Comecei minha carreira num site de notícias que hoje seria considerado uma espécie de startup, termo que não se usava na época. Trabalhei no British Council, na Infoglobo por quase quatro anos, fiz consultoria para a Petrobras, passei por agências digitais, trabalhei com intranet na Oi, fiz projetos para a Fundação Roberto Marinho, o Ibmec e, mais recentemente, a startup de educação Tamboro. Faço projetos para o Museu do Amanhã. Volta e meia, escrevo reportagens para o site Porvir. Entre todos os temas com os quais lidei, a educação me fisgou.

O primeiro contato que tive com a educação profissionalmente foi há 11 anos, quando escrevi uma reportagem, que ganhou dois prêmios de jornalismo, sobre déficit de atenção e hiperatividade, e com ela pude conhecer vários professores e pais de crianças que me contaram das dificuldades delas enquanto alunas, e também me revelaram o quanto a vida dos estudantes ficava mais difícil por conta da incompreensão daquele jeito “agitado e desatento” deles. Depois, trabalhei em um projeto de educação para a sustentabilidade para o British Council, onde era analista de comunicação digital. O projeto me possibilitou vivenciar diversos ambientes da educação, espaços de educação formais e não-formais, todos muito além do online – apesar de usarmos blogs, redes sociais e o site do projeto para comunicar e educar sobre meio ambiente. Frequentávamos as escolas, falávamos com os alunos, professores e coordenadores, conversávamos para entender as necessidades deles.

Na Infoglobo, coordenei O Livreiro, uma rede social voltada para apaixonados por livros. Meu primeiro trabalho foi ir à FLIP, a partir de uma narrativa que eu mesma criei e a chefe aprovou: o Mochilão do Livreiro. A ideia era mostrar a FLIP para quem era estudante, ia com pouca grana para Paraty ou já morava lá e todo ano via a FLIP acontecendo em sua cidade, mas sem atividades voltadas para jovens fora dos círculos intelectuais de debates. De mochila, mesmo, saíamos – em equipe – pela cidade distribuindo livros, promovendo ações, sentando em rodas para mostrar e-readers para crianças e adolescentes e ler livros com eles – ações offline, mas que tinham tudo a ver com a nossa rede, que era online.

Hoje, faço mestrado em educação, e sigo amando cada vez mais unir a comunicação digital à educação. Adoro produzir conteúdo digital para projetos educacionais, principalmente quando percebo que eles vão ter uma real relevância para a galera que terá acesso a eles. Mas, quanto mais digital o mundo fica, quanto mais digitais todos nós ficamos, mais eu penso o quanto nós temos que olhar para o offline, que é de onde viemos, é parte do que somos. Somos online e somos offline: tudo junto e misturado. Andy Clark, filósofo britânico que é figura central em minha pesquisa de mestrado, diz que somos ciborgues naturais, seres híbridos, porque o nosso acoplamento com as tecnologias é natural. Híbridos que somos – e eu concordo com ele – precisamos nos valer desse hibridismo, conversar, viver; fazer bom conteúdo é, afinal, ouvir as pessoas, é se enredar por narrativas, histórias, conhecer novos espaços, estar aberto a aprender, a se surpreender. Precisamos manter viva a curiosidade, e estar dispostos a cometer erros, mesmo que isso fique escancarado nas redes sociais – e daí, quem nao erra?

Na educação, para produzir bom conteúdo em meio às novas tendências tecnológicas, é isso que percebo: que não podemos perder a vontade de surpreender e de ser surpreendidos, e que não podemos esquecer que fazemos conteúdo para pessoas. Tudo o que falarmos e escrevermos terá um impacto super importante na vida delas. Cada “login” que se conecta para estudar online num ambiente virtual de aprendizagem é uma pessoa, é alguém cujo tempo dedicado aos estudos não se resume ao “time on site”; cujas dificuldades ou aptidões provavelmente não estão todas refletidas nas métricas vindas da aprendizagem adaptativa baseada em machine learning; é um aluno querendo aprender, um ser híbrido, online e offline o tempo todo, mas de carne e osso. Somos ciborgues naturais fazendo educação para ciborgues naturais. Mas o lado humano desse hibridismo não pode ser esquecido, em momento algum…!

 

Imagem: Giu Vicente @ Unsplash

John Searle e a consciência

Neste TED, a fala é de John Searle, 85 anos de idade (um pouco menos à época desse vídeo), 30 anos depois do seu famoso argumento do Quarto Chinês. Excelente para quem quer saber por que a consciência é uma questão, o que é o “mind-brain problem” e o que isso tem a ver com computadores, além de lembrar por que Descartes estava certo em ao menos uma questão fundamental: se pensamos/duvidamos/questionamos a própria consciência, é porque existimos!

