A Mente Estendida: Esboços do Mundo

Este post é um complemento à aula que dei no XI Curso de Verão do INCOg/PUC-Rio sobre a Tese da Mente Estendida. Coloquei aqui os links, imagens, vídeos e inspirações que usei na apresentação, para que ficassem disponíveis para quem deseja saber mais.

A aula está disponível no vídeo a seguir.

O que vemos quando olhamos para uma obra de arte, um quadro, uma pintura, é o resultado de muitas tentativas e erros, trabalhos e retrabalhos. Esboços. Rascunhos. E, mesmo depois dos rascunhos, a obra de arte em si é constituída a partir de muitas camadas.

A tese da mente estendida desenvolvida por Andy Clark nos convida a ter essa perspectiva da mente e da cognição humana, como se estivéssemos sempre fazendo um processo de tentativa e erro para entender o mundo e as coisas que acontecem com a gente e em torno de nós. A abordagem nos leva a entender a formação da mente humana em camadas, que vamos adicionando na medida em que experimentamos as mais diversas atividades de estar no mundo e de conhecer o meio.

Abaixo há uma série de referências e vídeos para quem deseja saber mais sobre a tese e descobrir como a atividade mental humana é mais ativa, fluida e imaginativa do que talvez pudéssemos conceber:

  1. No livro DESEDUCANDO A EDUCAÇÃO: MENTES, MATERIALIDADES E METÁFORAS, lançado por um grupo de professores do Departamento de Educação da PUC-Rio (prof. Ralph Bannell, Mylene Mizrahi e Giselle Ferreira) em 2021, há um capítulo que se chama Para além do cérebro nu. Trata-se da tradução do capítulo 8 do livro Mindware, de Andy Clark. Este capítulo é fundamental para compreender mais sobre as ideias que apresentei no Curso de Verão do INCOg (em breve posto o vídeo da apresentação aqui);
O livro pode ser baixado gratuitamente no site da
Editora PUC-Rio
http://www.editora.puc-rio.br/

2. A artista que aparece pintando, e cujas imagens usei para ilustrar a questão das camadas na pintura, é canadense e se chama Lori Mirabelli. Assista a este vídeo completo dela e ouça as explicações sobre as camadas; mesmo para quem nao é artista, é o maior barato acompanhá-la mostrando esse processo interessantíssimo:

3. O livro cuja capa aparece no quarto slide é o “Oxford Handbook of 4E Cognition”, editado por Albert Newen, Leon De Bruin e Shaun Gallagher; saiba mais sobre a publicação aqui.

The Oxford Handbook of 4E Cognition

4. O livro em que Andy Clark aprofunda a questão das previsões cerebrais e como elas se acomodam com sua teoria da mente estendida se chama Surfing Uncertainty – Prediction, Action and the Embodied Mind e você pode saber mais sobre ele aqui.

5. Abaixo está o vídeo completo sobre as previsões cerebrais, cujos trechos apresentei na minha aula. O vídeo é ótimo, o único inconveniente é que não tem legendas em português (e nem mesmo em inglês). Mas vale a pena assistir – e você pode usar o recurso de abrir a transcrição do vídeo e depois traduzi-la num tradutor online, se precisar. A aula do vídeo é dada por Anil Kumar Seth, professor britânico de Neurociência Cognitiva e Computacional na Universidade de Sussex.

6. O desenho de Otto e Inga, reproduzido abaixo, foi feito por Helen de Cruz, filósofa e artista, e faz parte de uma série de ilustrações que ela fez para tentar materializar visualmente experiências filosóficas. Esses desenhos incríveis podem ser vistos neste link aqui.

7. A imagem abaixo, que achei poderosa para ilustrar a ideia de andaimes introduzida por Clark para abordar as extensões da mente, está numa matéria da Scientific America apropriadamente intitulada How Room Designs Affect Your Work and Mood.

8. A imagem do post, lá em cima, e que abre a apresentação, eu achei aqui

9. A apresentação em Power Point está disponível aqui

10. Referências Bibliográficas da apresentação/aula:

CLARK, A.; CHALMERS, D. The extended mind. Analysis, 58 (1), p. 7-19, 1998.

CLARK, A. Para além do cérebro nu. In Bannell, R. I., Mizrahi, M., Martins dos Santos Ferreira, G. (Orgs.) (Des)educando a educação: Mentes, Materialidades e Metáforas. Tradução de Camila De Paoli Leporace. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2021.

CLARK, A. Being there: putting brain, body, and world together again. Cambridge, MA: MIT Press, 1998.

_________. Natural-Born Cyborgs. Minds, Technologies and the Future of Human Intelligence, New York: Oxford University Press, 2003.

