Sobre esse vírus que chegou chegando, a educação a distância e… nós nisso tudo

O início deste texto vai parecer um pouco catastrófico, mas eu vou fazer a pergunta que quero fazer: onde você estava quando o mundo parou, quer dizer, quando a quarentena começou? O que estava fazendo, ou prestes a fazer? Quais eram os seus planos?

Certamente, se estava vivendo, você estava agindo e também tinha planos. Estava para realizar algo, tinha expectativas, estava à espera de alguma coisa. Tinha acabado de começar a faculdade, quem sabe um emprego novo, ou esperava conseguir um; ou tinha finalmente comprado um tênis de corrida para correr a sua primeira maratona. Havia comprado passagens para a sua lua de mel? Será que estava prestes a casar? Ou ia comemorar o aniversário com uma festa modesta, mas que reuniria os amigos principais… ou estava para estrear uma peça de teatro, ou começar a se acostumar com a ideia do filho na creche. O coronavírus não perguntou o que estávamos fazendo: ele simplesmente chegou.

E, ao chegar, encontrou o mundo como estava: vamos combinar, estava meio de pernas para o ar. Tudo andava muito acelerado. Se não tínhamos nada de novo acontecendo, a vida estava “parada” demais; sempre muitas demandas e muitas entregas para fazer, sempre muito trabalho, muita gente para atender. Ou pouco trabalho, mas também pouca grana, ou quem sabe muito trabalho e pouca grana. Tínhamos tanto a resolver. Ainda temos! Mas o planeta pediu pausa. Como é que se age em um momento de pausa? A gente não sabe muito bem. A gente não está acostumado a viver de uma forma mais devagar, de uma forma diferente, em que dar conta de tudo parece impossível. E a gente sempre se pendurou nos nossos celulares, mas agora parece que em breve vamos nos cansar de olhar para eles, uau.

Esta reflexão pode ser estendida ao ensino a distância. Como? Bom, muito antes de o coronavírus chegar, vínhamos debatendo o ensino a distância. Não só debatendo: vínhamos trabalhando a educação a distância. Alguns com mais cuidado e cautela, outros querendo endereçar a coisa de uma maneira menos crítica, o que é preocupante. Muitas eram as perguntas que vínhamos fazendo, enquanto educadores, estudantes, responsáveis pelo processo de aprendizagem, pais de alunos. Funciona? Não funciona? Dá para aprender mesmo com ensino online? Dá para acompanhar os alunos? Dá para avaliar os alunos?

Quando o vírus chegou, as perguntas estavam todas sem respostas, e assim continuam. Mas será que esta não é uma oportunidade para debatermos até mesmo as perguntas que vínhamos fazendo sobre ensinar e aprender a distância? Há tanto a ser questionado antes mesmo dessas perguntas que coloquei aí em cima. Um exemplo: no Brasil, muitos alunos não têm uma conexão de internet capaz de dar conta de assistir aulas. Poderíamos nos perguntar: e agora? Com essa conexão, como eles vão assistir aulas? Mas também poderíamos nos perguntar se é mesmo necessário manter o mesmo esquema de aulas expositivas. Por que as aulas têm que ser assim? Ou por que não têm que ser? Como podem ser? O que podemos fazer?

Puxando um fio a partir desta última pergunta, eu enfatizaria o plural que ela envolve. Se tem uma coisa que o coronavírus tem é isso, de ser coletivo: ele é de todos, não está deixando ninguém tranquilo, e não é porque estamos isolados fisicamente que podemos ou devemos ou queremos realmente nos isolar. A situação pede coletividade, ação em rede; exige que se pense no comum. Será que sabemos fazer isso? De verdade?