Vício em tecnologia: o que estamos fazendo?

Escrevi uma matéria sobre o uso da tecnologia de inteligência artificial da IBM (chamada Watson) no Museu do Amanhã do Rio de Janeiro e na Pinacoteca de São Paulo. No Museu do Amanhã, o recurso localiza-se ao final da exposição principal, que é permanente. Para entender com detalhes como funciona e ler outros depoimentos e entrevistas, peço que o leitor visite a página da matéria no site Porvir, onde foi publicada.

O que venho abordar aqui neste post é uma das reflexões que a apuração da matéria me trouxe. Para levantar as informações, fui conhecer pessoalmente a tecnologia no Museu do Amanhã, batizada de IRIS+. Lá, conversei com especialistas e visitantes, entre eles um garoto de onze anos, para colher depoimentos para a reportagem. Eis que, ao lhe perguntar o que o afligia, ele respondeu: o vício. Tímido, foi bem sucinto em sua resposta, mas nem precisava mesmo falar muito, impactante que soou aquela afirmação para mim. Para completar, lhe perguntei o que ele havia aprendido ali, naquele dia, e ele me contou que se deu conta de que a tecnologia não é so vicio, mas pode ajudar as pessoas, também.

Tela da IRIS+, inteligência artificial do Museu do Amanhã

Talvez os familiares e professores desse menino já tenham chamado a sua atenção por ele estar “pendurado” no tablet, videogame ou no celular (como acontece com o meu enteado, esse da foto do post, ou outras tantas crianças que conhecemos). Talvez não. Mas o fato é que, caso esteja acostumado a ouvir esse tipo de comentário, ele é somente um em meio a um mar de dependentes das tecnologias, sejam eles jovens ou não. Muitas vezes, quem chama a atenção das crianças também está no caminho de se viciar, ou já é viciado. Ao menos, ele demonstrou uma postura consciente a respeito da questão.

Não vou, neste post, entrar no mérito de discutir o que caracteriza vício ou dependência. Há quesitos médicos para identificá-los? Sim. Mas, aqui, vou me limitar à faceta do vício que é aquela do bom senso e do bem estar (talvez a primeira barreira a ser ultrapassada rumo a uma dependência maior): se está nos fatigando, nos esgotando, roubando nosso tempo de atividades importantes, fazendo as pessoas chamarem a nossa atenção… tem grandes chances de ser vício. Foi assim com Catherine Prince, que escreveu este artigo para o New York Times. Ela concluiu que precisava encontrar uma maneira mais saudável de se relacionar com seu smartphone.

Lembro que fiquei absolutamente impressionada quando, ao assistir “Lo and Behold, Reveries of the Connected World”, de Werner Herzog (sobre o qual já comentei aqui antes) soube que adolescentes usam fraldas porque se recusam a levantar para ir ao banheiro durante as intermináveis partidas de videogame que disputam, sem poder correr o risco de perder. O documentário versa sobre essas e outras impugnações do mundo digital, sem deixar de destacar, por outro lado, algumas das grandes maravilhas fascinantes da nossa vida tão conectada.

“Heroína eletrônica”

Em 2014, um estudo da Universidade de Hong Kong revelou que cerca de 6% da população mundial seria viciada em internet. Na China, existem centros de reabilitação para dependentes da rede, que são como acampamentos militares, como conta esta matéria do Business Insider. No vídeo abaixo, dá para sentir um pouco do clima de um local como esses:

Nesse minidocumentário, no qual os games aparecem como os campeões de vício, um especialista refere-se aos jogos como uma espécie de “heroína eletrônica”. Ele fala do tal medo (preocupante, para dizer o no mínimo) que os dependentes sentem quanto a pausar para ir ao banheiro e perder o jogo. Muitos aparecem fumando enquanto jogam, o que mostra outro vício associado. Outros não se identificam como viciados. Os pais são aconselhados quanto às formas de lidar com o problema dos filhos. O especialista questiona: “Vocês sabiam que eles se sentem sozinhos?”

Conectados, mas sozinhos

A pesquisadora Sherry Turkle reforça esse argumento. Estamos hiperconectados, mas… nunca estivemos tão sozinho, diz ela, que é autora de vários livros sobre o tema e professora no Massachusetts Institute of Technology (MIT).