_________. Supersizing the mind: embodiment, action, and cognitive extension. Oxford: Oxford University Press, 2011.

_________. A. Mindware. Cambridge: MIT Press, 2014.

DELLERMANN, D., EBELl, P., SÖLLNER, M., & LEIMEISTER, J. M. (2019). Hybrid Intelligence. Business and Information Systems Engineering, 61(5), 637–643. https://doi.org/10.1007/s12599-019-00595-2

GALLAHER, S. Philosophical Antecedents of Situated Cognition. In: ROBBINS, Philip, e AYDEDE, Murat. The Cambridge Handbook of Situated Cognition. Cambridge University Press, 2009.

NEWEN, A,; DE BRUIN, L.; GALLAGHER, S. The Oxford Handbook of 4Es Cognition. New York: Oxford University Press, 2018.

ROBBINS, P., e AYDEDE, M. The Cambridge Handbook of Situated Cognition. Cambridge University Press, 2009).

RUPERT, R. Cognitive Systems and the Extended Mind. New York: Oxford University Press, 2009.

SOEKADAR, S., CHANDLER, J., IENCA, M., & BUBLITZ, C. (2021). On The Verge of the Hybrid Mind. Morals & Machines, 1(1), 32–45. https://doi.org/10.5771/2747-5182-2021-1-32.

What Computers Can’t Do (Hubert Dreyfus)

EN

Hubert Dreyfus’ “What computers Can’t Do” will be 50 years old in 2022. Despite having been released half a century ago, it is still pertaining when it comes to the gap between human cognition and artificial intelligence. I like Dreyfus’ critique to artificial reason mostly because he was actually concerned with human intelligence, not so much machines’ intelligence. The book (which got a second edition, amplified, in 1992) is compelling for those interested in comprehending some of the most important challenges faced by AI – and that have not yet been overcome.

Inspired by phenomenologists like Heidegger and Merleau-Ponty, Dreyfus (who unfortunately died in 2017 at 87) advocated that human intelligence is far beyond computation and representation. He suggested that we are “skillful copers”, i.e., highly skilled embodied agents capable of dealing with the world’s uncertainties and unsteadiness in a remarkably fine-grained way, anchored in the body and in the emotions. Because it is coupled to the environment, this being-in-the-world is more direct and less dependent on mediators (representations).

I also encourage readers to watch some of Dreyfus’ great interviews, lectures and talks available online.

PT

Hubert Dreyfus’ “What computers Can’t Do” fará 50 anos em 2022. Apesar de ter sido lançado há meio século, ele ainda é pertinente quando se trata do gap entre a cognição humana e a inteligência artificial. Eu gosto da crítica de Dreyfus à razão artificial principalmente porque ele estava realmente preocupado com a inteligência humana, não tanto com a inteligência das máquinas. O livro (que teve uma segunda edição, ampliada, em 1992) é muito pertinente para aqueles interessados em compreender alguns dos desafios mais importantes enfrentados pela IA – e que ainda não foram superados.

Inspirado por fenomenólogos como Heidegger e Merleau-Ponty, Dreyfus (que infelizmente morreu em 2017 aos 87 anos) defendeu que a inteligência humana está muito além da computação e da representação. Ele sugeriu que somos “skillful copers”, isto é, agentes corporificados altamente habilidosos capazes de lidar com as incertezas e instabilidades do mundo de uma forma altamente refinada, ancorada no corpo e nas emoções. Por estar acoplado ao meio ambiente, este being-in-the-world é mais direto e menos dependente de mediadores (representações).

Eu também encorajo os leitores a assistir algumas das grandes entrevistas e palestras da Dreyfus disponíveis on-line.

Hubert Dreyfus on Embodiment (II-II)
Conversations with History: Hubert Dreyfus
Hubert Dreyfus Interview – AI, Heidegger, Meaning in the Modern World

MindBrainBody Symposium [9th MBB Symposium 2022]

Website

The event will take place from March 16-18, 2022 in hybrid mode (in person and virtual) during International Brain Awareness Week 2022.

Postdoctoral and doctoral researchers as well as students from the domains of cognitive, affective and social neurosciences, cognitive neurology and neuropsychiatry, psychology or other behavioral and social sciences tare welcome to submit abstracts (max. 300 words) to present a talk or a poster. The talks will be recorded and extra question rounds will be available next day. Please check here for more details.

The symposium program includes keynote lectures, workshops, presentations by applicants, and a poster session (with a poster prize) as well as an MBB Young Scientist Award (see below). Attendance without presentation is possible. Previously presented posters are also welcomed.