Certamente, se é para agirmos de maneira conjunta, não se pode esperar que um professor que ainda não tinha se familiarizado com as tecnologias digitais, seja pelo motivo que for (muitos apenas deram aulas presenciais em sua vida até hoje…), de repente se acostume com elas e consiga trazer soluções mirabolantes. Não se pode esperar que todos os problemas de conexão sejam resolvidos da noite para o dia. Ou que questões ligadas ao chamado letramento digital façam PLUFT! e simplesmente sejam todas acertadas, equilibradas. Não se pode esperar que alunos fiquem todos tranquilos, como se nada estivesse acontecendo, e nem que consigam dar conta de estudar de uma forma mais independente de repente, se nunca antes o fizeram; que consigam se concentrar mesmo em meio aos irmãos menores brincando ou porque têm que cuidar deles, e nem vou repetir a questão da qualidade da internet. Não adianta tampouco esperar que pais consigam ser necessariamente bons em homeoffice e em apoiar o homeschooling ao mesmo tempo. Tudo isso seria fazer mágica, não viver; seria ir contra o tempo de uma maneira que não podemos ir, pois, até que se prove o contrário, o vírus fez a gente diminuir o ritmo, e não aumentar. Então, o que não estava resolvido antes, não será resolvido de repente.

O que é que dá para fazer agora, seja você educador, responsável ou estudante (muitas vezes somos os três ao mesmo tempo)?

Já dei minha opinião sobre isso ali no alto, quando falei em coletividade: se tem uma única coisa que vai ter que mudar mais rápido é a nossa capacidade de avaliar o que conseguimos fazer, no caos, para colaborar. Se nada pudermos fazer, que ao menos não saiamos responsabilizando um lado só por uma coisa que envolve uma série de fatores em rede e uma coletividade. Vamos também respeitar quem está na educação há muito tempo e tem se empenhado constantemente para estudar e implementar caminhos? Essa também é uma atitude sensata!

Ficar revoltado porque a escola dos filhos não adotou aquela plataforma de inteligência artificial até hoje não vai adiantar nada; aliás, se quer um conselho de quem pesquisa o assunto, não temos comprovação de que isso funcione. Não vai adiantar nada também reclamar que cada professor do seu filho está agindo de um jeito x ou y: acredite, cada um está tentando fazer o melhor que pode, na velocidade que pode e com a criatividade e os recursos de que dispõe. Há trocas de ideia acontecendo e aulas e o vírus, e a vida rolando, tudo junto. Não está sendo assim com cada um de nós, afinal? Não estamos todos tentando reorganizar nosso tempo, nossas demandas? Também não adianta querer virar super mãe ou super pai, mais ainda do que já quer normalmente, e tudo bem não saber muito como lidar com a questão de os filhos estarem em casa e você também, cada um com sua lista de tarefas. Tudo bem não saber lidar com o que é novo, e aliás mesmo o que já não era novo como a educação a distância agora exige nova reflexão porque o contexto mudou!

E sim, é possível refletir e agir. Paralelamente. Ta aí uma coisa que o corona está ensinando.

É improdutivo ficarmos olhando para o que não podemos fazer. Coisa mais chata e frustrante é isso. Então, por que não olhar para o que podemos fazer? Podemos trabalhar nossa paciência, nossa calma. Podemos trabalhar nossa capacidade de agir juntos. Podemos ampliar a capacidade de ouvir, de nos abrir às ideias das outras pessoas. Repensar práticas, medos, preconceitos, por que não? Se tínhamos algo a perder, agora não temos nada, nadinha nesse sentido. É mergulho e ação; calma, mas não passividade. Podemos olhar para o nosso comportamento: será que podemos ser mais ativos? Mais atentos, mais curiosos, mais independentes? Podemos ajudar alguém? Sabemos pedir ajuda? Sim, é importante saber pedir ajuda! Se você é aluno, e eu considero que todos somos em algum sentido, pense que isso não tem a ver com aprendizagem ser a distância ou não: em todo processo de aprendizagem, sempre existem maneiras de o aluno ir se tornando mais independente e mais engajado. E também vale ser paciente para esperar ser ajudado; às vezes, a pessoa que vai te ajudar está também se preparando e já vai te responder. Somos os mais impacientes para receber respostas às nossas mensagens e aos nossos anseios, resolver os nossos problemas! E a quarentena ninguém nem sabe quando vai acabar, então… uau, que teste!