As pessoas deixam de se comunicar num mundo em que só se fala em comunicações e no qual as redes sociais online proliferam. Batem seus carros porque estão lendo mensagens no celular, ou checando suas redes sociais. Vidas são perdidas – no sentido literal ou não – em função desse vício. Perdem-se vidas, perde-se tempo. Ganha-se tempo com as tecnologias, também, é claro; sou uma entusiasta delas, afinal. Mas faço questão de criticá-las. Penso ser fundamental que todos nós façamos isso, pois somos os principais interessados. Tecnologias são feitas por nós e para nós, então para que nos interessam? Como podem nos ajudar, ampliar nossas capacidades, contribuir para que evoluamos como sociedade? Mais do criticar, isso é buscar aprofundamento, tentar compreender a função das tecnologias, o que está por trás delas, o que nos move para que tentemos tanto desenvolvê-las, aonde queremos chegar, em que elas nos transformam. Quem somos com as tecnologias? Quem seríamos sem elas? Somos dominados por elas ou as dominamos? #ficaareflexão

Imagem do post: foto de Luís Berbert

Robôs: tecnologia corporificada?

O robô da foto acima é o Asimo, criado pela Honda. A primeira versão dele foi lançada em 1986. O Asimo anda, corre, sobre escadas, segura objetos, entende de comandos de voz; é um robô cada vez mais completo. Será mesmo?

Apesar de fazer tudo isso, Asimo consome 16 vezes mais energia que nós, humanos, para andar. Essa ineficiência energética decorre do fato de que, nesse robô, tudo é uma questão de processamento central: todo movimento que ele realiza, todas as suas ações são fruto de um design baseado em algoritmos, que resolvem questões relacionadas às funções da visão, navegação e do equilíbrio desse robô; os algoritmos passam instruções detalhadas para a máquina seguir.

Além da ineficiência energética, um outro problema que o Asimo enfrenta relaciona-se ao seu equilíbrio: ao caminhar sobre uma superfície plana, ele dá conta do recado. Mas, se precisar fazer movimentos para se resguardar de oscilações no chão, por exemplo, ele falha tentando realizar cálculos que o mantenham de pé.

Andrew D. Wilson é um cientista cognitivo interessado no estudo de robôs que conseguem aproveitar o ambiente para se saírem melhor nas tarefas para as quais são designados. Ele propõe em um artigo publicado no Psychology Today a comparação do Asimo a um outro robô, chamado Big Dog, desenvolvido pelo Leg Lab do MIT*. Contando com membros elásticos, ligamentos bem localizados, caudas que se movem corretamente por causa da forma como foram construídas, e não porque há um processador central no comando, diz Wilson, Big Dog se sai muito melhor do que Asimo no quesito movimentos corporais.

A forma como Big Dog foi pensado e construído voltou-se para o aproveitamento máximo do ambiente “real” (não de laboratório) com suas irregularidades e seus obstáculos. Esses elementos do ambiente, em conjunto com o “corpo” construído para o robô visando o melhor desempenho e fundamentado em suas características físicas, dá origem a um sistema dinâmico em que as partes se complementam. O resultado é que o Big Dog se sai muito bem em situações imprevisíveis; por exemplo, se cai, levanta; se é empurrado, seu “corpo” reage, e por aí vai.

O que esses robôs nos ensinam?

“A diferença entre os dois robôs é que o Asimo representa mentalmente suas habilidades, enquanto o Big Dog as corporifica”, diz Wilson. Isso significa que o Asimo precisa de um intrincado maquinário computacional, gerenciado por um processador central, capaz de apresentar um algoritmo para cada função que ele venha a exercer. Seu “corpo” é como se fosse um apêndice, um apoio; assim, para Wilson, o Asimo nao é de fato uma tecnologia corporificada: para sê-lo, precisaria de fato utilizar seu corpo e, na dinâmica com o ambiente, potencializar suas capacidades físicas. Esse é o caso do Big Dog e de muitos outros robôs, uma vez que essa tem sido a tendência no campo da inteligência artificial e da robótica.

Imagem: http://robohub.org/

O design do Asimo não reflete a forma como nós, humanos, funcionamos. Somos muito mais como o Big Dog.Nosso corpo aproveita o ambiente de diversas formas, algumas delas já exploradas aqui neste blog. Basta, para isso, nos observarmos andando a pé, correndo em ladeiras, pedalando bicicletas, andando de patins, enfim. Olhando para a forma de estarmos no mundo, de fato, poderemos ser melhores em produzir robôs. Mas para isso é necessário acreditar que nosso sistema cognitivo não se limita ao cérebro e que, acoplados ao ambiente, formamos com ele sistemas dinâmicos. Sobre isso, leia mais neste meu post aqui.

*Não encontrei, no site do MIT, o robô Big Dog, mas o artigo de Wilson é de 2012, então ele pode ter dado lugar a outros projetos (realmente não sei). De qualquer forma, a tendência no mundo da robótica é bem representada pelo Big Dog e por outros que você vê no MIT e em outros laboratórios, como os robôs-insetos da Barbara Webb.