Keynote Speakers:

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Olaf Blanke (Laboratory of Cognitive Neuroscience Brain-Mind Institute Center for Neuroprosthetics EPFL, Geneva/Switzerland)
Beatrice De Gelder (Maastricht University, Maastricht/The Netherlands)
Katerina Fotopoulou (Division of Psychology and Language Sciences, UCL, London/UK)
Rebecca Böhme (Center for Social and Affective Neuroscience, Linköping/Sweden) 
Sahib Khalsa (University of Tulsa; Laureate Institute for Brain Research, Tulsa, OK/USA)

Interesting Conferences & Seminars

Symposium on The Mind-Technology Problem

October 21 & 22 2021

Organizers: Klaus Gärtner, Robert W. Clowes

Speakers: Catarina Dutilh Novaes, J. Adam Carter, Manuel Curado, Ron Chrisley, Steven Fuller, Vincent Müller, Paul Smart among others

We are living through a new phase in human development where much of everyday life – at least in the most technologically developed parts of the world – has come to depend upon our interaction with “smart” artefacts. Alongside this increasing adoption and ever-deepening reliance on intelligent machines, important changes have been taking place, often in the background, as to how we think of ourselves and how we conceptualize our relationship with technology. As we design, create and learn to live with a new order of artefacts which exhibit behavior that, were it to be carried out by human beings would be seen as intelligent, the ways in which we conceptualize intelligence, minds, reasoning and related notions such as self and agency are undergoing profound shifts. Indeed, it is possible to argue that the basic background assumptions informing, and the underlying conceptual scheme structuring our reasoning about minds has recently been transformed. This shift has changed the nature and quality of both our folk understanding of mind, our scientific psychology, and the philosophical problems that the interaction of these realms produce.
These new conceptualizations – sometimes implicit, sometimes explicit – about the nature of mind and its relationships to the artefacts we build has given rise to a new constellation of basic philosophical problems about the very nature of mind. This constellation we call, The Mind-Technology Problem. The mind-technology problem should be understood as the successor to the mind-body problem, engaging with the mind in a digital era. Distinctive questions include: What properties of mind may be enabled, transformed or extended by technology? What properties of mind may be diminished, outsourced or curtailed? Is human agency being primarily constrained or enabled by our encounter with 21st Century technology and especially by our interaction with AI? How might the nature of human agency, memory, knowledge, responsibility, and consciousness be changed through this interaction? These can all be viewed as problems of where our minds stop, and our artefacts begin. Deciding the limits of mind seem to recast the nature of the other philosophical problems around it.

Programa

21 de Outubro, Quinta-feira

09:30 – 10:00 Registration
10:00 – 10:20 Robert Clowes – Intro: Why the Mind Technology Problem? Why Now?
10:20 – 11:30 Steven Fuller – Humans 2.0 and tMTP (Final Title TBC)
11:30 – 11:50 COFFEE BREAK
11:50 – 13:00 Catarina Dutilh Novaes [online] – Attention and Trust in Online Argumention.
13:00 – 14:30 ALMOÇO
14.30 – 15:40 Manuel Curado – The Mind-Technology Problem in the Context of Evolutionary Psychology: The Challenge of on demand Mind Designs
15:40 – 16:00 COFFEE BREAK
16:00 – 17:10 Ron Chrisley – “I contain multitudes”: Can minds nest?

22 de Outubro, Sexta-feira

09:30 – 11:00 Vincent Müller – Epistemology, AI and Human Minds (Final Title TBC)
11:00 – 11:30 COFFEE BREAK
11:30 – 13:00 J. Adam Carter [online] – “Digital knowledge and the norms of AI delegation (or: leave it all to the machines?)” 
13:00 – 14:30 ALMOÇO
14:30 – 15:30 Steven Gouveia – Minds, Persons and the Mind-Uploading Hypothesis
15:30 – 16:00 COFFEE BREAK
16:00 – 17:00 Paul Smart [online] – Minding Society: Social Machines, Predictive Processing, and the Cognitive Incorporation of Humanity
17:00 – 17:30 Robert W. Clowes (chairing) – Closing discussion: The Future(s) of the tMTP

Informações
O simpósio será realizado em formato híbrido: presencialmente, no Anfiteatro da FCiências.ID, e online, via Zoom. A participação é gratúita, mas carece de incrição.