Porém, esta reflexão não será útil apenas para agora, mas para quando voltarmos à “normalidade”, que talvez nunca seja exatamente a mesma de antes. Tomara que não seja. Tomara que voltemos, claro, a nos encontrar e possamos ter encontros presenciais, o que desejo muito, pois não acredito que a educação a distância virá a substituir a “tradicional” – até por razões em parte parecidas com aquelas pelas quais não queremos só falar com nossos amigos e nossa família por vídeo (já estamos até meio cansados e foram-se apenas alguns dias). Os educadores, e nesse grupo me incluo, têm muito o que pensar e repensar sobre educação, educação a distância e a nossa postura diante de tudo isso. A distância na educação, aliás, demanda importante reflexão, seja na modalidade presencial ou online, que no fundo são dois lados de uma mesma moeda (post sobre isso aqui). E nós temos pensado e agido. E vamos seguir com nossos debates, nossas reflexões.

Antes que você diga algo como “poxa, mas a educação a distância está aí há tanto tempo, buscando uma solução, até hoje não encontraram?” lembre-se: não se trata de haver uma solução. A educação demanda perspectivas e caminhos, não uma única solução. Daí uma característica, aliás, das Humanidades; não somos de uma solução racional, única, que vai dar certo como A mais B. Entendemos que a educação envolve muitas questões, muitos problemas e diversas oportunidades. Geralmente, quem trabalha com educação trabalha muito e gosta muito do que faz, mas justamente por isso resiste a respostas pré-fabricadas e coelhos saindo de cartolas: quanto mais experiente o educador, mais ele sabe que isso não existe, aliás.

Temos um novo ingrediente: o senso de urgência em que a situação nos colocou. Mas não é com desespero, impaciência, cobranças absurdas e falta de sensibilidade que vamos chegar a algum lugar. Tudo indica que é com empatia, criatividade, compartilhamento e muito trabalho duro, e em conjunto. Quando algo assim chega… bom, não dá para vir com frases feitas, pois é a primeira vez que enfrentamos algo assim. As respostas que havíamos encontrado talvez tenham mudado, mas não é todo dia que as respostas mudam porque as perguntas também mudaram. Que excelente oportunidade temos nas mãos.

Imagem do post: Sharon McCutcheon @ Unsplash

Férias? Mas como é que se tira férias do doutorado?

Esta aí a pergunta que não quer calar: por que é tão difícil tirar FÉRIAS, desligar a cabeça um pouco, quando estamos envolvidos com uma pesquisa de doutorado (ou de mestrado)?

Acredito que a principal razão para essa dificuldade de parar quando estamos trabalhando em uma pesquisa se deve ao fato de que temos prazos e muita cobrança por produtividade, além de boletos e da vida que continua acontecendo e trazendo abacaxis novos para descascarmos todos os dias; mas, aprofundando um pouco mais essa análise, penso que há algo mais que muito nos desafia nessa etapa da vida.

Um trabalho de pesquisa a gente não desliga, não tem botão de off: você não tem como fechar a tela do seu computador e ir embora da pesquisa e reencontrá-la daqui a um dia, ou algumas semanas. A pesquisa mora em você. Você é a sua pesquisa e ela é você.

Não é como um trabalho “comum” em que é necessário usar um crachá; ou talvez o nosso crachá meio que esteja lá, pendurado, dia e noite. Se o trabalho de mestrando e doutorando não exige bater ponto, por outro lado quando abrimos os olhos de manhã pensamos na pesquisa e, ao dormir à noite, também! Na praia, pensamos na pesquisa. Na rua, conversando com as pessoas, pensamos na pesquisa. Vendo filmes às vezes pensamos na pesquisa. E não achamos tempo para ler romances. Como é que se desliga a cabeça, então?!