 

 

 

 

O cérebro que prevê (The Predictive Brain)

Segundo Anil K Seth, professor de neurociência cognitiva e computacional na Universidade de Sussex, o conceito do cérebro como uma “máquina que prevê” teria sido introduzido pelo matemático Hermann von Helmholtz no século 19 (veja neste artigo dele sobre o “hard problem” da consciência).

O conceito, que ocupa lugar de destaque nos estudos do filósofo da mente Andy Clark, baseia-se na imagem do cérebro humano como uma máquina com diversas camadas capaz de realizar previsões; sinais sensoriais são processados em múltiplos níveis neurais, que procuram predizer as informações sensoriais em fluxo. Essas previsões, inconscientes, nos preparam para lidar de forma rápida e eficiente com a corrente de sinais vindos do mundo.

Sendo assim, se o sinal sensorial que aparece é o esperado, nós vemos e ouvimos coisas que já começamos a nos preparar para ver e ouvir, ou revelamos comportamentos que já começamos a organizar. Mas, e se as coisas não saem como esperamos? Aí, acontece o chamado sinal de erro de previsão, que é calculado em cada área e nível de processamento neural, e revela que a previsão que fizemos estava errada. O cérebro é convidado a tentar novamente, armado com informações específicas que já incluem os novos erros. Dessa forma, o cérebro está permanentemente tentando adivinhar a forma e a evolução dos sinais sensoriais correntes, utilizando, para isso, o conhecimento armazenado do mundo.

Essa forma de o cérebro acoplar-se com o mundo pode nos ajudar em situações corriqueiras, como quando, em uma festa lotada, na qual está tocando música em volume alto, alguém chama nosso nome. Em meio a aqueles ruídos todos, conseguimos distiguir o chamado. Isso acontece, segundo a tese do predictive brain, porque o cérebro usa informação armazenada para realizar previsões sobre a ocorrência sensorial, e essas previsões ajudam a separar o sinal do barulho, revelando-nos o que realmente interessa no vasto mundo que habitamos.

Filosofia, ciência e o cérebro que prevê

Andy Clark é um filósofo que trabalha lado a lado com neurocientistas em busca de compreensão sobre como funcionamos, agimos, pensamos, aprendemos. Na University of Edinburgh, em que ele dá aulas, Clark realiza pesquisas junto a equipes dos laboratórios de inteligência artificial e robótica da universidade.

Clark está envolvido também no projeto X-SPECT, no qual, junto a outros especialistas, desenvolve pesquisas para aprofundar a teoria do predictive brain, por meio de experiências práticas. O grupo parece estar buscando ampla divulgação científica dos estudos, uma vez que criou página no Facebook, conta no Twitter e um site bem didático.

Clark é muito ativo e escreve sem parar. Em artigo recente, ele discute possíveis questões éticas advindas do predictive brain. De fato, dependendo do tipo de previsão que o cérebro fizer, com base em conhecimentos armazenados a partir de experiências anteriores, as consequências podem ser bastante complicadas. Ele usa como exemplo as estatísticas elevadas de homens negros baleados pela polícia que acreditava que eles estavam armados, mas não estavam (mais nesta matéria do NY Times, citada por ele).

O que acontece é que estamos inseridos num cenário cheio de informações distorcidas, que se transformam em sinais sensoriais errados para nossos cérebros e podem resultar, assim, em ações desmedidas. Soma-se a isso a quantidade de preconceitos que armazenamos em nossa sociedade, e que contribuem para formular nossas “previsões cerebrais”…

Alucinações?

De certa forma, estamos “alucinando” o tempo todo, diz Clark. Para Seth, a percepção é uma “alucinação controlada” (ele diz: “In this view, which is often called ‘predictive coding’ or ‘predictive processing’, perception is a controlled hallucination, in which the brain’s hypotheses are continually reined in by sensory signals arriving from the world and the body”).

Não à toa, questões éticas nos rondam o tempo todo e, à medida que avançamos tanto na compreensão de nossas próprias tecnologias corporais naturais como nas tecnologias inventadas, temos que ter ainda mais atenção a elas, além de continuar a luta para combater nossos próprios preconceitos.

Hard Problem da consciência

No artigo de Seth, da Universidade de Sussex, ele conecta o eterno hard problem da consciência à abordagem do predictive brain. Vale muito a leitura. Repetindo o link:

The Real Problem –  It looks like scientists and philosophers might have made consciousness far more mysterious than it needs to be

 

Imagem do post: Kaleb Nimz @ Unsplash