Inscrição
https://forms.gle/GvaUvvvQ9WsLLX3t9

Morada do Anfiteatro da FCiências.ID
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Edifício C1, Piso 3
Campo Grande, Lisboa

Contacto
robert.clowes@gmail.com e klga@gmx.de

After Disenchantment: Science, Education, and la Vita Activa

(Aula inaugural CES – Universidade de Coimbra / PRESENCIAL)

October 22 2021

Speaker: Sheila Jasanoff (Harvard University)


Since the early twentieth century, philosophers and sociologists of technology have bemoaned the power of science and technology to empty our world of meaning: through devices such as rationalization, standardization, massification, and routine. Humans are seen as subjugated to machineries of production, and deprived of voice and agency, so that innovation suffers and democracy itself is in deficit. I will argue to the contrary that the turn of the twentieth century brought enormous gains in our capacity to reflect on what it means to be citizens of scientific and technological societies. Drawing on concepts such as co-production, constitutionalism, and sociotechnical imaginaries, I will show how this rise in social reflexivity has equipped us to rethink the politics of science and technology. I will use illustrations from work in science and technology studies (STS) on environment, biotechnology, and AI to show how advances in theories of science and technology in society open up new vistas for social creativity and political action.

Sheila Jasanoff is Pforzheimer Professor of Science and Technology Studies at the John F. Kennedy School of Government at Harvard University. She is affiliated with the Department of the History of Science and Harvard Law School. Previously, she was Professor of Science Policy and Law at Cornell University and founding chair of Cornell’s Department of Science and Technology Studies. At Harvard, she founded and directs the Kennedy School’s Program on Science, Technology and Society (STS). In 2002, she founded the Science and Democracy Network, an international community of STS scholars dedicated to improving scholarly understanding of the relationships among science, technology, law, and political power.

Jasanoff has been a pioneer in building the field of Science and Technology studies (STS). Through her many administrative, pedagogical, and editorial roles, she has helped define the field for a generation of younger scholars in STS. Her works on law and science, risk management, the comparative politics of regulation, and science in environmental decisionmaking count as basic texts on those topics

Self-Consciousness and Social Interactions in Humans and Artificial Agents

October 26 2021

Speaker: Anna Ciaunica (CFCUL/GI2).

In this talk I will provide an overview of my previous work on the bodily roots of conscious experiences throughout the lifespan. I will then briefly look at alterations of self-awareness in depersonalisation, a condition that makes people feel detached from one’s self, body and the world. I will present some recent findings from our group regarding the relationship between depersonalisation and the bodily self. I will conclude by presenting my ongoing projects and experiments that will test these ideas empirically in humans and artificial agents.

Transmissão em direto via Zoom (password: 553547).

Cartaz do evento

4º CONGRESSO INTERNACIONAL DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE FILOSOFIA

Nesta sexta dia 10 vou apresentar ideias relacionadas a minha pesquisa no 4º CONGRESSO INTERNACIONAL DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE FILOSOFIA, promovido pela Universidade do Minho. O evento começa na 5a feira, dia 9. O programa completo está neste link.

Doutorado em Filosofia no exterior: como fazer?

Um tema frequente entre estudantes e pesquisadores interessados em fazer mestrado e doutorado é a possibilidade de realizar a pós-graduação no exterior. O que é preciso para fazer um mestrado ou doutorado fora? Quais os fatores que essa decisão envolve? Como planejar esse grande passo? O que fazer primeiro? Como se comportar nas entrevistas? O que escrever no e-mail para aquele pesquisador que tem um trabalho tão interessante? Qual o tom que devo usar? Quanto vou precisar investir? Vou conseguir uma bolsa de estudos?

Para ajudar na busca por respostas a essas questões, especialmente com foco em estudantes interessados nas Humanidades, eu e o Elan Marinho, do Canal Filosofia Acadêmica, entrevistamos o Hugo Mota, mestre em Filosofia pela UFPE. Ele está indo fazer doutorado em Filosofia na Universidade de Oslo. O Hugo foi super bacana, contou tudo tin-tin por tin-tin e deu dicas preciosíssimas. Se você perdeu a live, pode assistir novamente agora, no vídeo a seguir. Além do vídeo, o Hugo preparou um documento super bacana com as dicas por escrito, que está disponível neste link.

Depois de conferir este vídeo, aproveite para assistir a outras lives imperdíveis do Filosofia Acadêmica, mantido pelo Elan.

Imagem do post: Slava @ Unsplash

Filosofia: uma introdução temática (Giovanni Rolla)

O livro “Filosofia: uma introdução temática” foi publicado recentemente pelo professor e pesquisador Giovanni Rolla, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), inaugurando uma coleção vinculada ao Nel – Núcleo de Epistemologia e Lógica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Está disponível como e-book e pode ser baixado gratuitamente neste link aqui.