Bom, talvez nunca desliguemos. Quando o assunto da pesquisa nos instiga, nos interessa, ele passa a fazer parte de nós e não há como fechar a página (metaforicamente) e abri-la de novo no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. Na verdade, o que acho que precisamos fazer é buscar uma relação saudável com o fato de que a pesquisa está enlaçada conosco. Isso é um fato, então, forçar o desligamento não dá certo…

O que significa buscar essa relação saudável? Bem, uma das coisas que precisamos fazer é nos dar as férias e momentos de descanso, quando percebermos que estamos precisando. E, nesses momentos, nos envolver em outras atividades, de preferência que exijam a nossa concentração e dedicação momentânea a algo totalmente diferente.

Por exemplo, tirei uma semaninha após quatro anos sem parar de trabalhar e fui para uma cidade de praia. Em vez de ficar só sentada torrando no sol, comecei a praticar standup paddle e me apaixonei! Enquanto estava lá, em cima da prancha, não pensava em mais nada, a não ser nas remadas que tinha que dar, no vento, na água, com foco total nas tartarugas que de vez em quando eu via no mar!

Mesmo que não seja possível viajar ou fazer algo diferente, até porque a grana do pesquisador é tão curta quanto o tempo, é importante se organizar para ter uma vida saudável, com horários, uma rotina, espaço para por os pensamentos em ordem e para respirar. Dificilmente quem vive outra(s) rotina(s) entende o que vivenciamos (o que traz vááários problemas de relacionamento etc), mas, de certo modo, é assim que gostamos de viver, geralmente temos esse perfil, então nos cabe desenhar a melhor estratégia para viver esta vida louca vida de pesquisador.

Até porque, a ideia é que ela comece no mestrado/doutorado, não termine aí… mesmo que o governo do Brasil queira dizer o contrário neste momento ;/

A foto do post é de um entardecer lindo que prestigiei em Búzios-RJ.

Pontos de Interrogação em IA, machine learning e cognição humana – Parte 2

No primeiro post sobre as investigações que marcam os campos da IA, machine learning e cognição, comentei sobre o vídeo do Pedro Domingos sobre machine learning. Aqui, discuto um pouco do que ele falou, contrapondo com questões dos 4Es da cognição que venho pesquisando e também comentando aqui no blog:

“We’re actually now for the first time in history at the point where you could say you can have a supercomputer that is about as powerful as the human brain

Vamos olhar para este trecho: Domingos diz que atingimos, pela primeira vez, um ponto na história em que se pode dizer que poderemos ter um super computador quase tão poderoso quanto o cérebro humano.

Mas o que isso significa? O que significa ser tão poderoso quanto o cérebro humano? Se o cérebro humano é poderoso por fazer parte de um sistema dinâmico do qual participam nosso corpo com suas especificidades, o ambiente em que estamos inseridos, as tecnologias com as quais nos relacionamos e a sociedade de que fazemos parte, essa colocação dá muito o que pensar. Afinal, não é o cérebro sozinho que é “poderoso”, mas o sistema humano em interação com a natureza…

Vejamos agora este trecho:

“So the thing that is really holding us back is that we don’t understand well enough how, for example, learning works.

Neste trecho, Domingos diz que o que está impedindo a IA de ir mais longe é a falta de entendimento acerca de como o processo de aprendizagem acontece. Esse é o ponto (ou um dos) que leva a haver tanta pesquisa em cognição humana: ainda não se sabe como aprendemos e há muito o que se investigar sobre isso. Então, pode-se dizer que há algo em comum entre as investigações em machine learning e em educação: entender como o ser humano aprende. Se depender disso para que a aprendizagem de máquina avance, parece que isso ainda demora… 😉

If we were able to devise a learning algorithm that is truly as good as the one in the human brain, this would be one of the greatest revolutions in history. And it could happen any day at this point. At this point this is a problem that if we could solve it we solve all other problems. If I come up with a better machine learning algorithm, that algorithm will be applied in business, in finance, in biology, in medicine across the board”.

No trecho acima, o destaque vai para o desenvolvimento de um algoritmo que seria capaz de se sair tão bem na atividade de aprender quanto o cérebro humano. Mas será que a aprendizagem é mesmo algo que se deve a um algoritmo no cérebro humano? Como já reforcei acima, não parece ser o cérebro humano que aprende, sozinho. Se o nosso processo de estar no mundo, com um corpo, vivendo, experimentando, nos leva a aprender, como propõem as teses ligadas aos 4Es, como é que um algoritmo no cérebro daria conta disso tudo? Será que é mesmo assim que a cognição funciona?

Toda essa conversa levanta também questões como o que seria a inteligência humana, o que é aprendizado e o que a engenharia de software quer dizer quando afirma que um sistema aprende a partir de algoritmos – assuntos que pretendo explorar.

Pontos de Interrogação em IA, machine learning e cognição humana – Parte 1

Estou entrando no meu segundo ano de doutorado e agora estou focada em dois dos tópicos da minha pesquisa: 1) Estudar fenomenologia e pós-fenomenologia; 2) Estudar machine learning.

A minha pesquisa de doutorado é em filosofia da educação/filosofia da tecnologia, já que a minha inquietação é com as tecnologias digitais no contexto da educação. Tomo como base, porém, um referencial teórico menos comum nessa área que é o dos 4Es da cognição – um conjunto de teses e argumentos filosóficos que vêm sendo desenvolvido a muitas mãos por diversos pesquisadores que buscam entender como a mente humana funciona. Esses pesquisadores trabalham diversos tópicos relacionados à atividade cognitiva humana, como a percepção, a memória, a aprendizagem, a questão das representações, entre outros, levantando importantes questões ainda não resolvidas acerca desses elementos. Uma introdução bastante didática aos 4Es encontra-se no livro “A Mente Humana para Além do Cérebro”, que lancei em Portugal com outros vários pesquisadores em novembro de 2019, link para o PDF aqui.

Neste post, vou focar no segundo tópico de meus estudos atuais, o machine learning.

Uma pesquisa sempre parte de perguntas, já que nós, pesquisadores, desejamos ir em busca de respostas para alguma coisa. No caso da minha pesquisa de doutorado, ainda estou trabalhando para formular minhas perguntas, mas, a partir das inquietações que venho apresentando, posso dizer que a pergunta mais ampla seria como a inteligência artificial pode contribuir para a educação. Porém, essa indagação precisa ser lida de um modo mais amplo do que o da simples e imediata aplicação; não quero perguntar como a IA pode ajudar a educação partindo do pressuposto de que já ajuda (muito menos de que concentra todas as soluções), e que então precisamos entender como aplicá-la em sala de aula, mas um passo anterior, digamos assim. Como é que, entendendo a inteligência artificial e os questionamentos que ela suscita, nós podemos pensar sobre aprendizagem & tecnologias digitais? Quais as questões despertadas no âmbito da IA que, revelando aspectos da cognição humana, podem contribuir para pensarmos a educação, vista aqui de maneira mais ampla do que a sala de aula; a educação como aprendizagem de um modo geral, um estar-no-mundo baseado em um processo contínuo de aprendizagem?

Para ir em busca da compreensão de tais questões, cuja fundamentação é filosófica, neste momento estou em busca de compreender os desafios que impulsionam os pesquisadores da IA. O que eles querem encontrar? O que pretendem? O que sentem que falta nas pesquisas deles para que cheguem aonde desejam? Aonde eles desejam chegar?

Preciso, também, entender quais os cruzamentos que poderiam ser estabelecidos entre os questionamentos dos pesquisadores da IA e os questionamentos filosóficos para a tecnologia – uma vez que o aporte teórico que escolhi é aquele relacionado às abordagens cognitivas atuais, estou fazendo uma jornada rumo à fenomenologia, que trata de aspectos essenciais da percepção humana, do nosso estar no mundo, da forma como percebemos as coisas e agimos a partir de tais percepções; a fenomenologia é capaz de estabelecer um contraponto especial com a IA por vários motivos, entre eles por ir fundo nas questões do corpo, defendendo um estar no mundo corporificado que leva em conta as nossas características orgânicas de um modo muito particular e com muitas possíveis aplicações. Em breve farei um post sobre fenomenologia e um sobre pós-fenomenologia, a qual é bastante voltada para as questões específicas da relação humana com a tecnologia.