Em 2018, o professor publicou “Epistemologia: uma introdução elementar”, também disponível gratuitamente neste outro link aqui. Impulsionado pela boa experiência anterior, desta vez o autor teve como motivação desenvolver uma obra que apresentasse problemas filosóficos a leitores interessados em filosofia, não necessariamente iniciados no campo.

Para escrever essa introdução, Giovanni Rolla partiu de suas próprias aulas, ainda que sem se limitar a elas. O resultado é um livro de grande utilidade prática para a compreensão de determinadas ideias a partir da perspectiva da filosofia. Em parte, a originalidade da obra se deve à própria maneira como as ideias são expostas, com leveza, objetividade e foco nos problemas filosóficos. Giovanni escreve de uma forma muito fluida, agradável e acessível.

A importância de um livro escrito dessa maneira para quem se interessa por filosofia, mas ainda não tem muita familiaridade com a área ou conhecimento prévio, é que começar a ler filosofia nem sempre é uma tarefa muito fácil. Uma prática comum na área é a exegese, além da investigação histórica. O problema é que essas práticas, em vez de atrair, podem acabar distanciando interessados em filosofia que não têm tempo ou fôlego para uma leitura tão minuciosa daquilo que cada autor falou e em qual contexto.

Um tanto mais rara no Brasil e, no meu entendimento, possivelmente mais proveitosa – especialmente para quem deseja contar com a filosofia para ampliar sua perspectiva acerca de determinados assuntos – é a apresentação de tópicos como Giovanni faz. Essa proposta torna o livro um interessante ponto de partida (daí o nome da coleção que a obra inaugura) para discussões que apresentam interseções com outras diversas áreas.

Na breve entrevista que fiz com o autor, ele conta um pouco mais:

1. Qual você considera que é o “público-alvo” do livro?

GIOVANNI ROLLA: Eu concebi esse livro aproximadamente a partir das minhas aulas de Introdução à Filosofia na UFBA. Essas aulas são voltadas para alunos de outros cursos que não a Filosofia, como os cursos de Direito, Psicologia, Bacharelado Interdisciplinar, Administração, Secretariado Executivo entre outros. São pessoas que ainda não tiveram muito contato com assuntos e temas filosóficos—se estudaram Filosofia, foi com o enfoque tradicional do ensino médio, que, na maior parte das escolas, é voltado para o ENEM. Então eu escrevi para esse tipo público (mas acredito que também possa ser usado, junto com outro material, no ensino médio). Ou seja, escrevi sem pressupor conhecimento de discussões filosóficas, e procurei apresentá-las com o vocabulário mais acessível possível, dentro de um recorte bem delimitado e com algumas sugestões de leitura no fim dos capítulos. Inclusive, são muitas vezes as leituras que eu uso em sala de aula.

2. A filosofia tem fama de ‘complicada’ e você, além de contribuir com o livro em si trazendo uma introdução a temas importantes da área, se mostra bastante preocupado com a linguagem que utiliza no livro, de um modo bastante simpático e que convida à leitura. Quais as dificuldades mais comuns que seus alunos encontram ao começar a ler textos filosóficos, e quais as dicas que você dá para quem deseja lê-los? Essas dificuldades inspiraram você a escrever, ou a inspiração veio de outras fontes?

G.R.: Eu acho que uma dificuldade muito geral para pessoas que estão começando a estudar filosofia consiste em adotar uma postura crítica na leitura. Com isso quero dizer que o estudo de filosofia envolve uma leitura atenta a alguns elementos que geralmente não estão presentes em outros tipos de textos (como textos literários), como argumentos, teses, objeções, distinções conceituais, etc. Estudar filosofia envolve constantemente se perguntar coisas como: “por que esses autores acham isso?”, “o que eles quiseram dizer aqui?”, “será que essa resposta resolve aquele problema?”, etc. Por causa da falta de hábito ou de treino em ler criticamente, as pessoas muitas vezes têm dificuldade de entender um texto filosófico. Mas isso, eu acho, você só aprende fazendo. Outra dificuldade diz respeito ao fato de ter que lidar com um vocabulário muito diferente do nosso vocabulário cotidiano. Isso é normal, porque a filosofia—ou melhor, a boa filosofia—pretende alcançar certo grau de rigor nas suas formulações. Isso passa pela criação de termos técnicos e de distinções, e isso pode gerar alguma estranheza aos leigos, por isso que você tem que ler filosofia tomando notas, rabiscando, destacando conceitos, sublinhando o que for importante etc.