Em busca de questionamentos que marcam o campo da IA, buscando ampliar aqueles que já conheço superficialmente, tenho lido artigos e livros e recentemente ingressei num curso online da University of London disponível no Coursera que tem bastante material sobre o assunto – indicações de livros, links e vídeos. Foi como conheci o nome do engenheiro e pesquisador da IA Pedro Domingos, que neste vídeo (desculpem, é no site da IBM, que não permite embedar o vídeo aqui) resume um dos problemas que impulsionam a IA, hoje.

O vídeo diz o seguinte (segue a transcrição completa):

People often ask me – what’s the relationship between AI and machine learning and big data? Machine learning is the subfield of AI that deals with getting computers to learn. So you can think of AI as the planet that we’re going to, and machine learning as the rocket that will get us there, and big data as the fuel for that rocket.

There are many examples of AI and machine learning at work in the world today, that touch people’s everyday lives, but they aren’t even aware of it. For example, every time you do a web search, when Netflix recommends a movie, when Facebook selects posts, when Amazon recommends a book, it’s machine learning that’s doing that. Then there are people who apply machine learning and AI in things like robotics, and vision, and natural language processing, or medicine, or oceanography, or social science, you name it.

We’ve gotten very far in AI in the first 50 years. There’s a million miles more to go. So we’re going to need a lot of compute power that is specialized for things like machine learning. I think Intel has something very important to contribute to all of this which is at the end of the day, it all starts with the hardware.

Intel is in the leading position to bring us the hardware and the architectures to try to foster this open community that we really do need to make progress.

We’re actually now for the first time in history at the point where you could say you can have a supercomputer that is about as powerful as the human brain. So the thing that is really holding us back is that we don’t understand well enough how, for example, learning works. If we were able to devise a learning algorithm that is truly as good as the one in the human brain, this would be one of the greatest revolutions in history. And it could happen any day at this point. At this point this is a problem that if we could solve it we solve all other problems. If I come up with a better machine learning algorithm, that algorithm will be applied in business, in finance, in biology, in medicine across the board.

As partes em itálico na transcrição são marcações minhas. Vou falar sobre elas no segundo post que escrevi sobre isso, sigam-me se ficaram curiosos 😉

Imagem do post: Clarisse Croset @ Unsplash

Leia o próximo post:

Pontos de Interrogação em IA, machine learning e cognição humana – Parte 2

A Mente Humana para Além do Cérebro

Lançamento do nosso livro aconteceu em Coimbra em novembro

Estive em Coimbra, Portugal, para o Congresso Bem-Estar, Saúde, Cognição & Desenvolvimento, que aconteceu a partir de uma parceria entre o Instituto de Psicologia Cognitiva, Desenvolvimento Humano e Social da Universidade de Coimbra e a Fundação Beatriz Santos nos dias 28 a 30 de novembro.

Na ocasião, apresentei uma comunicação intitulada ” Uma Reflexão sobre a Inteligência Artificial para Além da Mente Representacional”, além do pôster “A Mente na Inteligência Artificial”. Foram realizadas diversas palestras interessantíssimas e me senti muito privilegiada de estar ao lado de pesquisadores tão feras. Pude conversar com muitos deles e isso me ajudou a pensar em diversos aspectos essenciais para a minha pesquisa de doutorado.

No Congresso aconteceu, ainda, o lançamento do livro A MENTE HUMANA PARA ALÉM DO CÉREBRO – PERSPECTIVAS A PARTIR DOS 4Es DA COGNIÇÃO, escrito a muitas mãos. Sou uma das organizadoras e autoras da obra, ao lado dos professores Eduardo Santos e Ralph Bannell e da pesquisadora Elsa Rodrigues. Mais sete autores colaboraram. A capa foi feita por um artista incrível de Portugal chamado Seixas Peixoto. O livro resulta do trabalho que temos realizado no E-Minds Lab, um grupo de estudos e pesquisas da Universidade de Coimbra do qual faço parte há cerca de dois anos. E está disponível em PDF neste link.

Foi lançado também o livro BRINCAR: DO CONCEITO ÀS PRÁTICAS, dos professores Ana Cristina Almeida e Eduardo Santos.

Que venham muitos projetos mais em 2020. É trabalhando que a gente resiste às intempéries deste nosso país e do mundo. Avante! FELIZ ANO NOVO A TODOS!

II Workshop sobre Enativismos

Estou participando do comitê de organização do II Workshop Enativismos, que acontecerá na PUC-Rio dias 13 e 14 de novembro. Além do workshop, haverá mesas-redondas e apresentações de trabalhos de mestrandos e doutorandos.

Enativismos são abordagens de estudo da mente humana e, consequentemente, da cognição, que enfatizam a participação da ação do corpo no ambiente. Ou seja, são abordagens que pensam muito além do cérebro quando se trata de perceber o mundo e aprender!

O tema pode ser novo para muita gente, principalmente no Brasil, mas é fascinante. A partir de tais debates, essencialmente filosóficos, conseguimos identificar implicações para estudos ligados aos campos da educação, psicologia, saúde, ciência da computação, inteligência artificial, tecnologias assistivas, tecnologias educacionais e muitos outros.

Para ministrar o workshop, convidamos o professor Juan Camilo Espejo-Serna, da Universidad de La Sabana, na Colômbia. Para saber mais sobre o workshop, clique aqui.

No dia 13, após o workshop, acontece a palestra de abertura com esse mesmo professor, com o tema “Computação radicalmente enativa“. Veja a descrição abaixo.

Além do workshop e da palestra, o evento contará com mesas -redondas ministradas pelos pesquisadores Ralph Ings Bannell (meu orientador de doutorado); Carlos Mario Márquez Sosa e Laura Machado Nascimento. Aqui tem informações sobre eles.

As inscrições precisam ser feitas antes do evento e são gratuitas. O formulário para fazer é este aqui

Se você quiser saber mais sobre o tema desse evento, entendendo já alguma coisa ou não; se ficou curioso(a) ou algo assim, este blog é para isso. Não se acanhe, pergunte. Nos vemos dias 13 e 14!

Palestra do dia 13:

Computação radicalmente enativa

Prof. Dr. Juan Camilo Espejo-Serna

Universidad de la Sabana, Colombia

November 13, 2019

Abordagens anti-representacionais nas ciências cognitivas, como o Enativismo Radical (Hutto and Myin 2013, 2017), são tipicamente tomadas como envolvendo a rejeição ao computacionalismo. Parte da razão parece ser a própria rejeição da representação, pois sem essa noção não há necessidade, ou mesmo lugar, para a noção de computação. Mas essa última noção tem um papel crucial em inúmeras explanações da cognição que fazem uso, por exemplo, de modelos computacionais para a mente; assim, eliminar a discussão sobre computação deixa o Enativismo em déficit. 

Apesar de o espírito do Enativismo Radical ser revolucionário, eu acredito que não haja necessidade de eliminar a computação. Nessa exposição, eu proponho uma visão radicalmente enativa de computação que não faz uso de representações. A ideia é que os modos dinâmicos e em loop através dos quais sujeitos interagem com seus ambientes são computações. Em um slogan: enação é computação. Para fazer sentido disso, explicarei o modo pelo qual uma dada interação com o ambiente é um processo computacional ao especificar a função sendo realizada. O núcleo do argumento dependerá de explicar como é possível especificar uma função sem mesmo um sentido mínimo de conteúdo representacional.


Materialidades é tema de seminário na PUC-Rio dia 16

Se você é de qualquer área de atuação, seja um pesquisador ou não, e tem curiosidade quanto às relações humanas com os mais variados artefatos materiais que nos cercam, esse encontro que acontecerá na PUC-Rio dia 16 de outubro, quarta agora, te interessa.

Explorações em Materialidades” discutirá temas tão diversos, mas com alguma coisa em comum, quanto máscaras, sangue, dinheiro e cabelo. Os debates seguirão três eixos: Natureza e Cultura, Mente, Self e Cognição, Material e o Simbólico.