Quanto às inspirações, eu não saberia dizer exatamente quais seriam elas. Havia uma vontade muito grande de escrever, de me manter ocupado (essa é a força que me compele sempre a participar de todos os projetos com os quais estou envolvido). Na verdade, no fundo no fundo, me parece que escrever e voltar minha atenção a problemas filosóficos (e às vezes aos problemas filosóficos que ficam na fronteira com os empíricos) é minha maneira de me manter são, de tirar um pouco minha atenção de problemas e tragédias cotidianas. A primeira versão desse livro, na verdade, tinha como alvos muito mais explícitos certas, digamos, figuras públicas que eu acredito representarem uma imbecilidade galopante que é hostil à Filosofia, e na verdade a toda vida inteligente. Eu diminuí o tom por autopreservação. Mas talvez isso mude numa eventual segunda edição a partir de 2022. Isso se meu editor Jerzy Brzozowski deixar.

3. Como foi a escolha de temas para o livro? Pode contar um pouquinho mais sobre o processo (para além do que já conta no prefácio)?

G.R.: Quando pensei em escrever um livro, tinha em mente registrar os conteúdos das minhas aulas. Mas isso foi mudando, pois, conforme avançava a escrita, eu dei uma ênfase nova a algumas questões. Um exemplo é a filosofia da linguagem e a questão da nomeação, um assunto nem sempre eu consigo trabalhar em aula. Também tirei completamente a seção de epistemologia tradicional (definição de conhecimento, ceticismo, etc.), em detrimento de uma nova seção de filosofia da ciência. Achei essa última seria mais importante para época em que a gente está vivendo, um tempo bizarro em que as pessoas pensam que tomar remédio para protozoário pode acabar com uma infecção viral. Na parte da ética eu tive mais problemas, e foi a que demorou mais para escrever, porque eu não tenho nada muito original para escrever sobre esses assuntos, e talvez também seja algo para rever no futuro. Eu admito que não tenho um único pensamento original ou interessante sobre estética, então nem me arrisquei a colocar um capítulo sobre esse tema!

4. Você acredita que existe uma “porta” certa pela qual se deve entrar quando se quer começar a  estudar filosofia ou existem várias possíveis portas de entrada? Quais dicas daria para quem quer começar a estudar?

G.R.: Eu acredito que existe uma maneira mais fácil quando se trata de uma introdução à Filosofia, que é relacionar questões de dia-a-dia ou de senso comum com problemas filosóficos. A vantagem dessa abordagem é que diminui o senso de estranheza—mas claro que nem sempre isso é possível, porque existem problemas muito técnicos e muito abstratos. Mas aí há um posicionamento meta-filosófico (que eu trato no livro), que é a continuidade da filosofia tanto com o senso comum, quanto com as questões empíricas. Há pessoas que negam essas relações, e talvez isso oriente uma preferência por ensinar e estudar filosofia de um ponto de vista estritamente histórico (tive excelentes professores que faziam isso). Mas como eu nunca fui bom nisso e nunca fiz história da filosofia com muito ânimo, prazer ou virtude, então não saberia como começar dessa perspectiva. 

Acho que uma dica primordial para qualquer material filosófico com que você se deparar é ler se perguntando ‘por quê?‘. 

5. Se quiser fazer mais algum comentário, esta é a hora 😉

Por enquanto, eu só quero agradecer pelo espaço e pela divulgação mais uma vez 😉 Um abraço! 

Eu que agradeço ao prof. Giovanni Rolla pela entrevista.

Prof. Dr. Giovanni Rolla é professor adjunto de Filosofia pelo Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia. É membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da mesma universidade e membro fundador dos grupos de pesquisa interinstitucionais Enactive Cognition & Narrative Practices (Wollongong-AUS) e do grupo de pesquisa Cognição, Linguagem, Enativismo e Afetividade (Brasil). É doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2017), mestre (2013), bacharel (2010) e licenciado (2015) em Filosofia pela mesma universidade. Atua principalmente com filosofia da cognição, teorias da cognição corporificada, variedades de enativismo, teorias da percepção e teorias da informação.

ROLLA, GIOVANNI. Filosofia – uma introdução temática. Florianópolis: UFSC, 2021.

Natural-Born Cyborgs (Andy Clark)

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EN

The philosopher and cognitive scientist Andy Clark, together with the philosopher David Chalmers, is the proponent of the Extended Mind Thesis, which they released in their famous essay published in 1998. In this book, Natural-Born Cyborgs – published in 2003 – Clark proposes that we, humans, are cyborgs due to our capacity of coupling with technologies. Through our connection with all kinds of devices – not only the digital ones – we can add a wide range of resources to our cognitive systems, in a process that extends our minds through the world. Clark, therefore, advocates that the human mind is not restricted to the brain and even not to the body (and he uses a few interesting, unusual expressions to refer to these features, such as “skinbag”, “brainbound”, “naked brain” so on). Andy has published several amazing books, but this is still one of my favorites. If you like technology and are interested in human-technology relations, I am sure you will love it.

PT

O filósofo e cientista cognitivo Andy Clark, junto com o filósofo David Chalmers, é o proponente da Tese da Mente Estendida, que eles lançaram em seu famoso ensaio de 1998. Neste livro, Natural-Born Cyborgs – publicado em 2003 – Clark propõe que nós, humanos, somos ciborgues pela nossa capacidade de acoplamento com as tecnologias. Por meio de nossa conexão com todos os tipos de dispositivos – não apenas os digitais – podemos agregar uma ampla gama de recursos aos nossos sistemas cognitivos, em um processo que estende nossas mentes pelo mundo. Clark, portanto, defende que a mente humana não está restrita ao cérebro e nem mesmo ao corpo (e ele usa algumas expressões interessantes e incomuns para se referir a essas características, como “skinbag”, “brainbound”, “naked brain”). Andy publicou vários livros realmente bons, mas este ainda é um dos meus favoritos. Se você gosta de tecnologia e tem interesse nas relações entre humanos e tecnologia, tenho certeza de que vai gostar muito deste livro.

O filósofo e cientista cognitivo Andy Clark, junto com o filósofo David Chalmers, é o proponente da Tese da Mente Estendida, que eles lançaram em seu famoso ensaio de 1998. Neste livro, Natural-Born Cyborgs – publicado em 2003 – Clark propõe que nós, humanos, somos ciborgues pela nossa capacidade de acoplamento com as tecnologias. Por meio de nossa conexão com todos os tipos de dispositivos – não apenas os digitais – podemos agregar uma ampla gama de recursos aos nossos sistemas cognitivos, em um processo que estende nossas mentes pelo mundo. Clark, portanto, defende que a mente humana não está restrita ao cérebro e nem mesmo ao corpo (e ele usa algumas expressões interessantes e incomuns para se referir a essas características, como “skinbag”, “brainbound”, “naked brain”). Andy publicou vários livros realmente bons, mas este ainda é um dos meus favoritos. Se você gosta de tecnologia e tem interesse nas relações entre humanos e tecnologia, buscando uma nova abordagem para o assunto, tenho certeza de que vai gostar muito deste livro.

CLARK, ANDY. NATURAL-BORN CYBORGS. Oxford University Press, 2003.

Notas sobre filosofia e ciência (2): o estudo da experiência a partir da primeira pessoa

Este post foi escrito a partir do artigo An Introduction to the Enactive Scientific Study of Experience (Moguillansky, Demsar & Riegler, 2021) e dos livros The Embodied Mind (Varela, Thompson e Rosch, 2016) e Mind in Life (Thompson, 2007).

A ciência é feita a partir da observação. Entende-se que aquilo que se observa está no mundo como algo alheio ao observador; algo separado dele. O problema com isso é que estamos inseridos no próprio mundo que desejamos desvendar por meio da ciência. Então, o estudo da experiência humana deveria ser foco da atenção da ciência…

Apesar disso, demorou para que fosse lançada essa luz sobre a observação da experiência em si. A ciência ocidental negligenciou a experiência a partir da primeira pessoa para privilegiar a perspectiva da terceira pessoa. O conhecimento sob a perspectiva da primeira pessoa, por sua vez, tem sido considerado pouco confiável ou sujeito a desvios.

De todo modo, isso tem mudado: a visão tradicional que coloca o objeto de estudo de um lado e o observador de outro, gerando um abismo quando se trata justamente de compreender a experiência humana, tem sido desafiada junto com uma visão crítica, emergente, que reconhece o papel do observador e de sua experiência corporificada (isto é, levando em conta o seu corpo como um todo, e de várias maneiras – a partir de uma concepção de cognição corporificada e situada) para a geração de conhecimento.

Existe um programa de pesquisa chamado NEUROFENOMENOLOGIA, proposto por Francisco Varela (1996), que trata justamente de desenvolver uma ciência para o estudo da consciência. A proposta valoriza a experiência vivida, convocando um diálogo entre as abordagens tradicionais, fundamentadas na terceira pessoa, e a investigação a partir da perspectiva da primeira pessoa. Métodos e procedimentos específicos para esse tipo de pesquisa têm sido desenvolvidos. Ainda não está consolidada a maneira de aproximar as perspectivas da primeira e da terceira pessoa, mas isso está sendo encaminhado e tem sido objeto de debate no campo da ciência cognitiva.

Aliás, como ressaltam os autores do artigo An Introduction to the Enactive Scientific Study of Experience (Moguillansky, Demsar & Riegler, 2021), o estudo da cognição humana é marcado por um paradoxo: o ser humano e a maneira como obtemos conhecimento do mundo torna-se o próprio objeto de estudo de… seres humanos tentando conhecer melhor o mundo; leia-se os cientistas cognitivos, filósofos, psicólogos e afins. Isto é, se a ciência empreende esforços para investigar fenômenos, produzindo explicações e descrições desses fenômenos, a ciência cognitiva tem como principal fenômeno de investigação a cognição em si.

Historicamente, temos aplicado regras para estudar a realidade – regras que compõem metodologias científicas desenvolvidas para estudar objetos desatachados de seus observadores, e que remetem a Descartes, filósofo racionalista que procurou criar um método para chegar à verdade científica. Descartes via a realidade como algo separado de nós; para compreendermos essa realidade, deveríamos separá-la em pedacinhos menores, mais simples, para depois evoluir para algo mais complexo que juntasse esses pedaços (assim ele compreendia a nossa apreensão da realidade; uma concepção que vinha da física, tal como estava se desenvolvendo na época dele, no século XVII). Bem, Descartes veio antes da fenomenologia, que viria propor justamente o estudo da experiência, partindo do todo, não de partes constitutivas do todo.

E hoje não temos apenas um método, como já mencionei.

O problema é que se passaram séculos e continuamos tratando a realidade como algo separado de nós mesmos. Então, a proposta de investigar a partir da primeira pessoa é uma proposta para tentar ajustar isso.

Os autores do artigo explicam que é necessário desenvolver “uma concepção não objetivista da ciência que torne impossível pensar na ciência como uma ferramenta para lançar luz sobre as coisas em si. Em vez disso, o entendimento enativo da ciência sugere que devemos considerar a atividade científica como a extração sistemática e cada vez mais sofisticada de regras da nossa própria experiência vivida. Como tal, a ciência não apenas é falível e propensa a erros, mas também inextricavelmente conectada a nós”.*

Isso, por si só, já é uma reorientação do olhar. Pois caminhamos de uma apreensão das coisas como elas são, aplicando regras pré-fabricadas sobre objetos “alheios” a nós, para uma mudança conceitual e postural, que consiste em tentar colher das próprias coisas que observamos as regras para observá-las. Um dos principais pontos dessa mudança é que, ao reportar experiências, isto é, falar sobre elas, as pessoas tendem a reproduzir crenças sobre como essas experiências acontecem, sobre si mesmas, sobre o mundo, em vez de se ater à experiência vivida, em si. É uma questão do que é/o que existe versus o que é descrito/estudado; de novo a ontologia e epistemologia; como quando passamos por uma situação de pânico e depois contamos sobre a situação a alguém. O que sentimos é uma coisa, o que contamos é outra (que pode conter muito da primeira, mas pode passar por várias releituras e racionalizações quando já estamos “fora” daquela ação).

Ainda segundo o artigo que menciono aqui, os primeiros estudos com métodos bem definidos, no contexto neurofenomenológico, foram conduzidos pela pesquisadora Claire Petitmengin e trataram do surgimento da intuição. Eles deram origem ao que hoje se denomina entrevista microfenomenológica. A ideia é “auxiliar o entrevistado a selecionar uma experiência singular, precisamente situada no espaço e no tempo, ‘evocando’ essa experiência e descrevendo-a. A descrição geralmente visa elucidar tanto a dimensão síncrona quanto a diacrônica de uma dada experiência. A primeira se refere à configuração de diferentes aspectos da ‘paisagem’ experiencial em um determinado momento, e a última a como essa paisagem experiencial se desdobrou ao longo do tempo. Auxiliar o entrevistado a fornecer esta descrição implica em afrouxar sua absorção no conteúdo (o “o que”) da experiência, fazendo perguntas específicas que permitem a articulação de seu modo de doação (o “como”), bem como fazer o entrevistado concentrar-se na experiência vivida sempre que se desviar dela para descrever generalizações, explicações, crenças ou julgamentos”.

Mesmo após algumas leituras, claro, ainda tenho várias questões sobre como a entrevista microfenomenológica é conduzida, as dificuldades que envolve etc. Algumas delas com certeza serão elucidadas junto a uma das autoras do artigo, Dra. Camila Moguillansky, que estará com o grupo de pesquisa GEPFE, de Filosofia da Educação, de que participo na PUC-Rio. Compartilho mais depois.

*Traduções feitas por mim, do inglês

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