A organização é da prof. Mylene Mizrahi e do prof. Ralph Bannell (departamento de Educação). Localização: PUC (Gávea), Auditório Padre Anchieta. Horário: das 9h às 19h. Gratuito. Mais informações: https://www.facebook.com/events/1147261502130639/

Primeira vez apresentando pôster em um evento acadêmico

Para quem não está familiarizado com a vida acadêmica e suas convenções, existe uma modalidade de apresentação em congressos e afins que é o pôster. O pesquisador produz um pôster contendo informações sobre o seu projeto de pesquisa e, se aprovado pela comissão do evento, expõe seu pôster na ocasião para que os visitantes leiam o que está escrito e esclareçam dúvidas.

Pela primeira vez, eu apresentei um pôster em um evento, e foi logo em um de alto gabarito, a reunião anual do INCog, o Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Neurociências e Cognição da PUC-Rio.

Foi uma experiência bastante interessante. Pessoas que visitaram meu pôster, que tinha como título A MENTE NA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, ficaram curiosas em saber se eu achava que pessoas e robôs precisariam dos mesmos atributos para “aprender”; se eu acredito que haveria a necessidade de representações mentais para haver apreensão/percepção do mundo; de que forma eu consideraria que a IA poderia absorver questões relativas ao corpo e ao ambiente na cognição humana. Todas questões em aberto, sem respostas fechadas 😉 Agradeço muitíssimo a todos que me fizeram perguntas e contribuíram para o meu projeto de doutorado, que ainda estou desenhando.

http://www.camilaleporace.com.br/wp-content/uploads/2019/10/poster-incog-FINAL09OUT.pdf

Are robots the teachers of the future?

Are robots the teachers of the future? Are we going to lose (all) our jobs to artificial intelligence machines? Is the Digital Singularity human’s inescapable future?
 
These questions are on the cutting edge when it comes to the relationship between human cognition and digital technologies. Hence, they also affect the way we glimpse the future of education. These subjects are closely related to questions about the human cognitive system: how do we perceive the world? How do we learn? What makes us cognizers, in the deepest sense of the term? How do we experience the world we inhabit?
 
Our close relationship with technologies transmutes us into cyborgs, according to the philosopher Andy Clark, author of Natural born Cyborgs (2003) and one of the developers of the Extended Mind Thesis. Clark’s thesis advocates that humans extend their cognitive systems through technologies, not only digital but of all kinds. And this ability to integrate these artifacts into our cognitive circuitry, linked to our capacity to transform the environment and be altered by it, would be some of the main elements to distinguish us from other animals. As natural beings, we are in a continuous circular movement with nature, its creatures, plants, all living beings. This connection between experience and nature is part of the philosophy of John Dewey and some ideas that resemble his are also present in the theses of philosophers like Maurice Merleau-Ponty and Hubert Dreyfus. They hold that we are much more than computer-like processing machines, defending that there is much more to human cognition than information processing. Or, as the philosopher Alva Noë and the psychologist James Gibson would say, perception and action cannot be segregated, because we act in order to perceive: without action, there would be no perception at all. This perspective is connected to the enactive cognition approach, one of the contemporary research lines linked to cognition and the human mind.
 
The extended and the enactive cognitive approaches show we are far from being replaceable by robots. Unless artificial intelligence machines become more than input-output information crunchers, they will not be able to simulate some of the most important features of human cognition, and it will be hard for them to substitute us in a range of activities in which our experience is irreplaceable. In what concerns teaching and learning, emotions are a fundamental part of the process – according to philosophers like Dreyfus and the neuroscientist António Damásio, author of Descartes’ Error and The Strange Order of Things. Robots don’t have feelings. Therefore, machines are not able to actually learn anything. So, we could ask: are “creatures” not able to learn skilled to teach? Unless they become sentient, conscious creatures, these systems will probably not be able to become teachers, and will remain, at best, auxiliaries to teaching. So, as these features remain far from reality concerning A.I., we can give a shot at the question in the first paragraph of this text: robots may be the teachers of a distant future, but they are certainly not able to replace our teachers in the present.
 
Some references for those who want to read more: